Discutir a vida privada em redes sociais, não. Chegar à casa de alguém sem avisar, jamais. Beijar sua namorada com mais vontade em um lugar público, nem em um milhão de anos. Mas se alguém esqueceu o celular na mesa do bar...
Como culpar quem o pega para, em seu nome, mandar mensagens bizarras no Facebook? Como censurar quem invade sua secretária eletrônica por suspeitar que você está fazendo algo de errado? Os britânicos gostam de sua própria privacidade, mas têm seus jeitinhos para lidar com o espaço alheio.
Uma das manias entre os mais jovens é o “frape” (Facebook rape, ou estupro de Facebook em inglês). Quem deixa celular, tablet ou computador à disposição dos violadores sempre corre o risco de ganhar 100 amigos desconhecidos de um dia para o outro, de enviar mensagens inapropriadas para as meninas ou ainda ver em seu mural pedidos absurdos como “estou no banheiro do bar sem papel higiênico, alguém me ajuda?”.
Presenciei vários. As feministas dizem que o termo relativiza a gravidade do estupro. Talvez. Mas que o “frape” pegou, pegou.
Ouvir recados de secretárias eletrônicas dos outros também não chega a ser um choque por aqui. Em uma aula, um professor perguntou a quase 200 colegas se havia quem conhecesse a técnica. Mais de 30 pessoas admitiram que sim -- outros tantos também sabiam, mas confessaram depois de algumas cervejas que ficaram com receio de parecerem bisbilhoteiros.
“Ninguém faz isso todos os dias, mas se você acha que está sendo traída ou que um amigo está se drogando, por que não?”, me perguntou uma colega. “Porque não”, respondi.
Aparentemente, não é tão óbvio. Pelo menos cinco vezes debati com colegas as razões pelas quais jornalistas não deveriam meter o nariz por conta de uma mera suposição. “Mas e o interesse público? E se os indícios forem grandes? E se isso impedir alguém de cometer novos crimes?”
Minha resposta padrão é que caberia à polícia determinar isso. Claramente não os convenço. “A privacidade não está acima da comunidade”, foi um dos comentários que mais ouvi. Talvez fosse arbitrariedade no Irã, mas no democrático Reino Unido é costume.
Um dos bons livros sobre esses hábitos é “Watching the English”, da antropóloga Kate Fox (Ed. Hodder, não disponível no Brasil). O respeito à privacidade, com padrões muitas vezes mais rígidos do que os nossos, certamente é a regra aqui. Tem gente que nem sequer dá descarga no banheiro de madrugada para não acordar os vizinhos.
Mas ai deles se esquecerem o celular na recepção do prédio...
Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area Twitter: msavarese. Email: savarese.mauricio@gmail.com. Maurício estará conosco todas as segundas-feiras.
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