ZERO HORA - 12/01
Eu estava no banheiro do shopping quando escutei duas amigas conversando sobre o filme que haviam acabado de assistir. Uma disse: Li no jornal que era uma comédia e vim disposta a gargalhar muito. A outra: Também fui surpreendida, esperava outra coisa, não esse soco no estômago. Estava na cara que elas haviam assistido ao mesmo filme que eu, o impiedoso Álbum de Família, que no roteiro de cinema de Zero Hora está anunciado realmente como comédia, ainda que sejam 120 minutos de descontroles, rancores, humilhação, traição, sarcasmo, agressão física e maquiavelices.
É um filmaço, como quase sempre é quando o cinema presta reverência ao teatro: foi adaptado pelo dramaturgo Tracy Letts, autor da peça homônima, e o diretor John Wells manteve na tela a dramaticidade dos palcos. Em teatro, o exagero é natural, o tom costuma ser ligeiramente mais alto que o naturalismo de uma novela de tevê. Teatro é uma espécie de laboratório da vida e congrega todos os elementos que a ela pertencem.
Álbum de Família mostra o reencontro de três filhas com sua mãe, depois que essa fica viúva, e mais os agregados e parentes próximos que vieram para o funeral. Em poucos dias de convívio numa mansão decadente em Oklahoma, diversos traumas e mágoas eclodem: cada um dos visitantes possui várias dores entaladas na garganta, a ponto de, a certa altura, o espectador começar a achar graça daquele desfile inesgotável de fraturas emocionais.
Família é sempre um prato cheio – e agridoce. Amor e ódio, atração e rejeição, acolhimento e desprezo, idealizações e desilusões, carinho e perversidade: um cardápio sortido de emoções contraditórias distribuídas sobre a mesa. Em volta dela, nós, famintos por compreensão e tendo que ser diplomáticos e civilizados até que uma provocação nos faça perder as estribeiras.
A questão é que entre família não há divórcio. Não existe ex-pai, ex-mãe, ex-filho, mesmo que se suma do mapa, mesmo que peguemos a estrada para o mais longe possível. DNA é praga. Não tem rota de fuga. Nasceu, está danado. Então, melhor condescender do que se estressar.
Há famílias mais serenas do que outras, mais afetuosas do que cínicas, mais cinematográficas do que teatrais. Ainda assim, sempre haverá um papel para cada um de seus membros: o de vilão, o de vítima, o de playboy, o de trabalhador, o de folgado, o de frágil, o de problemático, todos apegados aos motivos que os levaram a ser como são.
E eles se acusarão a vida inteira, e se defenderão, e nunca haverá um consenso, e de nada adiantará tanto berro: de dramáticos passarão a patéticos, inevitavelmente. A classificação que o jornal deu ao filme não está tão errada como parece. Tragédia e comédia cedo ou tarde dão-se as mãos, elas que também são da mesma família.
Eu estava no banheiro do shopping quando escutei duas amigas conversando sobre o filme que haviam acabado de assistir. Uma disse: Li no jornal que era uma comédia e vim disposta a gargalhar muito. A outra: Também fui surpreendida, esperava outra coisa, não esse soco no estômago. Estava na cara que elas haviam assistido ao mesmo filme que eu, o impiedoso Álbum de Família, que no roteiro de cinema de Zero Hora está anunciado realmente como comédia, ainda que sejam 120 minutos de descontroles, rancores, humilhação, traição, sarcasmo, agressão física e maquiavelices.
É um filmaço, como quase sempre é quando o cinema presta reverência ao teatro: foi adaptado pelo dramaturgo Tracy Letts, autor da peça homônima, e o diretor John Wells manteve na tela a dramaticidade dos palcos. Em teatro, o exagero é natural, o tom costuma ser ligeiramente mais alto que o naturalismo de uma novela de tevê. Teatro é uma espécie de laboratório da vida e congrega todos os elementos que a ela pertencem.
Álbum de Família mostra o reencontro de três filhas com sua mãe, depois que essa fica viúva, e mais os agregados e parentes próximos que vieram para o funeral. Em poucos dias de convívio numa mansão decadente em Oklahoma, diversos traumas e mágoas eclodem: cada um dos visitantes possui várias dores entaladas na garganta, a ponto de, a certa altura, o espectador começar a achar graça daquele desfile inesgotável de fraturas emocionais.
Família é sempre um prato cheio – e agridoce. Amor e ódio, atração e rejeição, acolhimento e desprezo, idealizações e desilusões, carinho e perversidade: um cardápio sortido de emoções contraditórias distribuídas sobre a mesa. Em volta dela, nós, famintos por compreensão e tendo que ser diplomáticos e civilizados até que uma provocação nos faça perder as estribeiras.
A questão é que entre família não há divórcio. Não existe ex-pai, ex-mãe, ex-filho, mesmo que se suma do mapa, mesmo que peguemos a estrada para o mais longe possível. DNA é praga. Não tem rota de fuga. Nasceu, está danado. Então, melhor condescender do que se estressar.
Há famílias mais serenas do que outras, mais afetuosas do que cínicas, mais cinematográficas do que teatrais. Ainda assim, sempre haverá um papel para cada um de seus membros: o de vilão, o de vítima, o de playboy, o de trabalhador, o de folgado, o de frágil, o de problemático, todos apegados aos motivos que os levaram a ser como são.
E eles se acusarão a vida inteira, e se defenderão, e nunca haverá um consenso, e de nada adiantará tanto berro: de dramáticos passarão a patéticos, inevitavelmente. A classificação que o jornal deu ao filme não está tão errada como parece. Tragédia e comédia cedo ou tarde dão-se as mãos, elas que também são da mesma família.
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