12/11/2012
Luiz Berto
Amaro apareceu por lá já faz mais de trinta anos. Tinha um menino, também Amaro, que assim que se entaludou ganhou o mundo e nunca mais voltou. Ele ficou sozinho na casa de um só cômodo que alugou na Boa Vista.
Amaro arrancava o sustento vendendo pinhas num tabuleiro, numa das esquinas da Coréia. Daí pra frente, ficou sendo conhecido como Amaro das Pinhas, não só para diferençá-lo dos muitos outros Amaros lá existentes, como também porque é de lei que todo mundo tenha seu apelido. Negociou com pinha durante muitos anos, até que resolveu mudar de mercadoria e começou a vender pitombas no mesmo tabuleiro. Deste modo, passou a ser chamado de Amaro da Pitomba, e foi assim que eu o conheci nos meus tempos de menino. Ele era afável, tinha a fala mansa, e nós apreciávamos seus cachos de pitomba.
Muito tempo depois de me perder nas curvas deste velho mundo, voltei a Palmares, procurei por Amaro da Pitomba, e ninguém sabia quem era. Uma ferida lhe nascera na perna direita e foi aumentando aos pouquinhos. Seu nome agora era Amaro da Ferida. Achei-o em frente ao Bar Riso da Noite, sentado no banquinho atrás do tabuleiro de pitombas. A enorme ferida enrolada em gaze ensopada de sangue lhe roía a perna e lhe emprestava uma aura de beatitude realçada pela mansidão.
Hoje, ninguém se lembra mais que um dia ele se chamou Amaro da Ferida. Os médicos, incapacitados de curar a ferida, optaram pelo caminho mais prático e cômodo, diante de um paciente sem recursos para se tratar: amputaram-lhe a perna, acima do joelho.
Se você chegar hoje a Palmares, e quiser chupar pitomba, procure Amaro Cotó, na Coréia, que lá ele estará para servi-lo.
(Do livro “A Prisão de São Benedito”, 4ª edição, 1997, Editora Bagaço)
(1) Fotomontagem: tabuleiros de pinhas e pitombas
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