terça-feira, 7 de agosto de 2012

A culpa não é de Israel (Artigo publicado na Folha de São Paulo em 6 de agôsto de 2012)



A tensão no mundo árabe vai muito além do conflito israelo-palestino.
Estamos assistindo pela TV diversas atrocidades no mundo árabe. Partes de corpos, fileiras de crianças mortas na Síria. No Bahrein, se um médico tratar de um manifestante ferido, ele é preso.
Os mulás (líderes religiosos muçulmanos) desafiam as sanções internacionais pelo desenvolvimento da capacidade nuclear. Isso vai desencadear uma corrida armamentista nuclear na região.
Por incrível que pareça, depois de 18 meses do início da Primavera Árabe, ainda nos é dito que se o conflito israelo-palestino se resolver as tensões mais prementes da região também vão se resolver.
Como se o conflito israelo-palestino fosse a causa de toda a instabilidade do mundo árabe.
O regime brutal de Assad, na Síria, teve a audácia de dizer no Conselho de Direitos Humanos da ONU que a ocupação de Israel é o principal obstáculo para a paz e estabilidade na região. Isso vindo de um regime que está massacrando seu próprio povo e colocando em funcionamento 27 "centros de tortura" espalhados por todo o país.
O conflito israelo-palestino não é a principal causa do descontentamento árabe. Mesmo porque, considerando que a divisão entre sunitas e xiitas existe há 1.300 anos, o conflito árabe-israelense, com seus cem anos, fica pequeno na comparação.
O que tem acontecido, na verdade, é que ditadores do mundo árabe tem usado o conflito israelo-palestino como um espetáculo conveniente que distrai a multidão dos problemas reais dessas sociedades árabes.
E os problemas reais destas sociedades são resultados de anos e anos de desleixo com as necessidades e interesses de suas próprias populações, que agora cobram por isso.
O que a população está cobrando? Contra os regimes repressivos de todo o Oriente Médio, ela cobra liberdade, direitos humanos e distribuição mais justa dos recursos. Os jovens cobram emprego --a idade média no Egito, por exemplo, é de 24 anos. Em resumo, o que as pessoas querem é um salário justo, casa própria, emprego e comida na mesa.
Os levantes da Primavera Árabe deixaram um espaço que está sendo perigosamente preenchido por alianças formadas com base na divisão entre xiitas e sunitas.
 
O Irã, patrocinador do terrorismo no mundo (inclusive na América Latina), é um poder xiita. Vem estendendo a sua influência na região com o uso de braços armados como o Hezbollah e por meio de alianças com a Síria e o Iraque.
Em uma região tão instável, o crescimento do islã político é perigoso e não deve ser ignorado. Redes sociais são usadas como instrumento de opressão, difundindo o extremismo.
A juventude democrata do Irã, embora educada, ajudou a derrubar o xá, mas não conseguiu traduzir a sua revolução em poder político. Acabou sendo dominada por islamistas que não estavam preocupados com a democracia, mas na revolução islâmica e no terror.
Israel acredita que existe uma oportunidade no estado atual. Israel reza para que a paz e a prosperidade na região sejam alcançadas. Reza, principalmente, para que a democracia deixe de ser apenas uma ferramenta para se chegar ao poder, como aconteceu em Gaza, para se tornar um objetivo final e real -como é no nosso país.
A população do mundo árabe tem seu destino em suas próprias mãos. Eleições não vão levantar a economia da noite para o dia ou resolver conflitos religiosos, mas democracia e qualidade de vida, acima da política sectária, traduzem uma fórmula que Israel vive e apoia. Acreditamos que ela seja a melhor solução a longo prazo para a região.
Israel tem esperança de que esse caminho leve os muçulmanos, os judeus e os cristãos para a unidade democrática, para a verdade e para a prosperidade, como também no Brasil e em todo o mundo.
Isso não diminui a importância de uma resolução justa para o conflito israelo-palestino que tanto queremos, mas os eventos recentes devem nos lembrar que, quando se discute o conflito entre israelenses e palestinos, não podemos ignorar a verdadeira natureza do descontentamento árabe.
ILAN SZTULMAN, 54, é cônsul-geral de Israel em São Paulo

Em memória a um herói (Artigo publicado no jornal Correio Braziliense de 7 de agosto de 2012) Por: Rafael Eldad, Embaixador de Israel no Brasil



