Este texto é uma adaptação de reportagem de Otávio Cabral e Laura Diniz publicada na edição impressa de VEJA
Mensalão
GOD E SEUS DISCÍPULOS
Autor da tese do caixa dois para justificar o mensalão, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos agora é o comandante dos advogados dos principais réus do escândalo
Os banhos do advogado Márcio Thomaz Bastos foram mais demorados nos dias que antecederam o início do julgamento do mensalão, no dia 2 passado. Foi embaixo do chuveiro que ele ensaiou a defesa de seu cliente no processo do mensalão ora em julgamento pelo Supremo Tribunal — o ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, um dos 38 réus.
Mas a participação de Thomaz Bastos no julgamento do mensalão vai muito além dele.
De longe o mais ilustre dos advogados que atuam no caso, o ex-ministro da Justiça do governo Lula é “padrinho” de cinco dos onze ministros que estão julgando o processo, uma vez que avalizou suas indicações nos anos em que esteve à frente da pasta. Além disso, designou ao menos dez advogados, todos seus discípulos, para trabalhar para os mensaleiros.
Autor da tese do caixa dois
Por fim, foi também ele o autor da estratégia de defesa urdida quando do estouro do escândalo, em 2005, e que pretendeu reduzir o crime a um simples caso de caixa dois. A estratégia, crucial para que Lula não fosse implicado no escândalo e corresse o risco de impeachment, vem sendo sustentada até hoje.
O julgamento colocará essa tese à prova. Chamado de God (Deus, em inglês) pelos colegas, Thomaz Bastos vem atuando dentro e fora do tribunal, articulando as estratégias dos colegas, avaliando a disposição dos ministros e informando as tendências de condenação ou absolvição a Lula e à presidente Dilma Rousseff.
Thomaz Bastos é a estrela mais reluzente do julgamento, mas não a única. Há outro ex-ministro da Justiça (José Carlos Dias), um ex-presidente da OAB-SP (Antonio Cláudio Mariz de Oliveira), o principal advogado de Brasília (Antonio Carlos de Almeida Castro) e uma estrela da nova geração (José Luis de Oliveira Lima).
Todos têm ligação profissional e pessoal com Thomaz Bastos. Especula-se que, juntos, os decanos receberão mais de 20 milhões de reais em honorários. A maioria dos advogados são assessorados por assitentes, de forma que há um batalhão de 150 profissionais defendendo os réus. Estima-se que o total de honorários chegue a 61 milhões de reais.
As duas linhas conjuntas de ação dos advogados
Em junho, os principais advogados se reuniram pelo menos três vezes para combinar os principais movimentos da defesa. Há duas linhas conjuntas de ação.
A primeira, como se tem notado, é postergar o julgamento ao máximo, a fim de evitar o voto do ministro Cezar Peluso, que se aposenta em 3 de setembro — dentro de 10 dias úteis, contando o dia de hoje.
Sem ele, os advogados afirmam que precisarão de apenas cinco votos para absolver seus clientes, um a menos do que se o quórum de 11 ministros estiver completo. Além disso, suspeitam que a saída de Peluso poderia ser um voto a menos pela condenação da maioria dos réus, pela qual o ministro se inclinaria.
O segundo movimento da linha de defesa é o de restringi-la o mais possível a questões técnicas, sem entrar em polêmicas políticas. “Não há prova de autoria nem de materialidade. Ninguém pode ser condenado pelo que é, mas pelo que fez”, afirma o ex-ministro.
Logo no início do julgamento, como se recorda, Thomaz Bastos fez sua primeira intervenção. Apresentou uma questão de ordem pedindo o desmembramento do processo. Para ele, apenas os réus com mandato (no caso, de deputado federal) deveriam ser julgados pelo STF – os demais casos deveriam ser remetidos para a primeira instância.
Como ele mesmo já desconfiava, o pedido foi negado, não sem alguma polêmica. Mas foi sua primeira jogada no sentido de retardar o julgamento – outras podem e devem ocorrer ao longo das sessões, como a tentativa de impedir que Peluso antecipe seu voto.
Toga nova por 500 euros — mas usa a “toga da sorte”
No ano passado, em viagem a Paris, Thomaz Bastos comprou uma toga nova, por 500 euros. Mas decidiu deixá-la no armário e usar sua “toga da sorte”, de mais de trinta anos. A veste negra — que os criminalistas usam no Tribuna do Júri e que os advogados devem usar quando atuam na tribuna solene do Supremo Tribunal – acompanhou-o, por exemplo, no julgamento do cantor Lindomar Castilho, em 1984.
Castilho matou a mulher, Eliane de Grammont, com um tiro. Thomaz Bastos, assistente da acusação, conseguiu fazer com que ele fosse condenado a doze anos de prisão.
Livro de memórias e um diário secreto
Quando o julgamento acabar, o advogado fará um road show por editoras para definir qual lançará suas memórias, que vêm sendo escritas com a ajuda de um jornalista e três pesquisadores. O livro será dividido em quatro temas: uma autobiografia, a sua passagem pelo Ministério da Justiça, a presidência da OAB e a retomada da advocacia. Nesse último capítulo, ele contará a história oficial do mensalão.
Já a história real, aquela vivida dentro do governo, poucos dos que a acompanharam poderão ler. Nos quatro anos de Ministério, o advogado manteve um diário, que atualizava religiosamente antes de dormir. Os cinco volumes que resultaram desse trabalho estão no cofre de um banco. E serão divulgados apenas cinquenta anos após a sua morte.
AS LIGAÇÕES DE OUTROS DOS ADVOGADOS COM THOMAZ BASTOS
Arnaldo Malheiros
Advogado de Delúbio Soares. Fundou com Thomaz Bastos o Instituto de Defesa do Direito de Defesa e advogou com ele para a Camargo Corrêa na Operação Castelo de Areia
Luiz Fernando Pacheco
Defensor do ex-presidente do PT José Genoino. Iniciou a carreira como estagiário de Thomaz Bastos e chegou a ser sócio de seu escritório
Alberto Toron
Advogado do deputado João Paulo Cunha. Começou a carreira como estagiário de Thomaz Bastos. É o seu candidato à presidência da OAB-SP
Pierpaolo Bottini
Responsável pela defesa do ex-deputado Professor Luizinho. Foi secretário de Reforma do Judiciário na gestão de Thomaz Bastos no Ministério da Justiça
José Luís de Oliveira Lima
Advogado do ex-ministro José Dirceu. É parceiro de Thomaz Bastos na defesa do médico Roger Abdelmassih, acusado de abuso sexual de pacientes
Antônio Carlos de Almeida Castro
Defensor do publicitário Duda Mendonça. Foi representante do escritório de Thomaz Bastos em Brasília
Marcelo Leonardo
Advogado do publicitário Marcos Valério. Atuou como conselheiro da OAB nacional quando Thomaz Bastos presidia a entidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário