sábado, 1 de setembro de 2012

Em livro, militar desmonta versão da Casa Branca para morte de Osama bin Laden



Membro da unidade que matou terrorista vira best-seller com relato da operação, como mostra a edição de VEJA desta semana

André Petry
PASSIVIDADE ABSOLUTA - O terrorista em dois momentos: armado e, na última foto, assistindo a um vídeo: nos momentos finais de sua vida, de acordo com a versão do livro Não Há Dia Fácil, ele não esboçou reação. As duas armas que mantinha no quarto nem estavam carregadas
PASSIVIDADE ABSOLUTA - O terrorista em dois momentos: armado e, na última foto, assistindo a um vídeo: nos momentos finais de sua vida, de acordo com a versão do livro Não Há Dia Fácil, ele não esboçou reação. As duas armas que mantinha no quarto nem estavam carregadas (Corbis/Latinstock/AP)
Até que demorou muito. Já faz um ano e quatro meses que o terrorista Osama bin Laden foi morto por uma unidade de elite da Marinha americana em Abbottabad, no Paquistão, e só agora sai, em forma de livro, um relato feito em primeira pessoa por um dos integrantes do comando militar que executou a operação. Não Há Dia Fácil, assinado por Mark Owen, um pseudônimo, já lidera a lista dos títulos mais encomendados da Amazon e da Barnes & Noble, a maior rede de livrarias dos Estados Unidos. O motivo do sucesso antecipado é simples: Owen oferece um relato inteiramente distinto da versão oficial, e bem-comportada, para a morte de Osama bin Laden. No relato divulgado pela Casa Branca na época, os militares se aproximavam do quarto do terrorista e foram recebidos a bala. Deu-se um tiroteio e Bin Laden acabou morto com dois tiros: um no peito e outro acima do olho esquerdo.
Owen diz que nada disso é verdade. O comando que chegou ao quarto de Bin Laden estava subindo pela escada de acesso em silêncio e no escuro. A menos de cinco degraus do topo da escada, o militar que ia na frente, o batedor, viu um vulto na porta do quarto e disparou. “Ouvi tiros disparados com silenciador. Bop. Bop”, escreve Owen, que vinha logo atrás do batedor. Ele relata em seguida que, ao entrar no quarto, deparou com o terrorista agonizando no chão. Bin Laden não ofereceu nenhuma resistência. No quarto, os militares acharam uma AK 47 e uma pistola no coldre, e ambas estavam sem munição. Owen, que encontrou as duas armas, escreveu: “Ele nem sequer esboçara uma defesa. Não tinha intenção de lutar”.
O rosto de Bin Laden estava coberto de sangue, o crânio afundado por um ferimento na testa e o peito rasgado por vários tiros. Um colega tirou do estojo uma mangueira para esguichar água no rosto, Owen limpou o sangue com o cobertor da cama. “Peguei a câmera e as luvas de borracha, e comecei a tirar fotos”, conta. “As primeiras foram de corpo inteiro. Depois, ajoelhei-me perto da cabeça e tirei algumas só do rosto. Afastando a barba para a direita e depois para a esquerda, tirei várias fotos de perfil.” Enquanto isso, outro militar recolhia amostras para exames de DNA -- sangue e saliva. Feito o serviço, pegaram o cadáver pelos braços e pernas e o arrastaram pela escada, deixando um rastro de sangue. No térreo, o corpo foi colocado dentro de um saco mortuário. No avião que levou os militares de volta à base, um dos integrantes da Marinha viajou sentado sobre o peito do morto.
Os 24 integrantes da unidade de elite da Marinha americana estavam claramente instruídos para capturar Bin Laden, e não para executá-lo. Escreve Owen sobre a fase dos preparativos: “Alguém perguntou se a missão era de captura ou de morte. Um advogado do Departamento de Defesa ou da Casa Branca salientou que não era para ser assassinato”. Se não houvesse resistência, Bin Laden deveria ser apenas detido. Mas é quase inacreditável que o terrorista não tenha esboçado nenhuma reação. Os militares chegaram à sua casa em dois helicópteros. Um deles caiu na chegada, sem causar vítimas. Antes que o comando militar chegasse ao quarto de Bin Laden no 3º andar, passaram-se uns quinze minutos. Nesse tempo, houve tiroteios, um dos quais matou Khalid, o filho do terrorista que morava no 2º andar, e pelo menos três explosões com as quais os militares derrubaram portões de metal para ir abrindo caminho. Com toda a ação e todo o barulho, Bin Laden, segundo o relato de Owen, não fez nada.
A Casa Branca, pesando o clima político, ainda não se manifestou. O Pentágono disse que Owen poderá ser punido por divulgar informação sigilosa. O autor usou pseudônimo e trocou o nome dos seus companheiros de farda por questões de segurança. Em certas passagens do livro, ele também revela a aversão dos membros da unidade de elite à publicidade. Ironicamente, ninguém fez mais do que Mark Owen para colocá-los todos sob os holofotes. Mesmo sua identidade vazou 24 horas depois que se noticiou a existência do livro. Mark Owen é Matt Bissonnette, 36 anos. Além de subitamente famoso, Bissonnette já é autor de um best-seller. A editora americana antecipou o lançamento do livro para esta terça-feira e aumentou a tiragem de 300 000 para 575 000 exemplares. No Brasil, a editora Paralela lança a versão eletrônica na terça e, dois dias depois, a versão impressa. Quem diria: a guerra ao terror acabou numa guerra de versões.
VEJA
Versões da morte de Osama bin Laden: governo versus ex-seal
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