Em 2012 celebramos os 100 anos do nascimento de Raoul Wallenberg. Cabe a todos nós recordar a história de seus esforços durante o Holocausto e ensiná-los às próximas gerações, para que o seu heroísmo não seja esquecido.
Wallenberg nasceu na Suécia e estava destinado a ter sucesso na vida, mas escolheu salvar a vida de milhões de estrangeiros. Na primavera de 1944, o mundo ocidental viu de perto os horrores do Holocausto, quando os relatos de testemunhas do campo de extermínio de Auschwitz foram divulgados. À época, os EUA estabeleceram o Conselho de Refugiados de Guerra, cujo objetivo era salvar os judeus. Raoul Wallenberg decidiu então assumir a missão do conselho, em Budapeste, de salvar os judeus da Hungria, a partir dos campos de extermínio nazistas.
Uma de suas primeiras tarefas foi projetar um "passe sueco de proteção". Ele conhecia a fundo a burocracia nazista e sabia que documentos oficiais com carimbos, assinaturas e o brasão da Suécia imporiam respeito. Conseguiu negociar uma cota de 4.500 passes com as autoridades húngaras, mas emitiu três vezes mais.
Wallenberg também abriu as Casas Suecas, onde os judeus se esconderiam. Protegidos apenas por uma bandeira e pela declaração de Wallenberg de que esses edifícios eram território sueco, cerca de 15 mil judeus conseguiram refúgio. Posteriormente, missões diplomáticas de outros países seguiram seu exemplo.
Mesmo com a guerra chegando ao fim, o extermínio dos judeus continuava. O oficial nazista Adolf Eichmann, responsável pela "Solução final" dos judeus europeus, instituiu a marcha de deportação da Hungria. Dezenas de milhares de famintos judeus foram forçados a marchar por centenas de quilômetros no inverno rigoroso, com muitas mortes no caminho. Entretanto, Wallenberg não ficou indiferente diante desse crime horrendo. Ele perseguiu as marchas em seu carro, distribuindo alimentos, roupas, medicamentos e os passes de proteção. Usando ameaças e subornos, salvou os judeus que possuíam documentos suecos, levando-os de volta a Budapeste.
Quando deportações ocorriam por trem, Wallenberg exibia uma coragem extraordinária, escalando em vagões destinados a Auschwitz, distribuindo passes de proteção para os judeus já dentro do trem. Ele então exigia que esses judeus, com os passes, fossem retirados dos trens.
Eichmann também planejava o massacre de todos os judeus do gueto maior. Wallenberg descobriu a trama e entrou em ação. Ameaçando responsabilizar o comandante em chefe das tropas alemãs na Hungria, o general August Schmidthuber, ele conseguiu cancelar o massacre no último minuto: 120 mil judeus húngaros foram salvos.
Após a guerra, Wallenberg deveria ter retornado à Suécia como herói, mas em 17 de janeiro de 1945 ele foi escoltado por tropas soviéticas ao quartel-general militar a leste de Budapeste. Em seu caminho, disse a um amigo que não tinha certeza se estava indo para ser hóspede ou prisioneiro. Raoul Wallenberg desapareceu naquele dia e seu verdadeiro destino nunca foi revelado.
Entre os anos de 1944 e 1945, quando a Europa foi presa em um véu de escuridão, os feitos de Wallenberg brilhavam como um raio singular de esperança. É por isso que o seu legado vive em todas as nossas memórias e gerações de judeus estão vivos hoje graças aos seus esforços.
Comemorando os 100 anos do nascimento de Raoul Wallenberg, devemos nos lembrar do seu legado para a humanidade. Wallenberg, assim como o Holocausto, nunca deve ser esquecido.

TIM derruba sinal de propósito, diz Anate, ESTELITA HASS CARAZZAI


Relatório da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) acusa a TIM de interromper de propósito chamadas feitas no plano Infinity, no qual o usuário é cobrado por ligação, e não por tempo.
A agência monitorou todas as ligações no período, em todo o Brasil, e comparou as quedas das ligações de usuários Infinity e "não Infinity".
A conclusão foi que a TIM "continua 'derrubando' de forma proposital as chamadas de usuários do plano Infinity". O documento apontou índice de queda de ligações quatro vezes superior ao dos demais usuários no plano Infinity -que entrou em vigor em março de 2009 e atraiu milhares de clientes.
O relatório, feito entre março e maio, foi entregue ao Ministério Público do Paraná.
"Sob os pontos de vista técnico e lógico, não existe explicação para a assimetria da taxa de crescimento de desligamentos [quedas de ligações] entre duas modalidades de planos", diz o relatório.
O documento ainda faz um cálculo de quanto os usuários gastaram com as quedas de ligações em um dia: no dia 8 de março deste ano, afirma o relatório, a operadora "derrubou" 8,1 milhões de ligações, o que gerou faturamento extra de R$ 4,3 milhões.
Durante as investigações, a TIM relatou ao Ministério Público que a instabilidade de sinal era "pontual" e "momentânea" (leia texto nesta página).
A operadora citou dados fornecidos à Anatel para mostrar que houve redução, e não aumento, das quedas de chamadas -as informações, no entanto, foram contestadas no relatório da agência.
A Anatel afirma que a TIM adulterou a base de cálculos e excluiu do universo de ligações milhares de usuários com problemas, para informar à agência reguladora que seus indicadores estavam dentro do exigido.
A agência afirma, por exemplo, que a operadora considerou completadas ligações que não conseguiram linha e cujos usuários, depois, receberam mensagem de texto informando que o celular discado já estava disponível.
NOVA PROIBIÇÃO
Com base nos dados, o Ministério Público do Paraná pede a proibição de vendas de novos chips pela TIM no Estado, o ressarcimento de consumidores do plano Infinity no Paraná por gastos indevidos e o pagamento, pela empresa, de indenização por dano moral coletivo.
A TIM já havia sido suspensa no Estado no final de julho, quando a Anatel proibiu as vendas de novos planos das operadoras com maior índice de reclamação em cada Estado. Além do Paraná, onde o índice era de 26,1 reclamações a cada 100 mil clientes, a operadora obteve o pior resultado em 18 unidades federativas.

