A tensão no mundo árabe vai muito além do conflito israelo-palestino.
Estamos assistindo pela TV diversas atrocidades no mundo árabe. Partes de corpos, fileiras de crianças mortas na Síria. No Bahrein, se um médico tratar de um manifestante ferido, ele é preso.
Os mulás (líderes religiosos muçulmanos) desafiam as sanções internacionais pelo desenvolvimento da capacidade nuclear. Isso vai desencadear uma corrida armamentista nuclear na região.
Por incrível que pareça, depois de 18 meses do início da Primavera Árabe, ainda nos é dito que se o conflito israelo-palestino se resolver as tensões mais prementes da região também vão se resolver.
Como se o conflito israelo-palestino fosse a causa de toda a instabilidade do mundo árabe.
O regime brutal de Assad, na Síria, teve a audácia de dizer no Conselho de Direitos Humanos da ONU que a ocupação de Israel é o principal obstáculo para a paz e estabilidade na região. Isso vindo de um regime que está massacrando seu próprio povo e colocando em funcionamento 27 "centros de tortura" espalhados por todo o país.
O conflito israelo-palestino não é a principal causa do descontentamento árabe. Mesmo porque, considerando que a divisão entre sunitas e xiitas existe há 1.300 anos, o conflito árabe-israelense, com seus cem anos, fica pequeno na comparação.
O que tem acontecido, na verdade, é que ditadores do mundo árabe tem usado o conflito israelo-palestino como um espetáculo conveniente que distrai a multidão dos problemas reais dessas sociedades árabes.
E os problemas reais destas sociedades são resultados de anos e anos de desleixo com as necessidades e interesses de suas próprias populações, que agora cobram por isso.
O que a população está cobrando? Contra os regimes repressivos de todo o Oriente Médio, ela cobra liberdade, direitos humanos e distribuição mais justa dos recursos. Os jovens cobram emprego --a idade média no Egito, por exemplo, é de 24 anos. Em resumo, o que as pessoas querem é um salário justo, casa própria, emprego e comida na mesa.
Os levantes da Primavera Árabe deixaram um espaço que está sendo perigosamente preenchido por alianças formadas com base na divisão entre xiitas e sunitas.
O Irã, patrocinador do terrorismo no mundo (inclusive na América Latina), é um poder xiita. Vem estendendo a sua influência na região com o uso de braços armados como o Hezbollah e por meio de alianças com a Síria e o Iraque.
Em uma região tão instável, o crescimento do islã político é perigoso e não deve ser ignorado. Redes sociais são usadas como instrumento de opressão, difundindo o extremismo.
A juventude democrata do Irã, embora educada, ajudou a derrubar o xá, mas não conseguiu traduzir a sua revolução em poder político. Acabou sendo dominada por islamistas que não estavam preocupados com a democracia, mas na revolução islâmica e no terror.
Israel acredita que existe uma oportunidade no estado atual. Israel reza para que a paz e a prosperidade na região sejam alcançadas. Reza, principalmente, para que a democracia deixe de ser apenas uma ferramenta para se chegar ao poder, como aconteceu em Gaza, para se tornar um objetivo final e real -como é no nosso país.
A população do mundo árabe tem seu destino em suas próprias mãos. Eleições não vão levantar a economia da noite para o dia ou resolver conflitos religiosos, mas democracia e qualidade de vida, acima da política sectária, traduzem uma fórmula que Israel vive e apoia. Acreditamos que ela seja a melhor solução a longo prazo para a região.
Israel tem esperança de que esse caminho leve os muçulmanos, os judeus e os cristãos para a unidade democrática, para a verdade e para a prosperidade, como também no Brasil e em todo o mundo.
Isso não diminui a importância de uma resolução justa para o conflito israelo-palestino que tanto queremos, mas os eventos recentes devem nos lembrar que, quando se discute o conflito entre israelenses e palestinos, não podemos ignorar a verdadeira natureza do descontentamento árabe.
ILAN SZTULMAN, 54, é cônsul-geral de Israel em São Paulo