terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Inteligência - Por Carlos I. S. Azambuja


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja

O sistema de Inteligência representa o órgão sensível do dispositivo insurrecional. A vitória na guerra depende do grau e conhecimento das próprias forças, das forças e vulnerabilidades do inimigo e das características geográficas, climáticas e sociais do teatro onde serão desenvolvidas as operações. Como dizia Mao: “Tudo o que está fora da nossa consciência é realidade objetiva. Por conseguinte, o que devemos aprender e conhecer compreende tanto a situação do campo inimigo quanto a nossa, e os dois campos devem ser considerados como objeto de nosso estudo”. Sem esse conhecimento acurado até um grande exército será inevitavelmente conduzido à derrota. Por meio do sistema de Informação a Organização obtém todos os dados necessários para ter uma noção, a mais exata possível, do funcionamento do próprio dispositivo, no meio geográfico e psicossocial no qual ele deve agir, e das características do inimigo. 
    
A coordenação da insurreição deve atualizar permanentemente a informação do seu próprio dispositivo, pois em razão desse conhecimento ela saberá o que é capaz de realizar e até que ponto pode resistir em cada momento da luta. Esse aspecto também foi notado por Mao: “Numa operação militar, a direção e o ponto de assalto devem ser escolhidos rendo em conta a situação do inimigo, o caráter do terreno e o estado das nossas forças no momento dado”. 

Com esse objetivo, a coordenação insurrecional deverá dispor, em qualquer momento, de uma série de dados: número e situação das frentes; composição numérica e grau de compromisso com a causa dos seus integrantes; sua capacidade operativa e de resistência; a coesão moral dos quadros; situação financeira e administrativa de cada frente; detecção, controle, neutralização e eliminaçao de eventuais infiltrados; tipos de armas, quantidade e localização das mesmas; enraizamento de cada frente no seu meio, etc.
    
O reconhecimento do terreno é essencial para o êxito das operações. Tratando-se da guerrilha rural, por exemplo, o domínio do terreno e o aproveitamento dos seus acidentes podem fazer a diferença entre a vitória e a derrota. Os comandos guerrilheiros poderão sumir numericamente, aparecer repentinamente para surpreender o inimigo em um acidente geográfico que lhe seja desfavorável, ou fixar uma posição para deter o avanço das tropas regulares. No caso da guerrilha urbana, o conhecimento das ruas, dos prédios, dos terrenos baldios, da localização de fábricas, escolas, hospitais, etc, pode garantir a aproximação, o golpe e a retirada do objetivo visado. 
    
Uma mobilização estudantil ou uma manifestação de trabalhadores deverá contar com um bom conhecimento das vias de trânsito, os meios disponíveis na área para bloqueá-las, se for o caso, meios de transportes para lograr uma rápida concentração, localização de praças, bosques, edifícios públicos, empresas estrangeiras, bancos, vias de acesso alternativas para uma eventual retirada, lugares previamente determinados para reordenar as forças, no caso em que o confronto com o aparato policial exija uma retirada, antecipação dos lugares onde a repressão disporá seu aparato, etc. Quando todos esses conhecimentos estiverem em poder das lideranças, facilitarão o planejamento das operações com maior grau de previsibilidade.
    
Além do conhecimento geográfico, a liderança deve conhecer a situação social da população no teatro de operações. Deve saber o grau de compromisso que a população da região tem com a causa da insurreição e a simpatia para com seus métodos. O levantamento sobre a existência de populares simpatizantes do regime situacionista ou de familiares de integrantes do aparato repressivo deve antecipar um bom planejamento das ações.

De nada adianta uma manifestação de rua num bairro sintonizado com o regime, pois apenas se conseguirá aumentar sua simpatia pela revolução e seus métodos. Muitas vezes é necessária uma preparação psicológica, uma operação prévia de esclarecimento político que ajude a compreender a necessidade da luta e a correção dos seus métodos e objetivos. A ausência dessa preparação quando a população  é politicamente  ignorante, pode ser fatal, como aconteceu com Che Guevara na Bolívia.
    
Mas não basta ter um conhecimento acurado das próprias forças e do teatro de operações. É necessário também conhecer intimamente o inimigo, sua potência e suas vulnerabilidades, para evitar seus ataques e golpear onde mais dói, pois, como disse Mao: “Há pessoas que são capazes de conhecer bem a si mesmas, mas não seu adversário. Há outras com as quais acontece o contrário. Nem umas nem outras podem resolver o problema de aprender e aplicar as leis da guerra” – “Che’ reclamava que quando se dirigia aos camponeses bolivianos parecia estar falando com pedras -. 
    
São muitas as informações que podem ser obtidas, daí que seja necessário selecioná-las e classificá-las, pois é importante ter muita informação, mas o mais importante é que ela seja boa. Uma boa informação é aquela que, por um lado, fornece o conhecimento de um fato que o inimigo se esforça para ocultar ou dissimular, seja em relação à sua força (preparação de um operativo repressivo, movimentação de tropas, realização de novas alianças políticas, obtenção de financiamento externo, lançamento de campanhas publicitárias, recebimento de reforço de armamentos ou tropas, etc). Ou às suas vulnerabilidades (reconhecimento de suas linhas de abastecimento, situação moral e insatisfação salarial da tropa, debilidade das alianças políticas, projeção da imagem nos organismos internacionais, falta de resposta para as necessidades básicas da população, ausência de canais de expressão política, etc). 
    
