segunda-feira, 25 de março de 2013

Febre, por Téta Barbosa



Os homens pré-históricos já sabiam: os dias são dedicados à caça e pesca, enquanto as noites são reservadas ao descanso. Ali, no escurinho da caverna, no silêncio da floresta, eles recuperavam as energias para começar tudo no dia seguinte.
Nós só entendemos a importância deste ritual milenar quando, por um motivo ou outro, somos obrigados a trocar o dia pela noite. Um filho com febre, por exemplo, é razão das mais comuns para nós, mães neuróticas, irmos dormir de manhã, quando a temperatura do corpo desce, mas a do sol sobe.
Depois de fechadas as cortinas e iniciado o protocolo do sono diurno é que descobrimos a existência de uma entidade misteriosa que, apesar de ouvir, você nunca a vê e que, só na hora do descanso matinal, ela se revela em toda sua potência e poder.
Não estamos falando de almas penadas, mas da assustadora furadeira. Sim, aquele equipamento usado na construção civil e na reforma do seu vizinho vai ecoar com decibéis ensurdecedores, lembrando que as manhãs foram feitas para a caça e pesca, ou trabalho e escola, e não para se jogar nos braços de Morfeu.
Há dois momentos distintos em que a furadeira assassina aparece na vida. O primeiro foi descrito no parágrafo anterior e o segundo é quando você, eu no caso, trabalha em publicidade.


Imagine: uma equipe de filmagem monta a cena do comercial numa praça ou praia ou rua. O ator já tem seu texto decorado, o camera man está posicionado e a produtora já tem sua claquete em mãos quando o diretor, eu no caso, grita: câmera, ação!
E é, justamente nesse intervalo de centésimos de segundo entre o ação e a primeira palavra do ator, que ela, a furadeira assombrada, avisa que rapadura é doce, mas não é mole. O som do equipamento elétrico vem sempre seguido do “corta” e da expressão perplexa do operador de áudio.
É quando a produtora larga sua claquete para sair em busca do canteiro de obra e coloca em prática todo seu amor ao próximo enquanto convence o pedreiro de que “essa cena é rapidinha, o senhor pode desligar a furadeira só um pouquinho?”
No quesito atrapalhar o silêncio, as furadeiras ganham dos cachorros, das motos e dos eventuais helicópteros. Não pense o senhor leitor que estou inventando, pois existe uma bem aí, ao seu lado, neste momento. Se você for vigia noturno ou passar uma noite em claro, vai saber do que eu estou falando!

Téta Barbosa é jornalista, publicitária, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e fora dali. Escreve aqui sempre às segundas-feiras sobre modismos, modernidades e curiosidades. Ela também tem um blog - Batida Salve Todos

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