segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Justiça e Direito, por Elton Simões



As migalhas deixadas na toalha, os pratos sujos sobre a mesa e a aproximação do garçom denunciavam a chegada lenta, mas inevitável, do fim do almoço. Pena. Almoçar em boa companhia é um dos grandes prazeres cotidianos que a vida pode reservar.
Meu companheiro de almoço, alheio ao tempo, discorria sobre as frustrações, desafios e lições derivadas de sua carreira como juiz de direito. Perguntei-lhe qual a maior falha do sistema judiciário. “A distancia entre o direito e a justiça”, respondeu ele, mal deixando que a pergunta fosse concluída.
De fato, toda instituição humana está condenada à imperfeição. É fatal que as decisões guardem sempre alguma distância da justiça. Justiça é conceito fluido, subjetivo e, por definição, impreciso. Justiça talvez seja impossível de ser alcançada, mas sempre deve ser perseguida. É a utopia da busca pela justiça que dá legitimidade ao sistema legal.
No judiciário, dependendo de como é utilizado, o processo pode, dependendo das circunstâncias, ser a ferramenta que pode garantir ou eliminar a justiça. É o processo que garante os direitos das partes e controla os passos para o resultado. Quando utilizado para evitar erros, o processo é positivo. Por outro lado, o mesmo processo pode servir para fins menos nobres. Pode servir para procrastinar a decisão, evitar a verdade, obscurecer a realidade.
O desafio do juiz parece ser o de fazer com que o processo sirva como caminho para a decisão mais próxima possível da justiça. Sem a administração equilibrada do juiz, o processo pode rapidamente se converter em areia movediça na qual atola qualquer aspiração à justiça.
Quando, em uma disputa, a discussão se afasta do mérito e se concentra no processo, na melhor das hipóteses, evitam-se injustiças. Na pior, criam-se condições para que a justiça não seja feita.
Hermetismo parece ser o primeiro sintoma da injustiça. Se a discussão gira em torno de elementos processuais de impossível compreensão pelo público, a probabilidade de injustiça aumenta. Mesmos nos processos judiciais, a transparência é a maior garantia de equilíbrio.
Quando os fatos estão desfavoráveis, pode-se sempre argumentar sobre a lei. Quando a lei é desfavorável, argumenta-se sobre os fatos. Quando a lei e os fatos são desfavoráveis, foca-se no processo. Cabe ao juiz garantir que o processo não deixe de ser a luz que ilumina o caminho para se transformar na camisa de força que impede a justiça.
Ao juiz cabe a missão impossível, mas sempre gratificante, de aproximar o direito da justiça.

Elton Simões mora no Canadá há 2 anos. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). Emailesimoes@uvic.ca. Escreve aqui às segundas-feiras.

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