“A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.”*
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.”*
E assim ele passa, imponente e poluído, pela cidade-mangue. O Capibaribe! Nele nadam peixes de plástico e bóiam latas de refrigerante que, de longe, pode-se jurar que são as escamas do curimatã** brilhando ao sol.
Segundo a sabedoria popular, e o povo é sabido, é esse o rio responsável pela criação do Oceano Atlântico, só tendo participação do Rio Beberibe (mas este segundo entra como coadjuvante, fazendo uma pontinha de nada). Porque ator principal mesmo só o Capibaribe; caudaloso e vaidoso.
Adorado pelo povo, nos dias de sol, odiado quando chove, o rio ama tanto o Recife, que basta um chuvisco, para ele sair da sua margem e querer abraçar a cidade. E se for maré cheia então, é que ele se espalha, folgado como uma manhã de domingo. E abraça a cidade levando suas águas e sua lama pelas ruas afora. Um rio com síndrome de polvo e seus tentáculos molhados.
Em suas margens vivem os homens caranguejos, com lama até os joelhos, catando a vida e o almoço. Mas o gigante segue seu curso alheio à miséria humana. Afinal, não cabe ao rio a tarefa de cuidar das pessoas, não é mesmo? O contrário, no entanto, poderia ser verdadeiro.
E enquanto os projetos para tornar o rio limpo, navegável e turístico enchem as gavetas dos gabinetes oficiais, as garças bocejam na beira do mangue. O difícil é alçar vôo, porque as patas sempre ficam presas nos sacos plásticos e elas, coitadas, têm que fazer um esforcinho maior para tirar “o pé” da lama.
E “da lama ao caos, do caos a lama” o rio segue seu caminho sem nem olhar para trás. Chega ao Oceano com aquele jeitão de atleta de corrida de obstáculos ao cruzar a linha de chegada; feliz, mas cansado. E chega triste, quase saudoso, por deixar pra trás a cidade-lama, a cidade-mangue, os homens-palafita e os homens-caranguejo.
“Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.”
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.”
* Poema “Cão sem Plumas”de João Cabral de Melo Neto.
**Espécie de peixe antes abundante no Rio Capibaribe, hoje quase em extinção.
Filme de Katia Mesel - 1997
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