quarta-feira, 10 de outubro de 2012

STF rendeu homenagens à biografia de Dirceu


Em sessão histórica, o STF ressuscitou a lógica e rendeu homenagens à trajetória épica de José Dirceu. Até aqui, o mensalão era um escândalo marcado pela excentricidade. A corrupção era acéfala, a quadrilha não tinha capo.


Lula reivindicara para si o papel de cego. Não enxergara nada, não tomara conhecimento de coisa nenhuma. Mimetizando-o, Dirceu empreendia um esforço para provar-se coadjuvante de um enredo de perversões. ...

Recorrendo a todos os estratagemas para atingir seus subterfúgios, o ex-chefão da Casa Civil desrespeitava um passado do qual costumava jactar-se. Trêmulo de humildade, Dirceu autoconvertera-se num antilíder, uma espécie de sub-Delúbio.

No tempo em que a política ainda se preocupava em fazer sentido, os valores eram mais nítidos. O PT era o PT, Delúbio Soares era pau-mandado, Lula era presidente da República e Dirceu era primeiro-ministro.

Ao empurrar Dirceu para dentro da lista de condenados do mensalão, o STF como que evitou que a nitidez perdesse sua função. Os ministros do Supremo renderam homenagens à biografia de Dirceu, reaproximando-a do retrato desenhado pelo próprio condenado num livro autobiográfico.

Chama-se “Abaixo a Ditadura” (Ed. Garamond, 1998). Foi escrito, em parceria com Vladimir Palmeira, por um Dirceu que Nelson Rodrigues chamaria de legítimo, de escocês. Esse Dirceu do livro vendia-se como um protagonista nato.

Nascera em 16 de março de 1946 já com o ego empinado. Nada a ver com o Dirceu da defesa de Dirceu, um pobre-diabo que não fazia juz à memória do réu. No tempo em que seu horizonte reduzia-se a meia dúzia de casas vizinhas, Dirceu já percorria as ruas da sua infância à procura de encrenca.

Nessa época, integrava uma “pequena gangue de garotos”. Divertia-se amarrando barbante em rabo de cachorro e assaltando frutas em quintais alheios. “Quando saí da cidade, as professoras e as mães soltaram fogos, se alegraram: ‘Estamos livres do Zé Dirceu’”, contou o réu no livro.

A humildade falsificada do processo do STF tampouco ornava com a juventude estudantil do acusado. Antes mesmo de virar mito da UNE, o Dirceu do livro fundara a “Turma da Canalha”, um grupo de estudantes que subvertia as regras da PUC, em São Paulo.

“[...] Derrubamos essa história de precisar nos levantar quando o professor entrava na sala. Nessa época eu havia deixado o cabelo crescer e, como ninguém usava cabelo comprido, acabei virando um personagem. Foi um escândalo”, escreveu o Dirceu que a defesa de Dirceu esforçava-se para apagar.

Bem verdade que, envolto em escândalos menos pueris, Dirceu já não carregava sobre ombros o futuro do mundo. Esforçava-se para tirar das costas o peso do arcaísmo que conspurcou os ideais de um passado remoto. Mas a defesa exagerava.

O Dirceu do livro considerava “difícil reproduzir o que foi o espírito de 68”. Nessa época, “havia uma poderosa força simbólica impulsionando a juventude. [...] O mundo parecia estar explodindo. Na política, no comportamento, nas artes, na maneira de viver e de encarar a vida, tudo precisava ser virado pelo avesso. Para nós, o movimento estudantil era um verdadeiro assalto aos céus.”

A passagem pelo poder levou Dirceu a ambientes menos românticos, onde os assaltos não foram metafóricos. Ao percorrer as mais de 55 mil folhas do processo do mensalão, a maioria dos ministros entendeu que era hora de interromper a conspiração que os advogados de defesa urdiram contra Dirceu.

Habituado a clandestinidades mais honrosas, o chefe do mensalão não merecia o papel de figurante em meio ao caos. O epílogo de Silvério de Delúbio não ornava com a biografia do velho líder nem respeitava a inteligência da plateia.
Fonte: Blog do Josias - 10/10/2012

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