24 de março de 2013 | 2h 06
O Estado de S.Paulo
Três semanas após ter anunciado a moralizadora redução do pagamento de 14.º e 15.º salários para deputados federais, a Mesa Diretora da Câmara encaminhou a seu plenário projetos que criam a Corregedoria Autônoma e o Centro de Estudos e Debates Estratégicos e mais 59 cargos.
Em 26 de fevereiro passado, ainda sob o impacto da eleição com margem folgada, dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, ambos do PMDB e sob suspeitas de irregularidades incompatíveis com os cargos, a Casa aprovou, em votação simbólica, projeto do Senado que reduz o pagamento do 14.º e 15.º salários dos parlamentares. No fundo, a solução encontrada foi uma satisfação à opinião pública, mas também um passa-moleque, pois o texto aprovado não acabou definitivamente com o benefício e manteve o pagamento tanto no primeiro quanto no último ano de cada legislatura. Ainda assim, ao final da votação, o presidente da Câmara usou o Twitter para festejar o resultado: "Parabéns a este Plenário, que resgata a altivez e a dignidade do Parlamento brasileiro".
A oposição também exagerou na comemoração. "O pagamento do 14.º e 15.º salários é uma vergonha nacional, é inaceitável. Será o fim imediato desse privilégio", festejou o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), que pressionou por essa aprovação. Apenas um deputado protestou contra o fim do benefício - o ex-governador mineiro Newton Cardoso, do PMDB. "Estão votando com medo da imprensa, é uma deslealdade com deputados que precisam (do dinheiro)", disse.
Os projetos que criaram os novos órgãos e funções comissionadas representarão um impacto de R$ 7 milhões este ano e de R$ 8,9 milhões em 2014. O reajuste dos valores do chamado "cotão", verba que cobre gastos dos 513 deputados federais com passagens aéreas, telefone e correios, entre outros benefícios, definido pela assessoria técnica da Câmara, será de 12,7%. Hoje, a Casa gasta R$ 170 milhões por ano com o generoso "cotão". Com a decisão de repor a inflação a partir de abril, a despesa aumentará para R$ 38 mil por deputado, o que implica um adicional de despesa de R$ 22,6 milhões. Somente a soma desse aumento com a remuneração do novo trem da alegria chegará a R$ 29,6 milhões, mais do que o dobro dos R$ 12,6 milhões de economia prometida com a redução dos 14.º e 15.º salários.
As decisões da Mesa Diretora só entrarão em vigor depois da aprovação do plenário, mas ninguém em sã consciência espera que os deputados, que engoliram a seco a redução dos dois salários extras anuais, as desautorizem. Afinal, foram os líderes de bancadas que pressionaram Henrique Alves para reajustar o "cotão". Em contrapartida, será reduzido o que se paga de horas extras aos funcionários. Em 2012, a Câmara gastou R$ 47,1 milhões em horas extras noturnas e a intenção manifesta da atual direção é reduzir esse gasto à metade. Hoje os funcionários assinam a presença em folha e o ponto biométrico, ora usado apenas para o controle das horas extras noturnas, passará a ter uso generalizado após adotadas as medidas.
Os novos cargos contemplarão, principalmente, a liderança do PSD, partido criado em 2011 pelo ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, que importou deputados de outros partidos, especialmente o DEM, e ficará com 20 cargos de natureza especial (CNEs) e 10 funções comissionadas (FCs). Há dois anos o PSD já tinha ficado com 66 cargos e funções para sua liderança, mas Henrique Alves cumpriu o acordo que previa a criação de outros mais. A presidência da recém-criada Corregedoria Autônoma também está reservada para o PSD: será ocupada pelo amazonense Átila Lins. O Centro de Debates foi o prêmio de consolação dado ao deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE), em troca de sua desistência de concorrer ao cargo de presidente da Casa, que já ocupara antes, para apoiar a candidatura vitoriosa de Henrique Alves.
Ante as evidências de que o economizado em fevereiro passou a ser gasto em março e de que barganhas são "honradas" à custa do erário, conclui-se que a Câmara segue fiel à versão distorcida do lema atribuído a São Francisco, que deu nome ao novo papa: "É dando que se recebe".
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