sábado, 1 de setembro de 2012

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA - Aprendendo e pensando com o Poeta



CARLOS VIEIRA
O Itabirano Carlos Drummond de Andrade, nascido nas Minas Gerais em 1902, já com 22 anos, estudante de Farmácia, e após estabelecer uma sólida comunicação epistolar com Manuel Bandeira, conhece Oswald de Andrade e Mário de Andrade com o qual passa a ter uma longa troca de cartas. Drummond que já era poeta, agora inaugura sua escrita modernista sem perder seu lirismo. 
Em seu livro, “Verso Universo em Drummond”, tese de doutorado (1972), José Guilherme Merquior, segundo João Cesar de Castro Rocha, realiza mais que um estudo específico da poesia drummondiana, faz uma “análise global da obra”. 
Referindo-se ao lirismo de Drummond, Merquior escreve: “Num esboço autobiográfico encomendado pela Revista Acadêmica, Drummond nos dá uma interpretação sucinta de sua evolução lírica até Sentimento do Mundo.” “Alguma Poesia”, “Brejo das Almas” e “Sentimento do Mundo”, obras produzidas entre 1925 e 1940 marcam seu primeiro lirismo. Prossegue Merquior: “A dedicatória de ‘Alguma Poesia’ – a Mário de Andrade – designa de forma inequívoca a corrente literária a que se prendia Drummond: o modernismo. A linguagem poética de drummondiana não se converteu – como Bandeira, Jorge de Lima ou Cassiano Ricardo – à estética modernista: ela nasceu modernista.” 
É nesse âmbito do moderno, e agora pós-moderno, que gostaria de pensar a atualidade do “poeta gauche”. 
Vivemos num mundo onde, revelam as estatísticas, preponderam a “angústia do vazio”, a “face depressiva” e conflitos relativos à perda da Fé, da crença em Deus, da desestabilização da Família, da Ética e da descrença do Poder Judiciário. Esses fatos nos remetem a pensar na tentativa atual de ressignificação de todos esses conceitos. Estamos num tempo de crise! 
Relendo o quarto livro de Carlos Drummond, “José”, de 1942, observo e me dou conta da atualidade do itabirano. Agoniado, inquieto, perdido na imensidão da cidade grande, nosso poeta escreve a angústia do Eu, a angústia da perplexidade diante da ruptura com o provinciano. Merquior escreve: “...assim, a nostalgia do fazendeiro é realmente a perspectiva adequada à crítica drummondiana do ethos moderno.” Acrescenta ainda: “José é a máscara de um eu tornado genérico, imediatamente identificável ao homem da rua. Do mesmo modo, ‘Edifício Esplendor’ fala, de saída, em nome do gênero humano. O grande imóvel moderno oferece a Drummond um soberbo espaço lírico, cena exemplar para a denúncia do conteúdo reificado da vida contemporânea. O futuro arquiteto de Brasília, Oscar Niemeyer, projeta sua “máquina de morar”. 

“Na areia da praia/ Oscar rica o projeto... No cimento, nem traço/ da pena dos homens./ As famílias se fecham/ em células estanques./ O elevador sem ternura/ expele, absorve num ranger monótono/ substância humana./ Entretanto há muito/ se acabaram os homens./ Ficaram apenas tristes moradores.” 

Versos de Carlos já intuindo a angústia da modernidade e o vazio dos espaços afetivos entre as pessoas. 
Mas é no poema maior do livro – “José” – que ele adentra na dor psíquica dos homens perdidos nas “selvas de pedra”. 

existe porta;/ quer morrer no mar,/ mas o mar secou;/ quer ir para Minas,/ Minas não há mais,/ José, e agora? Se você gritasse,/ se você gemesse,/ se você tocasse/ a valsa vienense,/ se você dormisse,/ se você cansasse,/ se você morresse.../ Mas você não morre,/ você é duro, José!/ Sozinho no escuro/ qual bicho no mato,/ sem teogonia,/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha José!/ José, para onde?” 
A solidão do homem atual, a descrença nos vínculos afetivos, a dor de ver homens matando homens como nunca, apontam para o medo e a insegurança. Já não se consegue mais viver a “fantasia do porto seguro” no Século XXI! 
Calçadas áridas que não se pode mais andar; semáforos vermelhos que anunciam sequestros e assaltos; trânsito assassino com reações bestiais; falcatruas, roubos das quadrilhas de gangues do morro e dos poderes instituídos; polícia ausente facilitando crimes. E agora José? Fica a esperança de que “você não morre, você é duro, José.” 
O Poema “José” de Drummond, curiosamente está escolhido pelo próprio autor, em sua Antologia Poética no subtítulo “UM EU TODO RETORCIDO”, Editora Record, 61ª Edição.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

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