Merval Pereira, O Globo
O julgamento do mensalão vai se desenvolvendo em meio a contestações as mais variadas, e mesmo alguns ministros não têm certeza do que os espera a cada “fatia” que o relator Joaquim Barbosa vai destacando do processo. Ele deu prioridade à clareza de suas posições, embora muitas vezes em detrimento da clareza do processo em si.
Até agora, porém, há só processos confusos, e não supostos motivos para queixas insinuadas a Cortes internacionais a pretexto de suposto cerceamento do direito de defesa dos réus.
Quando se esperava que ontem o revisor daria seu voto sobre o caso do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, eis que o relator retomou a palavra para completar a terceira fatia de seu voto.
O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, revelou, irônico, que achava que ontem Lewandowski começaria seu voto, para concluir que o fatiamento não é tão extenso quanto alguns temiam.
Mas há situações mais delicadas que podem acarretar polêmica sobre o único voto que o ministro Cezar Peluso deve proferir neste julgamento.
Não é o caso de falar-se em possibilidade de anulação de seu voto, já que o recurso nesse sentido tem de ser feito ao próprio STF, que tem o direito de errar por último, como se diz nos meios jurídicos.
Mas há uma confusão no caminho que poderia ser evitada se o procedimento de votação tivesse sido mais bem acertado entre os membros do STF.
Se não, vejamos: como o relator levou duas sessões para analisar o item sobre desvio de dinheiro público, é provável que o revisor Lewandowski leve outras duas para dar o seu voto, o que fará com que a votação dos demais ministros fique para a segunda-feira dia 27. O ministro Peluso é o sétimo a votar, e isso deve acontecer na segunda parte da sessão, na quarta-feira dia 29.
Caso a dosimetria das penas for debatida ao fim de todo o julgamento, como parece ser o consenso, Peluso já estará aposentado, o que levanta uma questão: seu voto, se condenatório, valerá mesmo que ele não participe da discussão da dosimetria?
Há advogados que dizem que não, que ele não deveria ser computado, pois não foi completado com a definição da pena. Há quem diga, no entanto, que sua saída do STF pela aposentadoria compulsória representa uma circunstância como outra qualquer — morte ou doença — e que até o último momento seu voto vale o mesmo que os dos demais.
Para evitar essa polêmica, a dosimetria das penas poderia ser feita ao fim de cada bloco. Se esse sistema fosse adotado pelo Supremo, haveria ainda a sessão da quinta-feira dia 30 para Peluso participar da discussão da dosimetria para os acusados de desvio do dinheiro público, pois ele se aposenta em 3 de setembro, sessão que deverá ser dedicada às suas despedidas.
Outra solução, que, entretanto, não resolve de todo a questão, seria Peluso, ao votar, adiantar sua posição sobre a dosimetria. Mas assim estaria se pronunciando antes do relator e do revisor e poderia ser questionado também.
Outra questão polêmica do julgamento, mas já vencida pela decisão da maioria do plenário, tem relação ao próprio fatiamento, que foi colocado em dúvida por um grupo de advogados de defesa.
No centro dessa discussão está a admissão tácita dos advogados de que a situação de seus clientes fica mais difícil com essa metodologia, e é justamente isso que o relator Joaquim Barbosa quer.
Ele ontem foi bastante explícito quanto à sua escolha: “Meu voto está em elaboração desde abril do ano passado e não inova em nada, porque o método foi utilizado em 2007 por ocasião da denúncia. O que me levou a adotar essa metodologia foi a simples preocupação com a clareza. A meu ver, se eu tivesse que ler 1.200 páginas, e o ministro revisor, mais 1.300 páginas, ao final ninguém mais se lembraria de nada. Espero ter sido bastante claro, embora o voto tenha sido demorado.”
O próprio presidente do Supremo, Ayres Britto, esclareceu que a opinião da maioria é que o princípio da ampla defesa está mantido com esse procedimento, e de maneira indireta respondeu também à questão da dosimetria quando disse: “Essa cisão entre o juízo de condenação — em um primeiro momento, unindo todos os outros — e a segunda fase correspondendo à dosimetria da pena em nada conspurca o devido processo penal ou diminui o âmbito da ampla defesa dos réus.”
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