Mostrar o elefante, Vladimir Safatle


Há várias maneiras de esconder um elefante. Uma delas é apresentando suas partes em separado. Em um dia, aparece a pata. No dia seguinte, você mostra a tromba. Passa um tempo e vem a cauda. No fim, não se mostra o elefante, mas uma sequência de partes desconectadas.
Desde o início, o mensalão foi apresentado pela grande maioria dos veículos da imprensa nacional dessa maneira. Vários se deleitaram em mostrá-lo como um caso de corrupção que deixaria evidente a maneira com que o PT, até então paladino da ética, havia assegurado maioria parlamentar na base da compra de votos e da corrupção. No entanto o mensalão era muito mais do que isso.
Na verdade, ele mostrava como a democracia brasileira só funcionava com uma grande parte de seus processos ocultados pelas sombras. O jogo ilícito de financiamento de campanha e de uso das benesses do Estado deixava evidente como nossa democracia caminhava para ser uma plutocracia, independentemente dos partidos no poder.
Como a Folha mostrou em uma entrevista antológica, o então presidente do maior partido da oposição, o senador Eduardo Azeredo, havia sido um dos idealizadores desse esquema, que, como ele mesmo afirmou, não foi usado apenas para sua campanha estadual, mas para arrecadar fundos para a campanha presidencial de seu partido.
Não por acaso, o operador chave do esquema, o publicitário Marcos Valério, já tinha várias contas de publicidade no governo FHC. Ninguém acredita que foi graças à sua competência profissional.
Ou seja, a partir do mensalão, ficou claro como o Brasil era um país no qual a característica fundamental dos escândalos de corrupção é envolver todos os grandes partidos.
Mas, em vez de essa situação nos mobilizar para exigir mudanças estruturais na política brasileira (como financiamento público de campanha, reformas que permitissem ao partido vencedor constituir mais facilmente maiorias no Congresso, proibição de contratos do Estado com agências de publicidade etc.), ela serve atualmente apenas para simpatizantes de um partido jogar nas costas do outro a conta do "maior caso de corrupção do pais".
No entanto essa conta deve ser paga por mais gente do que os réus arrolados no caso do mensalão. O STF teria feito um serviço ao Brasil se colocasse os acusados do PT e do PSDB na mesma barra do tribunal. Que fossem todos juntos!
Desta forma, o povo brasileiro poderia ver o elefante inteiro. Com o elefante, o verdadeiro problema apareceria e a indignação com a corrupção, enfim, teria alguma utilidade concreta.

Então, está falado, Marcelo Coelho


De longe, a toga mais bonita na sessão de ontem foi a de Oliveira Lima, advogado de José Dirceu. O corte reto e pesado contrastava com as mangas, de um veludo bufante na parte superior do braço. Não ficariam mal num quadro de Ticiano. Os retratos do pintor renascentista são notáveis pelo amplo uso do negro e pelo peso do vermelho escuro.
E, de fato, não foi especialmente brilhante, apesar de clara, a sustentação de Oliveira Lima no STF. Ele insistiu na fragilidade dos argumentos do Ministério Público. Na sexta-feira, Roberto Gurgel tinha praticamente admitido a dificuldade de conseguir provas contra os grandes chefes de uma quadrilha. Não usam telefone, não deixam rastros.
Oliveira Lima seguiu a deixa. Só que no sentido oposto ao que seria de esperar. Aceitou a tese do Ministério Público: no caso de José Dirceu, não há recibos, contratos, gravações. Só testemunhas. E os depoimentos, afirma o advogado, provam (sim, provam!) a inocência do réu.
Mas que testemunhas? Oliveira Lima cita muita gente. Maurício Rands, por exemplo. O ex-líder do PT na Câmara garante que, na Casa Civil, Dirceu não tinha tempo para cuidar dos interesses partidários. Pode-se pensar que Rands não seria a pessoa mais insuspeita para falar em favor de Dirceu. Mas a defesa não se preocupou. Citou ministros como José Eduardo Martins Cardozo e Paulo Bernardo. Petistas, claro; mas "falaram sob juramento". Citou Delúbio Soares. Citou Ideli Salvatti. Todos concordam: Dirceu é inocente.
Receber empresários na Casa Civil não é delito, continua o advogado. E, se Marcos Valério os representava, isso não significa que José Dirceu estivesse em entendimentos com o publicitário. Resta saber, nesse raciocínio, o que Delúbio fazia então nas reuniões com Dirceu...
Delúbio? Era apenas o tesoureiro do partido, diz Arnaldo Malheiros Filho, bem mais desempenado e conversacional em suas alegações. Desmontou, não sem lógica, uma suspeita repetidas vezes apresentada pela acusação.
Roberto Gurgel lembrava o tempo todo que o dinheiro do mensalão era distribuído em espécie. Sinal de que havia ilegalidade em curso. Claro que havia, diz alegremente Malheiros. Era tudo caixa dois... Nunca isso foi negado. Roberto Gurgel não prova nada, com efeito, ao apontar para o dinheiro vivo.
Malheiros foi além. O mensalão não existiu! Por que dariam dinheiro a petistas que nem deputados eram? Isso é tentativa de comprar votos no Congresso? Por que não corromper parlamentares da oposição, em vez de dar dinheiro a aliados? Bom, pode-se pensar, isso depende dos aliados que você tenha...
Malheiros foi ao detalhe. Quanto mais recebia dinheiro, menos o PL votava a favor do governo. O PTB também: recebeu parcelas maiores já numa época de declínio de seu apoio a Lula. Mas pode-se pensar que, exatamente por vacilar no apoio, o PTB cobrava mais.
Pior, entretanto, foi o recurso de Malheiros à prova testemunhal. Dos 18 deputados que admitiram saber de recebimento de dinheiro, nenhum (nenhum!) disse que era para compra de votos. Ah, bom.
Quanto a José Genoino, caso de culpa menos definida, a fraqueza do advogado talvez se expresse em outra "prova testemunhal" que ele invocou. Era uma declaração de José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça: "Fui eleitor de José Genoino". Para não dizer que só havia petistas, citou o vice-presidente Michel Temer, do PMDB: "Tenho o melhor conceito pelo trabalho de José Genoino". Está falado, então.

