A semana em que Kate e Maomé ameaçaram o conceito de liberdade à francesa
Na quarta-feira o jornal satírico francês Charlie Hebdo, não contente com o terremoto causado pelo filme anti-islã "A inocência dos muçulmanos" desde a semana passada, decidiu colocar mais lenha na fogueira e publicou um especial com caricaturas do profeta Maomé. Em uma delas, ele está nu.
Outra que apareceu quase nua nas páginas de uma publicação francesa na semana passada foi Kate Middleton. A revista de fofocas Closer publicou fotos de momentos íntimos do casal principesco britânico nas quais a duquesa de Cambridge aparece em topless.
Tiradas em solo francês, durante as férias do casal na Provence, as fotos causaram a ira da monarquia inglesa, que processou a revista e conseguiu impedir a venda e reedição das imagens.
Os dois casos de nudez e imagem, tão díspares, mas que por essas coincidências incompreensíveis da história dividiram o mesmo espaço de tempo, explicitam como é difícil para a França manter uma das ideias de seu lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. O que está em jogo esta semana é o limite da liberdade à francesa.
O caso de Kate suscitou o debate sobre liberdade de imprensa e liberdade da pessoa pública. A questão tem antecedentes. As fotos da monarquia inglesa feitas por paparazzi na França tiveram, no passado, um final trágico com a morte da princesa Diana em um túnel da Ponte de l’Alma em Paris.
Talvez por isso o país tenha leis bastante restritivas em relação ao assunto. Na França, a imagem não pertence aos fotógrafos, mas à pessoa de quem ela foi, digamos, roubada. Neste caso, para os franceses, a liberdade de Kate de mostrar os seios vale mais que a liberdade do fotógrafo de explorá-los.
No caso do Charlie Hebdo o que está em jogo é a liberdade de credo contra a liberdade de imprensa. Em um país laico, mas que vê sua população muçulmana aumentar a cada dia, o tema é delicado.
Os cartunistas franceses desenham constantemente personagens da vida pública, política e também religiosa. O que faz do islã uma verdadeira tentação para os sátiros de um país livre como a França é o fato dele ser “intocável”, como sintetiza tão bem a capa do polêmico número do Charlie Hebdo.
A imagem da primeira página mostra um judeu empurrando uma cadeira de rodas onde está sentado um muçulmano. “Faut pas se moquer!” dizem os dois homens, ou seja, não vale zombar...
O problema é que na França pode, o que acaba deixando o estado francês em situação mais comprometedora do que a de Maomé e Kate nas páginas da imprensa francesa.
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário