Antes mesmo que a dosimetria do Mensalão estivesse concluída, novo escândalo veio à tona, envolvendo, mais uma vez, a administração do PT. “Apenas tráfico de influência”, dirão alguns – como antes diziam que o Mensalão era “apenas caixa dois”.
A operação Porto Seguro, da Polícia Federal, teve como atrativo especial uma amiga e auxiliar de Lula, Rosemary Nóvoa de Noronha, que já fora também, por 12 anos, secretária de José Dirceu. Um belo currículo.
Instalada na chefia de gabinete da Presidência da República em São Paulo, desde o primeiro governo petista, servia-se da função – e da amizade com Lula e José Dirceu - para preencher cargos estratégicos no Estado brasileiro, em troca de favores pessoais, num varejão comovente.
Patrocinou nada menos que o comando de duas agências reguladoras, a Agência Nacional das Águas (ANA) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), além do número dois na Advocacia Geral da União (AGU), José Weber de Holanda Alves.
Em comum, os três são acusados de delinquir na função – e, segundo a Polícia Federal, não são exatamente neófitos; já eram tidos como suspeitos antes da nomeação, que na sequência apenas confirmou os piores prognósticos.
Os detalhes já foram fartamente noticiados ao longo da semana e seria ocioso repeti-los. O que o episódio evoca é uma velha prática da administração petista: o aparelhamento do Estado.
Pior: um aparelhamento sem qualquer preocupação com a especialização técnica. Paulo Rodrigues Vieira, diretor de Hidrologia da ANA, foi apresentado ao tema ao assumir o cargo. Seu irmão, Rubens Vieira, conhecia a aviação civil como passageiro.
Essa visão partidária e privada do Estado está presente nos diversos delitos detectados ao longo dos três governos petistas. O Mensalão tornou-se, quanto a isso, emblemático. Roubou-se para o partido e seus aliados, sem prejuízo de que os intermediários ficassem com o troco. E que troco!
Na sucessão de demissões ministeriais promovidas pela presidente Dilma no primeiro semestre de seu governo, deu-se o mesmo: dinheiro público, de órgãos como o Dnit, desviado para os cofres de campanhas eleitorais e para os bolsos dos operadores.
A propósito, nenhuma daquelas denúncias foi em frente. Demitidos os ministros e alguns funcionários graduados, não mais se falou das falcatruas – nem há expectativas de que se venha a falar. O escândalo da vez revoga os anteriores.
O aparelhamento do Estado é uma perversão que, na prática, o privatiza. Ao mesmo tempo em que condena as privatizações de estatais, considerando-as um delito moral, o PT cuida de privatizar não as empresas, mas o próprio Estado.
É isso que propicia que pessoas como Rosemary se sintam à vontade para trocar uma nomeação por uma cirurgia plástica ou por um cruzeiro marítimo; que cobre de seus apadrinhados a nomeação da própria filha. Não importa o cargo: pode ser tanto na Petrobras como na Funai ou quem sabe no INSS.
Afinal, ninguém vai cuidar de banalidades técnicas. O objetivo é sangrar o Erário, obter uma cadeira numa cabine de comando para adquirir condições de traficar influência.
Erenice Guerra, que era a faz-tudo de Dilma na Casa Civil, acabou por sucedê-la no cargo, agregando os filhos para auxiliá-la nessa função derivada, típica de um Estado aparelhado.
A propósito, por onde ela anda? Ninguém sabe, ninguém viu. É o Estado-Conceição (a do samba imortalizado por Cauby Peixoto).
Alguns dirão que tráfico de influência e demais modalidades de corrupção não foram inventados pelo PT. De fato, não há pecado moderno. Todos são bem antigos, como afirma o Eclesiastes.
O que distingue o PT dos que o precederam é o fato de que tornou tais práticas não uma exceção, mas a regra, o padrão administrativo. Não há um só setor da máquina do Estado que não esteja contaminado pela ação partidária.
As agências reguladoras, criadas como uma instância do Estado – e não do governo -, tornaram-se moeda de troca partidária, num crime de lesa-contribuinte. Não convém a um Estado partidarizado nenhuma instância fora de seu controle.
O grande desafio que se impõe hoje ao Brasil não é a privatização de estatais, mas a estatização do Estado.
Ruy Fabiano é jornalista
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