‘Quem matou foi Deus. Eu só dei o tiro’


No Tribunal do Juri, um réu acusado de latrocínio se defronta com o promotor. Tem que explicar a morte de um homem por uma arma encontrada em suas mãos segundos depois do assassinato da vítima. Geralmente ocorre da seguinte maneira:
- "Essa arma lhe pertence ?", indaga o promtor.
- "Não senhor, eu nunca vi essa arma na vida", responde o acusado.
- "Mas ela foi pega na sua mão. O que o senhor estava fazendo com ela ?", retruca o acusador.
- "Eu ia passando e vi uma coisa qualquer na calçada. Quando eu peguei passou a polícia. Eu nem cheguei a ver que era um trezoitão".
- "Mas e o homem que estava morto ao seu lado" ?
- "Pois é. Eu peguei a arma e ela disparou sozinha, dotô. Aí esse homem, que vinha vindo,  caiu na minha frente mortinho".
- "Mas o tiro foi na nuca e a queima-roupa!"
- "Ele estava vindo de cotas. Eu também estranhei aquilo", diz o bandido.
- "Então não foi o senhor quem o matou ?"
- "Quem matou foi Deus, dotô. Eu só dei o tiro!"
É mais ou menos o que acontece nesta fase do julgamento do Mensalão pelo STF. Pelos próximos dias, a exemplo do que aconteceu ontem, uma romaria composta pelos advogados mais bem pagos do País vai tentar desmontar a acusação e provar que tudo não passou de um equivoco de interpretação das evidências que brotaram do relatórios da CPI dos Correios e da investigação do Ministério Público. É o papel que lhes cabe. É para isso que ganham rios de dinheiro.
Mas a história que vai sendo contada no plenário do Supremo tem tantas fragilidades quanto o depoimento de qualquer bandido pé-de-chinelo numa vara criminal. Pelo que se viu no primeiro dia destinado à defesa, desenha-se um quadro que poderia até fazer sentido individualmente, mas padece, em seu todo, de verossimilhança.
Um admite caixa-2. O outro diz que não houve dinheiro público circulando nas hostes mensaleiras. Um argumenta que não fez nada além de receber empresários e banqueiros na presença do tesoureiro de um partido. Outro diz que não há relação de causa e efeito entre as benesses distribuídas aos protagonistas do esquema financeiro da organização; se elas existiram, foi por merecimento dos patriotas que ajudavam o governo num momento de dificuldade.
Não estranhe. São chorumelas que os juízes criminais estão acostuma a ouvir. Daí a dar-lhes a conotação de verdades, como se apressam em fazer as penas alugadas pelos mensaleiros, vai uma distância enorme. Nem com muito boa vontade as versões apresentadas pelos defensores constituem um discurso verossímil.
Que leitura os juízes farão do conjunto probatório é que importa. Do jeito que o problema está colocado, vai ser muito difícil absolver José Genoíno com os argumentos apresentados pela defesa de Delúbio. Assim como vai ser dificílimo absolver José Dirceu com base nos testemunhos apenas de pessoas diretamente interessadas ou implicadas no caso ou, de outro modo, na versão apresentada pela defesa de Genoíno. Por mais orquestrada que seja a ação e a retórica dos advogados, as versões que estão sendo conhecidas agora colocam em confronto os argumentos de cada um dos acusados.
E com a soma do todo não se forma uma parte íntegra sequer.
Se as contradições triunfarem sobre o óbvio ululante (sem trocadilho), é porque temos a corte constitucional mais crédula do planeta.
Haja boa vontade!

Dos Engovs by Fábio Pannunzio

Blog do Pannunzio


Comentário do leitor do blog que assina como Bog Head
Após engolir dois engov’s, resolvi assistir à apresentação (não há palavra melhor) dos nobres causídicos. Duas vontades se apossaram de mim: assistir novamente a “Sindicato dos Ladrões” e reler Swift, que, em 1726!, no seu Viagens de Gulliver, falava através do protagonista:
“Eu disse existir entre nós uma sociedade de homens educados desde a juventude na arte de provar, por meio de palavras multiplicadas para esse fim, que o branco é preto e que o preto é branco, segundo eram pagos para dizer uma coisa ou outra.Todo o resto do povo é escravo dessa sociedade”;
“Ao defender uma causa, evitam cuidadosamente entrar no mérito da questão; mas são estrondosos, violentos e enfadonhos no discorrer sobre todas as circunstâncias que não vêm ao caso.”
“Importa observar também que essa sociedade tem uma algaravia ou geringonça especial que os outros mortais não entendem, e na qual são escritas todas suas leis, que eles tomam o especial cuidado de multiplicar, por onde conseguiram confundir de todo o ponto a própria essência da verdade e da falsidade, da razão e da sem razão;”
“No julgamento das pessoas acusadas de crimes contra o Estado, é muito mais curto e louvável o processo; sonda o juiz, primeiro, a disposição dos que se encontram no poder; depois, não lhe é difícil enforcar ou salvar o criminoso, preservando rigorosamente as devidas formas da lei.”
“A essa altura, interrompendo-me, disse meu amo ser lástima que criaturas dotadas de tão prodigiosas habilidades de espírito, como haviam de ser, forçosamente, esses advogados pela descrição que eu fizera, não fossem antes estimulados a instruir os outros na discrição e no saber. Respondendo a isso, afiancei a Sua Excelência que em todos os pontos alheios ao seu ministério eram, de regra, entre a casta mais ignorante e mais estúpida; a mais desprezível na conversação ordinária, inimigas declarada de todo o saber e de todos os conhecimentos, e igualmente disposta a perverter a razão geral dos homens assim em outros assuntos como nos de sua profissão.”
I rest my case.

