quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Dirceu faz História, por Merval Pereira



Merval Pereira, O Globo
O dia histórico em que o ex-todo-poderoso ministro petista José Dirceu foi condenado por corrupção ativa pelo Supremo Tribunal Federal foi marcado pelas atitudes de dois ministros, ambas marcantes no transcurso do julgamento.
Dirceu entra para a História desta vez pela porta dos fundos, enquanto a ministra Cármen Lúcia diz que não está a julgar o passado de Genoino, também condenado, mas sua atuação nos crimes relatados nos autos.
Cármen Lucia, de quem Dirceu tinha esperanças de receber a absolvição, não apenas o condenou como registrou sua estupefação diante da defesa do advogado Arnaldo Malheiros, que tratou o que chamou de caixa dois eleitoral como se fosse uma coisa normal na atividade política.
O STF destruiu a trama, que o ex-presidente Lula defendeu até recentemente, de que o caixa dois explicaria a distribuição de dinheiro feita pelo PT, e ontem Cármen Lúcia, que por coincidência preside agora o Tribunal Superior Eleitoral, chamou a atenção para a desfaçatez do advogado que, diante da Corte mais alta do país, confessou crime de seu cliente como se tal fato não gerasse consequências:
“Não pode chegar aqui e dizer: ‘Ora, não declarou porque era ilícito.’ O ilícito não é normal. Ora, caixa dois é crime, é uma agressão à sociedade brasileira”, reagiu com indignação a ministra, que disse que essa atitude a convenceu de que o esquema que havia sido montado era muito maior do que aparentava.
Já Marco Aurélio Mello demonstrou a sua indignação através da ironia, como vem fazendo em vários momentos neste julgamento. Ele voltou a desmontar a tese do revisor Ricardo Lewandowski, segundo quem não havia assinatura de José Genoino em conjunto com Marcos Valério nos empréstimos.
Marco Aurélio citou a página do processo em que havia o fac-símile do documento em que os dois aparecem juntos, Valério avalizando um título do PT assinado por seu presidente, Genoino.
A certa altura, sem resistir aos argumentos pífios do revisor que transformara Delúbio Soares em maior responsável pelo esquema — nem mesmo Dias Toffoli, que também absolveu Dirceu, absolveu Genoino, elevando um pouco acima o nível de responsabilidade pelos crimes —, Marco Aurélio comentou: “Tivesse Delúbio Soares a desenvoltura intelectual e material a ele atribuída, não seria somente tesoureiro do partido. Quem sabe teria chegado a um cargo muito maior. Apontar Delúbio como bode expiatório como se tivesse autonomia suficiente para levantar R$ 60 milhões — já não sei mais a quantia e distribuir esses milhões —, ele próprio definindo os destinatários, sem conhecimento da cúpula do PT? A conclusão subestima a inteligência mediana”.
Definida a culpabilidade de Dirceu, Genoino e Delúbio, o chamado núcleo político do PT na ocasião dos crimes, ficará para o final a decisão sobre a pena de cada um. Quando chegar a ocasião em que o Tribunal definirá os critérios, serão levadas em conta normas do Código Penal, que manda analisar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente.
É agravante, por exemplo, o fato de o crime ser cometido “com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão”.
Outro tipo de crime, pelo qual o núcleo político petista ainda será julgado, é o de formação de quadrilha. Já há quatro votos, em item anterior, contra a tese da quadrilha em relação aos políticos de partidos aliados envolvidos no julgamento.
Caso se mantenha a posição dos demais ministros, Dirceu, Genoino e Delúbio deverão ser condenados por 6 a 4, o que lhes permitirá, em tese, embargos infringentes para questionar a decisão.
Mas Dirceu, apontado pelo Ministério Público como o “chefe da quadrilha”, pode ter a pena agravada, pois há uma disposição na legislação criminal em relação a quem “promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”.
O maior problema dos condenados por corrupção ativa é que eles foram acusados de “concurso material”, o que significa que as penas são somadas.
Dirceu, por exemplo, foi condenado por nove crimes. Assim, se pegar a pena mínima de dois anos (a máxima é de 12) — o que é improvável pela importância do cargo que exercia na ocasião —, deverá ser condenado a 18 anos e terá que cumprir pena em regime fechado por pelo menos três anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário