O GLOBO - 09/12
Até a crise de 2008/9, o governo Lula vinha pisando fundo no acelerador dos gastos públicos, na esteira do boom mundial. Em 2003-2008, eles aumentaram à incrível taxa média de 9% ao ano acima da inflação, o dobro do aumento do PIB. Como a arrecadação bruta também cresceu 9%, os superávits fiscais se mantiveram intactos. Assim, a relação dívida/PIB continuou caindo, e os credores disseram amém. Em contraste, como a carga tributária estava aumentando com toda a força em comparação com o PIB, isso pegou de frente a indústria, o primo pobre do modelo de crescimento pró-consumo adotado com entusiasmo desde 2003.
Esse modelo é o seguinte. Gasto público corrente e crédito puxam a economia. O setor de serviços — que não sofre concorrência de importados — faz a festa. Preços e salários desse setor em geral sobem, enquanto o segmento de commodities de exportação segue sob o comando da forte demanda e da consequente robustez das cotações externas. A indústria tem de enfrentar a concorrência intensa dos chineses, e não consegue pagar os mesmos salários que os demais setores. Isso piorou quando, mais recentemente, a produtividade industrial passou a crescer menos do que os salários. Nesses casos não há alternativa. Quando o consumo é alto — ou a poupança é baixa —, a economia funciona no sentido de criar déficits externos em conta-corrente de forma a atrair poupança externa e complementar a interna. O candidato natural ao papel de “importador estratégico” é o galho fraco da árvore de produção, ou seja, a indústria.
O que fez, então, o governo? Sem alterar o modelo pró-consumo, elegeu a recuperação da indústria como prioridade máxima, ao criar programas compensatórios para as empresas. Navegando contra a maré, lançou mão desde o controle de preços de insumos básicos à turbinagem de empréstimos subsidiados pelo BNDES, passando por um expressivo programa de desonerações tributárias voltado especialmente para o setor industrial. Finalmente, vieram as tentativas de desvalorização forçada da moeda, cuja necessidade foi posteriormente dispensada em face do recente processo de fuga de capitais
Na sequência, a taxa de crescimento real da arrecadação caiu bastante, devendo fechar este ano em 3%, em contraste com os 9% da média 2003-2008. Parte dessa queda deveu-se ao menor crescimento do PIB, hoje ao redor de 2% ao ano, parte às desonerações. O governo conseguiu segurar um pouco a despesa com pessoal, represando reajustes prometidos anteriormente, mas o avanço dos demais segmentos, ultrarrígidos no Brasil, inclusive pelos subsídios originados no apoio à indústria, foi tal que o gasto agregado subiu 6,1% nos últimos 12 meses acumulados até outubro. Isso representa o dobro do desempenho da receita de tributos e é, obviamente, insustentável.
Assim, a primeira consequência desfavorável da política pró-indústria foi a queda dos superávits fiscais, que o governo tentou esconder, provocando o iminente rebaixamento da classificação de risco do Brasil nas agências internacionais. Há quem defenda que esse rebaixamento, de fato, já aconteceu… Outro subproduto foi a forte subida da dívida bruta em virtude dos vultosos empréstimos via BNDES. E, por último, a necessidade de aumentar ainda mais os tentáculos dos controles de preços, para compensar os efeitos desfavoráveis do aumento da taxa de câmbio sobre a inflação. Isso tem um cheiro de inflação reprimida do passado que já parecia ter saído do nosso radar.
É difícil calcular o custo das desonerações, a não ser fazendo hipóteses heroicas sobre a elasticidade receita-PIB, que mostra quanto a arrecadação cresce diante de uma evolução de 1% do PIB. Se fosse igual à da fase 2003-2008, ou seja, 2, a arrecadação escalaria este ano 4%, para o esperado crescimento de 2% do PIB. Como o aumento da arrecadação deve fechar 2013 em 3%, a perda total devida às desonerações poderia ser estimada em 1%. Se aplicarmos essa taxa à arrecadação de 2012 e atualizarmos seu valor pela inflação média estimada pelo Focus para 2013 (6,2%), chega-se ao expressivo impacto de R$ 95 bilhões — algo ao redor de 2% do PIB, parcialmente repartidos com os estados e municípios. Como esses últimos reagiram muito mal à situação, o governo aumentou o volume total de empréstimos que eles poderiam captar, amenizando seu sufoco. Só que, com isso, o panorama fiscal deteriorou-se ainda mais.
É duro chegar ao diagnóstico do qual não se pode fugir: a política econômica precisa ser urgentemente ajustada. Para começar, é imprescindível conter o crescimento real dos dispêndios públicos correntes e as desonerações, de forma a igualar a trajetória real do gasto federal total — hoje em 6,1%, em bases anuais — à caminhada da arrecadação, de 3% este ano. Ao fim de cinco anos, os dados mostram que a indústria continua estagnada, a taxa de investimento não sai da faixa de 18-19% do PIB, e este não cresce de forma sustentada acima de 2,5% ao ano. Para que, então, tanto ruído, como o causado pela política pró-indústria, se os resultados são pífios?
