domingo, 12 de janeiro de 2014

Crítica no regime democrático - SACHA CALMON


CORREIO BRAZILIENSE - 12/01

Não se pode ou se deve falar de um governo por paixão partidária, mas por amor à pátria, segundo Cícero, o tribuno romano, aquele mesmo das famosas orações contra Catilina, conhecidas até hoje como "catilinárias", que sempre começavam com o indefectível "Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?". Devem-se apontar os erros com boa-fé, no melhor dos intuitos. O bem geral a todos sobreleva. Na República, o povo vale mais que o governo.

Sabem os leitores que temos um "fundo soberano"? Foi formado com a intenção de canalizar os "fantásticos" lucros do pré-sal e das empresas estatais. Na prática, o governo Lula-Dilma formou-o aumentando a dívida pública. Emitiu R$ 14 bilhões em títulos do Tesouro Nacional. Sua finalidade era "a promoção de investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formação de poupança pública, mitigação dos efeitos das políticas anticíclicas e fomento de projetos estratégicos".

Em 2012, o governo sacou R$ 10,5 bilhões do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (Ffie) para gastar, como se fosse uma conta-corrente, tornando-o ridiculamente menor que o de Botsuana (maior produtor mundial de diamantes). Ora, os fundos soberanos miram lucros para as gerações futuras, além de conter o excesso de meio circulante (para evitar, v.g., o "mal da Venezuela", que tem muito petróleo e não produz nada, afora seus ditadores ridículos, fantasiados de democratas).

Nosso fundo soberano exaurido é mais uma mancada da "gestora", segundo Jairo Saddi, pós-doutorado em Oxford, em quem nos baseamos. A China, por meio da China Investment Corporation (com ativos de U$ 575 bilhões), investe em companhias prospectoras de matérias-primas na África, pela boa razão de ser país pobre em alguns recursos naturais e tem sentido estratégico garantir o acesso a tais produtos. Outros, como o Abu Dhabi Investment Authority, com U$ 627 bilhões de ativos, pretendem investir em infraestrutura onde há demanda e retornos elevados (por exemplo, o Porto Sudeste, que pertencia à MMX aqui no Brasil).

Por essa razão, o FMI publicou relativamente a tais fundos certos princípios de acumulação, saques e investimento, tentando estimular transparência, independência do Executivo, governança e regras de conduta. A Noruega, que produz petróleo e que, diferentemente da Venezuela, usa seus recursos de maneira mais inteligente (e menos política), tem o maior fundo do planeta, com U$ 784 bilhões e suas contribuições não vêm dos futuros pensionistas, mas de impostos sobre lucros da indústria petroleira, além de concessões para exploração e refino de petróleo.

Tem política de investimento definida e pública: pode investir até 5% em imóveis, 60% no mercado internacional de ações e o restante em títulos públicos do governo. O fundo adota políticas que proíbem investimentos em companhias causadoras, direta ou indiretamente, de morte, tortura, privação da liberdade e outras violações de Direitos Humanos.

O Brasil é um truísmo, tornou-se o país da piada pronta, da contabilidade burra autodenominada "criativa". Estamos enganando a quem? Aos analistas é que não é. "É mais fácil pegar um mentiroso que um coxo." Agora mesmo contabilizamos como exportação a entrega às subsidiárias da Petrobras no exterior plataformas que jamais sairão do território nacional. Foram feitas aqui para favorecer "o conteúdo nacional" mas de nacional só tinham as chapas de aço e os soldadores. A tecnologia embarcada foi importada de países avançados.

Ficaram mais caras. E demoraram muito mais tempo para serem feitas do que na Coreia ou Singapura. Nacionalismo irracional e política equivocada. O povo precisa saber, opinar, votar certo a bem da República. Por que não o faz? Urge libertar rádios e estações de televisão da tutela governamental, acabar com as concessões do governo mandão e controlador do tempo de Getúlio Vargas. Essas concessões não são democráticas nem tampouco republicanas. Não por acaso, as tentativas do PT de controlar a mídia olham com força os jornais escritos - esses não carecem de autorização do poder estabelecido.

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