segunda-feira, 25 de março de 2013

Cartas de Londres: a complexa relação com os americanos



Maurício Savarese
Mesmo sendo capazes de se adaptarem à modernidade, mais que os outros europeus, os britânicos gostam das suas tradições. Muitos cultivam uma quase secreta admiração pela rainha, não dispensam chá durante o trabalho e se recusam a admitir a falta de sabor na culinária local. Mas se a conversa é com alguém da grande ex-colônia, o que é uma defesa discreta se transforma em desafio pessoal.
A elegância londrina some quando alguém diz falar “americano”, e não inglês. Se há um estadunidense na mesa do bar e ele dispara elogios a si e a seu país (algo nada britânico), é notório como os súditos da rainha colocam um assunto novo em debate -- de preferência um tema bem britânico, como futebol ou críquete. Afinal, é preciso mostrar quem manda em casa.
O capítulo “quem salvou o mundo de Adolf Hitler” não cabe neste texto. Deixo apenas um comentário que ouvi em uma discussão entre vários americanos e dois britânicos: “A maior prova de que o Reino Unido salvou o mundo é o fato de as americanas viajarem até 12 horas para virem aqui só para terem um britânico. As nossas moças não fazem isso.” (Na verdade elas adoram receber os americanos por aqui mesmo.)
Apesar de os EUA lembrarem aos britânicos que seu país já não é o maior império da humanidade, a cultura os reaproxima. Ainda que o Reino Unido seja um dos países com a cena musical mais vibrante do mundo, em qualquer boate o som dos americanos domina. Nos cinemas é o mesmo. Sobra apenas o teatro para fortalecer a cena local -- e na plateia sempre tem montes de americanos fascinados.


É verdade que o interesse dos britânicos parece mais intenso. Entre os meus quase 50 colegas de classe, mais da metade já foi aos EUA. Se aparece um emprego em Nova York, eles tentam com vontade. Se dá errado, culpam o protecionismo dos americanos. Na maioria das vezes eu só concordo. Com os mais chegados não dá para segurar um “Mas é exatamente isso que vocês fazem aqui!” Eles riem.
Parece que os britânicos gostam mais dos americanos que se esforçam para conhecer a ex-metrópole do que daqueles que encontram em viagens pelo mundo, incluindo nos próprios EUA. Os londrinos têm orgulho de seu ar cosmopolita, forjado em voos de duas horas que os deixam em lugares muito diferentes. Mas são os ex-colonizados que lembram a ex-metrópole que nenhuma tradição é capaz de garantir o futuro.

Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area.Twitter:@msavarese.

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