Até a crise de 2008/9, o governo Lula vinha pisando fundo no acelerador dos gastos públicos, na esteira do boom mundial. Em 2003-2008, eles aumentaram à incrível taxa média de 9% ao ano acima da inflação, o dobro do aumento do PIB. Como a arrecadação bruta também cresceu 9%, os superávits fiscais se mantiveram intactos. Assim, a relação dívida/PIB continuou caindo, e os credores disseram amém. Em contraste, como a carga tributária estava aumentando com toda a força em comparação com o PIB, isso pegou de frente a indústria, o primo pobre do modelo de crescimento pró-consumo adotado com entusiasmo desde 2003.
Esse modelo é o seguinte. Gasto público corrente e crédito puxam a economia. O setor de serviços — que não sofre concorrência de importados — faz a festa. Preços e salários desse setor em geral sobem, enquanto o segmento de commodities de exportação segue sob o comando da forte demanda e da consequente robustez das cotações externas. A indústria tem de enfrentar a concorrência intensa dos chineses, e não consegue pagar os mesmos salários que os demais setores. Isso piorou quando, mais recentemente, a produtividade industrial passou a crescer menos do que os salários. Nesses casos não há alternativa. Quando o consumo é alto — ou a poupança é baixa —, a economia funciona no sentido de criar déficits externos em conta-corrente de forma a atrair poupança externa e complementar a interna. O candidato natural ao papel de “importador estratégico” é o galho fraco da árvore de produção, ou seja, a indústria.
O que fez, então, o governo? Sem alterar o modelo pró-consumo, elegeu a recuperação da indústria como prioridade máxima, ao criar programas compensatórios para as empresas. Navegando contra a maré, lançou mão desde o controle de preços de insumos básicos à turbinagem de empréstimos subsidiados pelo BNDES, passando por um expressivo programa de desonerações tributárias voltado especialmente para o setor industrial. Finalmente, vieram as tentativas de desvalorização forçada da moeda, cuja necessidade foi posteriormente dispensada em face do recente processo de fuga de capitais
Na sequência, a taxa de crescimento real da arrecadação caiu bastante, devendo fechar este ano em 3%, em contraste com os 9% da média 2003-2008. Parte dessa queda deveu-se ao menor crescimento do PIB, hoje ao redor de 2% ao ano, parte às desonerações. O governo conseguiu segurar um pouco a despesa com pessoal, represando reajustes prometidos anteriormente, mas o avanço dos demais segmentos, ultrarrígidos no Brasil, inclusive pelos subsídios originados no apoio à indústria, foi tal que o gasto agregado subiu 6,1% nos últimos 12 meses acumulados até outubro. Isso representa o dobro do desempenho da receita de tributos e é, obviamente, insustentável.
Assim, a primeira consequência desfavorável da política pró-indústria foi a queda dos superávits fiscais, que o governo tentou esconder, provocando o iminente rebaixamento da classificação de risco do Brasil nas agências internacionais. Há quem defenda que esse rebaixamento, de fato, já aconteceu… Outro subproduto foi a forte subida da dívida bruta em virtude dos vultosos empréstimos via BNDES. E, por último, a necessidade de aumentar ainda mais os tentáculos dos controles de preços, para compensar os efeitos desfavoráveis do aumento da taxa de câmbio sobre a inflação. Isso tem um cheiro de inflação reprimida do passado que já parecia ter saído do nosso radar.
É difícil calcular o custo das desonerações, a não ser fazendo hipóteses heroicas sobre a elasticidade receita-PIB, que mostra quanto a arrecadação cresce diante de uma evolução de 1% do PIB. Se fosse igual à da fase 2003-2008, ou seja, 2, a arrecadação escalaria este ano 4%, para o esperado crescimento de 2% do PIB. Como o aumento da arrecadação deve fechar 2013 em 3%, a perda total devida às desonerações poderia ser estimada em 1%. Se aplicarmos essa taxa à arrecadação de 2012 e atualizarmos seu valor pela inflação média estimada pelo Focus para 2013 (6,2%), chega-se ao expressivo impacto de R$ 95 bilhões — algo ao redor de 2% do PIB, parcialmente repartidos com os estados e municípios. Como esses últimos reagiram muito mal à situação, o governo aumentou o volume total de empréstimos que eles poderiam captar, amenizando seu sufoco. Só que, com isso, o panorama fiscal deteriorou-se ainda mais.
É duro chegar ao diagnóstico do qual não se pode fugir: a política econômica precisa ser urgentemente ajustada. Para começar, é imprescindível conter o crescimento real dos dispêndios públicos correntes e as desonerações, de forma a igualar a trajetória real do gasto federal total — hoje em 6,1%, em bases anuais — à caminhada da arrecadação, de 3% este ano. Ao fim de cinco anos, os dados mostram que a indústria continua estagnada, a taxa de investimento não sai da faixa de 18-19% do PIB, e este não cresce de forma sustentada acima de 2,5% ao ano. Para que, então, tanto ruído, como o causado pela política pró-indústria, se os resultados são pífios?
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