Percival Puggina
Os senadores da República têm em mãos um projeto de Código Penal para o Brasil. Os leitores que já se detiveram sobre o texto terão percebido: o melhor destino dessa peça é o recipiente de lixo orgânico. Do reciclável periga retornar. Pergunto: como acolher por bom um projeto que estabelece pena de um a quatro anos para quem se omitir (art. 388) de prestar socorro a um “animal” – vale dizer, qualquer ser vivo, pluricelular, heterotrófico, etc, etc, etc. – e pena de um mês com máximo de seis para quem se omitir de socorrer uma criança extraviada (artigo 132)?
Ou ainda, pode tramitar como coisa de serventia uma proposta de Código Penal que quer pôr na cadeia por até quatro anos quem modificar um ninho de ave (art. 388), mas transforma em elástico vencido e desbeiçado as restrições constitucionais e penais referentes ao aborto, com a inclusão da certificada incapacidade materna para cuidar do bebê (art. 128)? Tratando-se de seres humanos, não tem ninho, não tem nada: vai no útero e mata o feto. Não é à toa que o professor Miguel Reale Júnior qualifica o projeto inteiro como uma obscenidade.
Alguém dirá – “Bem, isso tem conserto” – mas o projeto não pode ser melhorado pelos motivos que vêm sendo denunciados por eminentes juristas e criminalistas em todo o país, alarmados com as falhas técnicas, vocabulário errado, definições imprecisas e desproporcionalidades que berram dentro do projeto.
Entenda-se. Precisávamos de um novo Código Penal. O velho, de tão remendado ficou irrecuperável. Era um caso perdido. Pois bem, assim como o velho não tinha solução, tampouco o anteprojeto proposto pelos notáveis de José Sarney tem compostura possível. A intenção de votar aquele calhamaço de 545 artigos até o dia 4 de outubro é uma total irresponsabilidade! E a ideia de acrescer 30 dias a esse prazo, também.
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MONSTRUOSIDADES
MONSTRUOSIDADES
Não se diga que me excedo. Não há qualquer exagero ou excesso em afirmar que esse projeto colide com valores, conceitos, senso de proporção e prioridades bastante consolidadas na sociedade brasileira. Prioridades, senso de proporção, conceitos e valores com os quais estamos habituados a lidar e fazem parte do nosso senso de justiça. No entanto, tudo isso vem sofrendo o ataque sistemático de grupos sociais, tão minoritários quanto influentes e organizados.
O projeto do novo Código Penal reflete as posições desses segmentos, cada vez mais interessados em agir sobre as instituições nacionais para moldá-las segundo seus gostos e desgostos. As evidências de que há uma estratégia em curso enchem páginas de jornais e raros são os formadores de opinião dela divergentes.
Como os eleitores devem ter percebido, estou falando do “politicamente correto”, ao qual o projeto faz ensandecidas concessões, e de uma visão de Estado que a opinião pública rejeita. É por causa de ambas que o projeto legaliza o consumo de drogas e o pequeno tráfico. É por igual motivo que o projeto envolve com o manto da “exclusão de crime” o ato terrorista praticado individual ou coletivamente por pessoas movidas com intuito social ou reivindicatório, “desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à finalidade” (art.239).
O projeto fala a voz desses pequenos grupos de enorme influência, malgrado sua dissintonia com o Brasil real, ainda não contaminado pelo relativismo e pela degradação do humano em todas as suas dimensões.
(Do Blog do Puggina)
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