Quatro são agredidas por hora, mas ainda há subnotificação Lei Maria da Penha faz 6 anos e número de registros cresceu 38,7% com obrigatoriedade de aviso; em 78% dos casos, há violência física


06 de agosto de 2012 | 22h 36

Fernanda Bassette - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - No ano passado, 37.717 mulheres brasileiras entre 20 e 59 anos procuraram hospitais públicos em busca de atendimento, após terem sido vítimas de violência e maus-tratos no País - um crescimento de 38,7% em comparação com 2010. O levantamento, feito pelo Ministério da Saúde, será divulgado nesta terça-feira, 7, no dia em que a Lei Maria da Penha, que pune violência doméstica, faz seis anos.
Desde janeiro de 2011, uma resolução do Ministério da Saúde tornou compulsória a notificação oficial de todos os casos relacionados à violência contra a mulher que fossem atendidos na rede pública. Assim, segundo o governo, o crescimento de 38,7% não significa necessariamente aumento nos casos de violência, mas que havia subnotificação.
Se forem considerados os casos de violência envolvendo todas as mulheres - desde as menores de 1 ano até as com mais de 60 - o número chega a 70.270. Os dados constam do Mapa da Violência 2012, realizado pelo Centro Brasileiro de Estados Latino-americanos (Cebela) e pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).
Apesar de a notificação no Sistema Único de Saúde (SUS) ser compulsória, os casos não são informados nominalmente à polícia - assim, não há como afirmar quantos deles efetivamente se transformaram em processos contra os agressores.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o governo defende a ideia de que o documento elaborado pelo sistema de saúde valha como prova oficial em um eventual processo, evitando que a mulher seja exposta a constrangimento novamente ao ter de refazer exames no Instituto Médico-Legal (IML). "Defendemos que haja um debate em torno desse assunto, mesmo que seja necessária mudança legal. É muito constrangedor para a mulher ter de procurar a polícia e refazer todos os exames", avalia.
Tipos de violência. Segundo o levantamento, as agressões físicas são as principais formas de violência contra a mulher e representam 78,2% do total de casos registrados. Em seguida, estão os casos de agressão psicológica (32,2%) e violência sexual (7,5%). O levantamento mostra ainda que, do total de casos, 38,4% são reincidentes.
A própria casa é o principal cenário das agressões e os homens com os quais as mulheres se relacionam ou se relacionaram (marido, ex, namorado, companheiro) são os principais agressores e representam 41,2% dos casos. Amigos ou conhecidos são 8,1% e desconhecidos, 9,2%.
A psicóloga Patrícia Gugliotta Jacobucci, professora da Universidade São Francisco, vê os números com preocupação. De acordo com ela, apesar de as mulheres estarem denunciando mais, a maioria ainda tem dificuldade em romper o laço com o companheiro agressor - o que explica o alto número de reincidência. "A mulher não consegue se livrar da relação conflituosa. Mesmo fazendo a queixa, ela não rompe o ciclo da violência", diz.
Para a psicóloga, a rede precisa se preparar não apenas para fazer o atendimento imediato dessas mulheres, mas deve estar apta para atender a demanda psicológica. "É preciso resgatar a autoestima dessas mulheres."
Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência, afirma que os dados apresentados no DataSus "ainda são só a ponta do iceberg". Waiselfisz diz que há dois motivos para explicar a subnotificação: primeiro, os dados são de mulheres que procuram o posto de saúde, o que significa que sofreram violência média ou grave. "A violência cotidiana, do dia a dia, continua não sendo comunicada", diz. Segundo, a sobrecarga de trabalho dos médicos, que podem deixar de fazer as notificações e detalhar os quadros da vítima.
Hoje, o Brasil tem 552 serviços de atendimento às mulheres em situação de violência sexual e doméstica. Padilha informou que o ministério vai lançar um edital de R$ 30 milhões para que as prefeituras apresentem programas e ações.
"A ideia é que equipes de atenção básica criem estratégias para reduzir a violência e a reincidência", afirmou o ministro. /Colaborou Bruno Paes Manso.

Escritório de Brindeiro recebeu R$ 680 mil de Cachoeira, diz PF Registros mostram que subprocurador-geral defendeu bicheiro





Consultoria jurídica. Segundo a PF, Brindeiro se encontrou com o braço direito de Cachoeira
Foto: Roberto Stuckert Filho
Consultoria jurídica. Segundo a PF, Brindeiro se encontrou com o braço direito de CachoeiraROBERTO STUCKERT FILHO
BRASÍLIA - Documentos apreendidos pela Polícia Federal (PF) na Operação Monte Carlo, cuja análise foi concluída no último dia 9 de julho, revelam uma participação direta do subprocurador-geral da República Geraldo Brindeiro na defesa dos interesses do grupo do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Entre os papéis encontrados pela PF em poder de dois dos principais aliados do contraventor estão tabelas com registros de pagamentos mensais ao escritório de advocacia de Brindeiro. Os repasses, conforme os registros, somam R$ 680 mil em 2009 e 2010. O valor é quatro vezes superior ao montante descoberto até agora pela CPI do Cachoeira. Em maio, o senador Pedro Taques (PDT-MT) denunciou depósitos de R$ 161 mil para o escritório do subprocurador.
Conversas telefônicas descritas num dos relatórios da PF apontam um suposto encontro entre Brindeiro e o braço direito de Cachoeira, Lenine Araújo de Souza, considerado o segundo nome na hierarquia da organização criminosa. Num diálogo entre Lenine e Cachoeira, poucos dias antes de serem presos, o primeiro relata uma consulta jurídica feita a “Brindeiro” num hotel.
Geraldo Brindeiro exerceu por quatro vezes o cargo de procurador-geral da República, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso na Presidência. Os quatro mandatos sucessivos se estenderam de 1995 a 2003. Ele continua no cargo de subprocurador-geral da República e, a partir de fevereiro de 2006, passou a ser sócio — com 18% das cotas da sociedade — no escritório de advocacia Morais, Castilho & Brindeiro. É este escritório o destinatário de dinheiro repassado pelo grupo de Cachoeira, segundo a PF.
Brindeiro já se explicou à CPI em junho, por meio de um ofício em que sustenta a legalidade do exercício da advocacia, permitida a membros do Ministério Público que ingressaram na instituição antes da Constituição Federal de 1988. No mesmo ofício, o subprocurador nega qualquer tipo de relacionamento com Cachoeira e com o contador responsável pelos repasses de R$ 161 mil, Geovani Pereira da Silva, denunciado na Operação Monte Carlo.
Ao elaborar o relatório sobre a perícia feita no computador de Adriano Aprígio de Souza, considerado o principal testa de ferro de Cachoeira, a PF cita a existência das tabelas com registros de pagamentos de R$ 680 mil a “Brindeiro”. Os papéis foram encontrados na Vitapan Indústria Farmacêutica, empresa que já foi colocada no nome de Aprígio e que seria usada pelo bicheiro para lavar dinheiro do jogo, conforme investigação da PF. Nas planilhas, os pagamentos foram contabilizados com três referências: RC, EC e CR. De acordo com o relatório da PF, as siglas se referem a Roberto Sergio Coppola, Electro Chance Gaming Suppliers e Carlos Ramos, o Cachoeira.
Conforme os documentos apreendidos, Aprígio adquiriu 48% das cotas da Electro Chance, mediante pagamento de R$ 3,3 milhões. O verdadeiro sócio seria Cachoeira, que usou o ex-cunhado como laranja, segundo a PF. Coppola e a Electro Chance exploram a jogatina na Argentina. “Os documentos aduzem a possibilidade de a empresa operar também no Brasil. Isso explicaria os pagamentos efetuados ao escritório Morais, Castilho & Brindeiro, em razão do interesse do funcionamento dos jogos no Brasil”, cita o relatório da PF concluído em 9 de julho.
A reportagem do GLOBO tentou falar com Brindeiro, mas seus assessores não deram retorno. Quatro questionamentos foram enviados à Procuradoria Geral da República (PGR) sobre os supostos pagamentos e sobre o suposto encontro com Lenine num hotel, mas a assessoria de imprensa do órgão disse não ter localizado o subprocurador.

Palavra da defesa, por Miriam Leitão



Miriam Leitão, O Globo
José Dirceu não sabia o que se passava no PT porque estava muito ocupado na Casa Civil. José Genoino foi falho na gestão do PT porque gostava mesmo era de política. Delúbio Soares cometeu apenas um ilícito: caixa dois de campanha. Marcos Valério distribuiu dinheiro a 67 pessoas mas não foi corrupção. É o que disseram os advogados de defesa de quatro dos principais acusados.
A estratégia entre os advogados de defesa dos réus do mensalão foi acusar o Ministério Público de não ter se baseado apenas em depoimentos em juízo com o “contraditório”. O procurador-geral da República, na verdade, registrou logo no começo da sua fala, na sexta-feira, que estava usando as provas dos “milhares de documentos” das 50.508 folhas da Ação Penal.
Os advogados sustentaram também que não houve compra de voto, nem era dinheiro público, e que não houve decisão de funcionários da administração pública — atos de ofício — determinada pela distribuição de dinheiro. 
Segundo o advogado de Marcos Valério, o deputado João Paulo Cunha não tinha qualquer poder sobre o contrato de publicidade da Câmara dos Deputados, apesar de ser o presidente da Casa.
Fora alguns pontos em comum, os advogados seguiram linhas que ajudam seus clientes, mas criam zonas de sombra sobre os outros. O advogado de José Dirceu quis afastar seu cliente de qualquer das atividades executadas no partido, alegando que ele se ausentou da presidência quando assumiu a Casa Civil. Não defendeu os atos do partido.
O de José Genoíno alegou que à época da campanha de 2002 ele estava disputando o governo de São Paulo e, portanto, nada soube das decisões da campanha presidencial. O de Delúbio Soares afirmou que foi pedido a ele, como tesoureiro, que resolvesse o problema das finanças em frangalhos do PT. E por isso ele pediu empréstimos através das empresas de Marcos Valério.
A SMP&B e a DNA de fato pegaram empréstimos e distribuíram dinheiro a políticos. Um dos bancos a conceder esses recursos foi o Banco Rural. José Dirceu se encontrou sim com a diretoria do Banco Rural, e um desses encontros foi mesmo em Belo Horizonte, mas ele havia viajado para a capital mineira em compromissos oficiais e lá se encontrou com “empresários”.
Tudo sendo verdade, fica faltando explicação. Se o dinheiro que foi distribuído por Marcos Valério tinha origem legal, conseguido através desses empréstimos, por que mesmo teve que ser entregue em espécie, em volumes altos, fugindo do sistema bancário? Por que o PT precisava que o empréstimo fosse feito através de uma agência de publicidade?
O advogado de Marcos Valério definiu a função de uma agência: criação; produção de áudio e vídeo; veiculação. Em qual dessas três atividades se inclui distribuição farta de dinheiro aos partidos da base do governo contratante?
O advogado de Delúbio Soares admitiu que seu cliente cometeu “ilícito”: o caixa dois de campanha. “Por que tudo em cash? Porque era ilícito. Não se podia transferir dinheiro que não tinha dado entrada no partido, por isso teve que ser em moeda sonante”, disse Arnaldo Malheiros, advogado de Delúbio.
Já Marcelo Leonardo, o advogado de Marcos Valério, falou outra coisa: “Não era dinheiro sujo, não precisava ser lavado. O que aconteceu depois é que poderia ser lavagem de dinheiro.”
Os advogados honraram seus honorários e fizeram a melhor defesa possível dos seus clientes. Levantaram questões técnicas para os ministros refletirem em seus votos. Difícil é aceitar o enredo que eles, juntos, contam.
Origem e destino do dinheiro continuam obscuros.

