quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Entre a Gratidão e a Toga, por João Agripino Maia


POLÍTICA


Intitulada de “O Julgamento do Século” , a Ação Penal 470, em curso no Supremo Tribunal Federal, envolvendo 38 Réus, por força de foro privilegiado de alguns, conduz a sociedade à reflexão sobre a atribuição do Tribunal Guardião da Constituição e a forma de votar de seus membros.
Entendeu o Legislador Constituinte de 1988 que deveria ser mantido o princípio estatuído nas Cartas anteriores, em que os membros da Corte Suprema seriam de livre escolha do Presidente da República, desde que preenchidos os requisitos de notável saber jurídico e de reputação ilibada, sendo o nome aprovado pelo Senado Federal (não há precedentes de rejeição de nomes indicados).
Bem andou ao assegurar a vitaliciedade e a aposentação compulsória aos 70 anos; a primeira garante a independência indispensável ao magistrado investido no cargo de Juiz da mais alta Corte de Justiça do País e, a segunda, sendo de livre nomeação, evita que uma má escolha se perpetue até à morte, malgrado muitas vezes se prive da permanência de juristas com plena lucidez e maior sabedoria.
Vale lembrar episódio envolvendo o insigne legislador e jurista mineiro, Milton Campos, então Ministro da Justiça no Governo do Marechal Castelo Branco. O Presidente indagou se poderia indicá-lo para vaga aberta no Supremo. Disse, então, que não podia, alegando não preencher o requisito constitucional. Indagado sobre qual o requisito que não preenchia,respondeu convicto : eu não tenho notável saber jurídico!
O processo de livre escolha é bastante conhecido: indicações, pressões, disputas acirradas nos bastidores, enfim, um jogo em que se mede força de poder cujo resultado nem sempre consagra a livre escolha. Felizmente, a retrospectiva indica que, salvo poucas exceções, os indicados são pessoas que preenchem os requisitos constitucionais.
É evidente e, diria, até humano, que o eleito guarde o sentimento beneficii gratia por quem o nomeou para usar uma das Togas que vestem os Juízes da Suprema Corte de Justiça.
Daí, nesse julgamento histórico, vem à mente dos que se preocupam com a legitimidade da aplicação da tutela jurisdicional a seguinte indagação : os Ministros votam em consonância com seus princípios e convicções impostos pela veste talar ou podem ser levados a decidir conforme o peso da gratidão?
A própria História do Pretório Excelso guarda exemplos dignificantes da postura de muitos de seus membros, inclusive dentre os atuais, que, imbuídos da maior função judicante que lhes foi delegada, fazem a opção de decidir e votar alinhados com a sua consciência forense.
Nesse passo, vale recordar a atitude de Adaucto Lucio Cardoso que, nomeado Ministro do Supremo pelo regime militar, votou contra os desígnios do poder. Entre a gratidão e a Toga ficou com a Toga e deixou o Tribunal para não ser obrigado a curvar-se diante do sentimento da gratidão!
No julgamento de agora, causa perplexidade o advogado de um dos Réus ao clamar pela absolvição de seu cliente, invocar o exemplo do moleiro de Sans-Souci que, ao se opor à vontade do Imperador Frederico II, afirmou que há Juízes em Berlim. Nesse caso, a situação é inversa, daí, digo eu, HÁ JUÍZES NO BRASIL!

João Agripino Maia 
Advogado - Deputado Federal Constituinte

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