Elio Gaspari, O Globo
Nos últimos meses o governo da doutora Dilma tomou três medidas que podem resultar numa inédita contribuição ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro e ao bem-estar da população.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar fechou o guichê de vendas de 267 planos de saúde de 37 operadoras de medicina privada, a Anatel suspendeu planos de vendas de três das quatro maiores concessionárias de telefonia celular e a Agência Nacional de Energia Elétrica interveio em oito distribuidoras que vendem eletricidade em seis estados.
Saúde, telefonia e eletricidade são coisas que afetam o cotidiano de todos os brasileiros. Os problemas das empresas tinham a mesma raiz: vendiam serviços que não estavam habilitadas para prestar.
As operadoras de medicina privada venderam coberturas que matematicamente não ficavam de pé, as teles expandiram suas vendas sem investir na infraestrutura e, em março, as elétricas deviam R$ 5,7 bilhões.
O tranco dado pelo governo nessas empresas é bem-vindo por dois motivos. Com ele o Estado impede que a infraestrutura das telecomunicações e da distribuição de energia seja sucateada, reabrindo-se um velho caderno dos ciclos da privataria nacional.
O concessionário, com o beneplácito do Estado, degrada os serviços, a população reclama e, aos poucos, ressurge o fantasma da estatização. (No século passado, a Light foi estatizada a pedido dos seus controladores, com argumentos técnicos y otras cositas más.)
Feita a estatização, a Viúva recupera parcialmente a empresa, administra-a mal e, quando a economia entra numa fase de vacas magras, ressurge a bandeira da privatização. No setor ferroviário, por exemplo, a dança do estatiza-privatiza fez com que a malha trocasse de dono quatro vezes em um século.
Quando o Estado cumpre seu papel, fiscalizando o cumprimento dos contratos, as concessionárias de maus serviços sofrem no bolso. Depois do tranco, as ações das teles punidas caíram na Bolsa e operadoras de planos de saúde começaram a buscar sócios ou compradores. Concessionária bem administrada vale muito, mal administrada, vale nada.
As iniciativas da Anatel e da Aneel, ainda que tardias e limitadas, terão o efeito de um freio de arrumação. Elas lidam com empresas cujas obrigações não podem ser transferidas para a Viúva, pois o Estado não opera teles nem concorre com as distribuidoras de energia.
No caso dos planos de saúde o problema é mais complexo, pois uma operadora pode se organizar vendendo um plano barato (e inviável) sonhando com a transferência de seus clientes para a rede do SUS. Apropriando-se da rede pública, vivem no melhor do mundos: o cliente paga, elas embolsam e a conta vai para a Viúva, que fica com o tratamento do freguês. Com isso, as operadoras sérias são punidas num mercado poluído por concorrentes desleais.
Os três trancos da doutora Dilma ajudam o mercado, protegem a patuleia e fortalecem o Estado. Falta acrescentar a esse prato um gostinho de jiló, punindo as ilegalidades que estão na origem dessas malfeitorias. Se os agentes econômicos começarem a temer agências reguladoras e juízes que comem berinjela crua, o capitalismo brasileiro entrará numa nova fase.
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