OBRA-PRIMA DO DIA - PINTURA Semana Mary Cassatt - Crianças brincando na praia (1884)



Em 1874, Mary Cassatt tomou a decisão de se estabelecer definitivamente na França. Mas nem tudo eram flores. Mary criticava a política que dominava o Salão de Paris e o gosto convencional que imperava nas escolhas. Era franca em seus comentários o que levou sua amiga Emily Sartian a escrever para casa: “ela é cortante, esnoba toda a arte moderna, despreza Cabanel, Bonnat, os nomes que aprendemos a reverenciar”.
Uma das coisas que mais a aborrecia era ver telas pintadas por mulheres serem desprezadas, a não ser que a pintora tivesse um amigo ou protetor entre os membros do júri e ela se recusava a buscar os favores dos jurados. Em 1875, ela comprovou o que pensava e se tornou mais amarga em relação ao Salão. Um quadro dela, recusado no ano anterior, foi aceito nesse ano com uma alteração: ela escureceu o fundo da tela.
Em 1877, ela foi convidada por Degas a participar de uma exposição com os Impressionistas. Esses revolucionários das Artes, que não tinham lançado nenhum manifesto formal, determinando temas ou técnicas, há anos vinham recebendo notas furiosas dos críticos.
Berthe Morisot, a grande Impressionista cunhada de Édouard Manet, logo se tornou amiga de Mary Cassatt. As duas eram admiradoras de Degas e Mary disse a respeito da obra desse magnífico pintor: “Ele mudou minha vida. Eu vi a arte como eu gostava que ela fosse”.
Aceitou entusiasmada o convite de Degas e começou a preparar telas para a próxima exposição dos Impressionistas, planejada para 1878, que acabou só acontecendo em 1879. Ela se sentia confortável entre eles e aderiu à causa entusiasmada, declarando: “estamos lutando uma batalha desesperadora e precisamos unir nossas forças!”.
Enquanto a maioria de seus colegas Impressionistas se fixava em paisagens e cenas de rua, Mary tornou-se conhecida pelos retratos. Ela gostava, sobretudo, de pintar mulheres em ambientes domésticos, especialmente mães com filhos. Mas ao contrário das madonas e querubins da Renascença, seus retratos eram muito pouco convencionais, diretos e fieis à realidade. Uma conhecida estudiosa das Artes Plásticas, a americana Gemma Newman, observou que “o objetivo de Cassatt era demonstrar a força e não a doçura das mulheres; a vida real, e não o sentimentalismo ou o lirismo”.


“Crianças Brincando na Praia”, é óleo sobre tela, mede 97.4 x 74.2 cm. É notável a capacidade de Mary em capturar as atitudes naturais das crianças: ela retratou à perfeição sua concentração quando estão brincando, quer dizer, "trabalhando".

Acervo National Gallery of Art, Washington, DC 


CRÔNICA

Cartas de Buenos Aires: Fileteado portenho

Antigo, popular e marginal como o tango, a técnica pictórica conhecida como fileteado portenho é uma das melhores traduções de Buenos Aires. Chegou com os imigrantes, foi proibido por razões de segurança, sobreviveu de teimosa e hoje vive uma fase de redescoberta.
Grosso modo, pode-se dizer que o fileteado é um parente sofisticado das decorações das carrocerias dos caminhões brasileiros. Também começou nos carros e com frases cunhadas na sabedoria popular.
Infelizmente há poucos registros oficiais do início desse trabalho. Entre seus pioneiros estão três italianos - Cecilio Pascarella, Vicente Brunetti e Salvador Venturo – que começaram a pintar com cores as laterais das carroças que eram usadas para entregar produtos, no final do século XIX (e que até então eram cinza) e separá-las com uma linha fina de cor mais intensa ou constante, o que chamamos hoje de filete. Depois, passaram para os carros e ônibus.
A partir daí foi-se criando o repertório específico de desenhos que caracterizam o fileteado: flores, folhas, pássaros, fitas com o azul e branco da bandeira Argentina, bolas, dragões e ainda linhas retas e curvas de diferentes espessuras que vão se mesclando com cenas do campo e personagens populares, como a Virgem de Luján e Carlos Gardel.
Na década de 1970, o filete foi proibido por lei porque podia distrair os motoristas. E quase desapareceu. Mas foi justamente esta proibição que levou os filetes para outros suportes.
Diferente do que aconteceu no Brasil, na Argentina a técnica ganhou novos usos. Saiu dos veículos para os cavaletes dos ateliês de arte. Hoje se vê o fileteado por todo o lado, inclusive em roupas e, ultimamente, até na pele. A tatuagem com filete está na super na moda.
O Iº Encontro de Fileteadores portenhos, realizado neste final de semana, no bairro de Mataderos, reuniu mais de 200 profissionais e, mesmo ignorado pela imprensa local, mostra que há um movimento para que esta arte não desapareça.
Participaram do evento grandes maestros, com mais de 50 anos de filete, e também jovens de 18 anos, que começam a fazer seus primeiros desenhos. Surpresa: muitos deles saídos da Escola de Belas Artes, que fizeram uma opção por uma técnica decorativa tradicionalmente popular.
Entre os artistas mais reconhecidos nesta técnica estão o polonês León Untroib (morto em 1994). Da geração atual, Martiniano Arce e, mais recentemente, Alfredo Genovesi, que está fazendo uma revolução no uso comercial do filete, trabalhando para grandes marcas, como Nike e Coca-Cola.
A tradição gráfica do filete sobrevive e renasce, como fez o tango. Agora falta somente que se revogue o decreto que a proibiu, para que volte a adornar com humor e melancolia a cidade que a inspira.


Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedocom impressões e descobrimentos sobre a capital portenha

Onde o Estado democrático de direito inexiste, por Carlos Tautz


POLÍTICA


Formalmente, o Brasil é uma grande democracia republicana. Há eleições gerais e alternância de poder, vige uma Constituição que garante a todos os mesmos direitos, há inviolabilidade dos lares, a imprensa funciona livremente e são garantidos os direitos de reunião e de manifestação de pensamento. Mas, nos territórios em que nunca antes neste País um padrão de acumulação foi tão predador e excludente, o bicho pega e o estado democrático de direito inexiste.
Tome-se a situação verificada no canteiro de construção da hidrelétrica Belo Monte, que o governo brasileiro insiste em construir no rio Xingu (PA) e onde vai enterrando mais de R$ 20 bi sem que haja garantias de que a usina seja viável economicamente.
Naquela região do Pará, a realidade destrói com uma fúria que só os de baixo conhecem quaisquer garantias constitucionais, individuais e coletivas, em tese universais para quem nasce brasileiro. Os que são contra a usina e utilizam como arma de sua rebeldia apenas a garganta para declamar argumentos contrários ao elefante branco de concreto e acertos políticos são criminalizados.
É o caso dos 11 militantes do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que se opõem à obra de forma democrática. Contra eles a polícia civil do Pará comete todo tipo de imoralidade. A começar pelo indiciamento, sem que os acusados tenham tido acesso a todas as acusações que lhe são feitas, de incitamento, em 16 de junho, de manifestação contra o canteiro de obras da Norte Energia, consórcio recheado de estatais e a Vale (eleita em janeiro a pior empresa do mundo), montado às pressas para tocar a obra.
A perseguição foi denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e à ONU. Sergio Martins, advogado da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, disse à ong Repórter Brasil que “parte dos acusados nem sequer participou do encontro, e todas as supostas provas documentais, como fotos e imagens de vídeo com registros da ação, que a polícia afirma possuir, quando tornadas públicas apenas reforçarão o absurdo das acusações”.
Com variações e especificidades, a tática de obras em ritmo de fato consumado se repete em outros projetos do PAC. É assim em Santo Antônio e Jirau, onde as revoltas de trabalhadores estão longe de acabar, tem sido assim no Comperj e na destruição do Maracanã. Nestes casos, não é a história que se repete como farsa. É a farsa que vai se constituindo em história.

Carlos Tautzjornalista, é coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e Controle Cidadão Sobre Governos e Empresas.

Mensalão: O que foi mais importante no 4º dia


POLÍTICA


A sessão de hoje do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal foi marcada por duas defesas bem interessantes.
Rogério Tolentino, apontado como sócio de Marcos Valério, tem contra si a acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção ativa.
Dentre os fatos que apoiam a denúncia contra Tolentino está um empréstimo de R$ 10 milhões tomado no Banco BMG e repassado a Marcos Valério. Valério teria, então, encaminhado o dinheiro a parlamentares.
A defesa de Tolentino não negou o empréstimo. Ao contrário, confirmou que Tolentino pegou esse dinheiro em seu nome, como pessoa física, daí assinando três cheques em branco para Marcos Valério, não sabendo qual a destinação final do dinheiro.
Ou seja, a defesa tentou sustentar a tese de que seu cliente não possuía qualquer domínio sobre o destino do dinheiro, que foi por ele mesmo obtido junto ao BMG.
Faltam razões convincentes aí. Afinal, fazer um empréstimo de R$ 10 milhões de reais e não se preocupar com a destinação do dinheiro parece sem fundamento.
O ponto alto do dia ficou a cargo da defesa de Simone Vasconcelos, indicada como a diretora da SMP&B, agência de publicidade de Marcos Valério.
Simone seria a responsável por saques no Banco Rural, inclusive com a utilização de um carro forte.
A sustentação oral do advogado de Simone, Leonardo Yarochewsky, foi firme, não perdeu tempo fazendo lamentações ou ataques à denúncia apresentada pelo Procurador Geral da República.
Disse com todas as letras que saiu dinheiro da SMP&B e que os pagamentos eram destinados ao PT, dando vários nomes, dentre eles os de Pedro Henry e Pedro Correa, ex-deputados.
O julgamento é judicial, o que quer dizer que por mais que a defesa traga bons argumentos e provas robustas, muitas vezes o juiz se apega a outros detalhes, mesmo que pequenos, e conclui em sentido completamente oposto.
Mas não se pode negar que foi uma defesa técnica, bem construída a de Simone.
Só não precisava ter se referido ao momento lamentável que atravessa o grandioso Clube de Regatas do Flamengo.