terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Solidariedade enganosa - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 09/12

Os critérios da pesquisa não são nada complicados. Pergunta-se ao entrevistado se, durante o mês anterior, fez alguma doação para instituições de caridade, dedicou tempo livre a ações de voluntariado ou ajudou algum desconhecido.

O Brasil vem caindo seguidamente nessa classificação de solidariedade internacional, realizado pela ONG britânica CAF (Charities Aid Foundation), em parceria com o instituto Gallup. Tendo já se situado na 54ª posição, caiu sucessivamente para 76º e 85º lugares, ficando agora em 91º, dentre os 135 países pesquisados.

O dado não condiz, evidentemente, com a imagem de calor humano e generosidade que os brasileiros construíram a respeito de si mesmos --e que se anaboliza com a proximidade da Copa do Mundo.

Na América Latina, o Brasil é o país com a pior colocação, ao lado da Venezuela. Talvez existam bons motivos para o fenômeno. Com menos pessoas vivendo na pobreza, diz a diretora-executiva do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), diminui a sensação de que o auxílio financeiro seja imperioso.

Vale lembrar, ademais, as frequentes notícias envolvendo políticos de vários matizes, mentores de instituições que de filantrópicas têm apenas o nome.

Considerações dessa ordem não justificam um fenômeno que exigiria pesquisas para ser esclarecido. De resto, não só a economia ou os governos interferem no resultado.

Se, no geral, os EUA lideram esse "ranking da solidariedade", no item das contribuições em dinheiro o primeiro lugar cabe a Mianmar. No item da ajuda a estranhos, Qatar, Líbia, Colômbia e Senegal estão nas primeiras posições, logo atrás dos EUA. Em matéria de tempo dedicado ao voluntariado, surge no topo o Turcomenistão.

Fatores religiosos e culturais podem influir tanto o comportamento dos entrevistados quanto o modo de interpretar a pergunta. Comunidades isoladas podem ser solidárias ao extremo sem que a ajuda a desconhecidos ocorra. Nas grandes cidades, insegurança, mobilidade e jornada de trabalho podem frustrar as melhores intenções.

Como em toda estatística, o significado da pesquisa dilui-se à medida que se ramifica para cada realidade particular. Embora mereça exame mais detalhado, o caso brasileiro sem dúvida impõe a necessidade de virtudes --humildade e autocrítica-- nem sempre praticadas em tempos de ufanismo.

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