Por outro lado, uma boa informação depende da confiabilidade da fonte informativa: a questão de quem é o informante  e por quais meios obteve as informações será decisiva para determinar a seriedade com que será classificada. U’a má informação pode induzir a cometer um erro operativo que conduza à derrota parcial ou total.

As informações sobre a situação do inimigo podem ser classificadas em três grandes grupos: políticos, sociais e militares. O primeiro grupo classificará todas aquelas informações referentes à projeção política do inimigo, os critérios políticos que orientam suas decisões, sua estrutura e lutas internas pelo Poder, a relação dessas frações internas com o espectro político nacional, os “sinais” de alguns desses grupos procurando contatos com a condução insurrecional, suas relações internacionais, o âmbito de alianças internas e internacionais, etc.

As informações retratadas como sociais são aquelas que procuram retratar a situação e as tendências da sociedade e sua relação com o regime.  Conhecer o sentimento da população em relação à situação política, social e econômica é extremamente importante para determinar com precisão o momento exato da maturação da conjuntura para agir sobre ela com alguma probabilidade de êxito.

O conhecimento das clivagens sociais, da capacidade de suas respostas, do grau de insatisfação, do apoio ou reprovação do governo, do grau de consciência política e organizativa das camadas sociais é crucial para integrá-las organicamente ao dispositivo insurrecional. A sociedade ou parte dela não é apenas o teatro da insurreição, mas também sua legitimação e sua logística. A simpatia que os setores sociais tenham pela causa da insurreição os levará a colaborar com ela, seja participando ativamente de atos, manifestações, lutas de rua, etc, seja guardando material insurrecional, como armas, documentos, imprensas, etc, como também alojando combatentes clandestinos em suas casas e até emprestando-as para a construção de “cárceres populares”. Saber qual bairro é simpatizante e qual é hostil  poderá significar a diferença entre a vida e a morte, em caso de se procurar proteção durante uma retirada. 
     
As informações classificadas como militares representarão o levantamento de todos os dados disponíveis relativos ao aparelho militar e paramilitar da repressão. Sua distribuição territorial, sua estrutura operativa, a condição do seu material bélico, as linhas de abastecimento, a estrutura logística, a localização e o estudo dos quartéis, etc.
    
O dispositivo insurrecional conta, fundamentalmente, com um comando político, que dá unidade e direção política ao movimento. Também com um comando militar para direcionar as forças sublevadas e, subordinando ambos, o comando supremo do dispositivo insurrecional, sempre político-militar, que dá unidade política e direção militar a todo o movimento em seu caminho revolucionário. Como disse Lenin:
    
 
“O exército revolucionário é imprescindível porque os grandes problemas históricos só podem ser resolvidos pela força, e a organização da força é, na luta moderna, a organização militar... O governo revolucionário dá unidade política e organização política à parte do  levantado em armas... a organização da direção política do povo é tão necessária como a direção militar de suas forças”.  

Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

FONTEhttp://www.alertatotal.net/2017/01/inteligencia.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+AlertaTotal+%28Alerta+Total%29

Vantagens demais - Editorial Folha de São Paulo




Em tempos de bonança, provavelmente passaria despercebido um aumento de R$ 2,4 milhões nas despesas dos gabinetes do Senado. O montante tende a desaparecer diante do orçamento dessa Casa, em torno de R$ 4 bilhões ao ano.
Mesmo num período de grave crise a cifra empalidece quando se considera o tamanho do deficit público federal. Num país que em 2016 aceitou um rombo de quase R$ 170 bilhões, a rubrica do Senado conhecida como "outros gastos" não constitui fonte do problema –e muito menos solução.
O momento, porém, é apropriado para debater esse tipo de desembolso. Afinal, como os parlamentares pretendem justificar suas vantagens quando a maioria dos brasileiros sofre com a recessão?
É infelizmente comum que, em meio a uma crise econômica duradoura, a maioria perceba uma queda relevante no poder de compra de seu salário, mas talvez não seja exagero dizer que os congressistas nem se dão conta desse efeito.
A lista de mordomias a que têm direito é tão extensa que não seria surpresa se terminassem o mês sem levar a mão ao próprio bolso.
Além da remuneração de R$ 33.763 (o salário mínimo nacional é de R$ 937), podem utilizar uma cota para despesas associadas a atividades parlamentares: aluguel de escritório político, locomoção, hospedagem, alimentação, segurança privada e divulgação. No Senado, a verba varia de R$ 21 mil a R$ 44 mil mensais, a depender do Estado de origem.
Há ainda auxílio-moradia de R$ 5.500 (ou imóvel funcional), carro com motorista e reembolso médico, entre outras regalias.
Como se já não fosse excessivo, em 2016 o Senado despendeu R$ 4,84 milhões com "outros gastos", dobrando os R$ 2,42 milhões de 2014, como mostrou reportagem desta Folha. Trata-se de recursos que os senadores usam para bancar combustível, material de limpeza ou de gráfica, diárias, passagens e serviços postais.
Sendo conhecidos os padrões éticos dos políticos brasileiros, dificilmente perderá quem apostar na existência de fraudes no uso dessas verbas. Ainda que não seja o caso, passou da hora de eliminar privilégios dessa lista.
A discussão, naturalmente, não pode se restringir ao Congresso. Deve alcançar todo o setor público brasileiro, que, como regra, ainda está longe de atribuir o devido valor ao dinheiro do contribuinte.
Se houver senadores e deputados dispostos a dar o primeiro passo, a eleição interna nas respectivas Casas seria uma ótima oportunidade para erguer essa bandeira –mas o mais provável é que prevaleçam o corporativismo, a irresponsabilidade e a desfaçatez.