quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Despenhadeiro fiscal, por Miriam Leitão


ECONOMIA


Miriam Leitão, O Globo
A economia americana está se aproximando de um aperto fiscal que pode ter efeito de abortar o pouco crescimento. O ajuste é necessário, porque a dívida é grande, mas a dose será excessiva. Reduções de impostos dos governos Bush e Obama chegarão ao fim e, ao mesmo tempo, entrará em vigor um corte automático de gastos. Podem ser tirados 3,3% do PIB de recursos da economia.
A comissão bipartidária criada no ano passado para discutir os cortes no orçamento americano ainda não chegou a um consenso. Se nada for decidido, será disparado um gatilho automático de corte de gastos — acertado no ano passado.
O impasse no Congresso piora neste período eleitoral. Depois da eleição, haverá um Congresso lame duck, ou seja, parte dos representantes estará em fim de mandato. Pelas normas acertadas, sem acordo no Legislativo seriam disparados os cortes automáticos a partir de janeiro de 2013.
Coincidentemente, o pacote de bondades fiscais do ex-presidente Bush aos ricos está chegando ao fim; e o pacote de bondades tributárias de Obama também tem dias contados. A renovação exige o voto do Congresso, que está nessa situação.
Entre os programas que vencem estão a prorrogação do auxílio desemprego, a devolução de impostos sobre a folha de pagamento, os abatimentos sobre dividendos e ganhos de capital.
Se os cortes e o aumento de impostos ocorrerem simultaneamente será uma retirada de muito dinheiro da economia ao mesmo tempo. A expressão despenhadeiro fiscal (fiscal cliff) foi cunhada pelo presidente do Fed, o Banco Central americano, Ben Bernanke.
Se ocorrer, o governo americano, que tem sido o principal incentivador da recuperação, puxará o freio de mão com a economia começando a subir a ladeira. Os cálculos apontam que cerca de US$ 500 bi, ou 3,3% do PIB, deixarão de ser gastos em 2013. Esse dinheiro deixará de circular pela economia. Em 10 anos, o cálculo é de que isso suba para US$ 7 trilhões.
O acordo que levou à criação da comissão bipartidária foi feito para evitar o impensável: um calote dos EUA. Se o teto de endividamento não fosse elevado, a administração Obama não poderia honrar contratos em dia. A ameaça fez com que os Estados Unidos pela primeira vez perdessem a nota máxima de classificação de risco pela S&P, em agosto de 2011.
A semana do rebaixamento foi uma das mais tumultuadas da bolsa desde o início da crise, em 2008. Sem conseguir aprovar a proposta de ajuste de longo prazo, Obama negociou a existência dessa comissão para garantir ao menos os gastos do governo de médio prazo, até o final deste ano. Mas, se o impasse continuasse, os cortes seriam automáticos. E é o que está próximo de acontecer.
A dívida bruta do governo passou de 100% do PIB em 2011 e este ano deve chegar a 106%. O déficit projetado pelo FMI é de 8%. Os americanos precisam cortar gastos, mas o que se discute é a intensidade dos cortes. O FMI está recomendando cautela, para que não seja maior que 1% do PIB ao ano.
As eleições americanas só acontecem no dia 6 de novembro. Até lá, nada se resolve. Sobrarão sete semanas de um Congresso fraco. Os cortes serão feitos em vários orçamentos, de despesas militares a programas de assistência à saúde.
A cláusula deveria ser um estímulo à negociação. Mas não houve acordo e a tesoura vai cortar ao mesmo tempo em que os impostos vão subir.
O despenhadeiro fiscal americano virou a nova ameaça, e, diante do impasse, deve se aprofundar a divisão dentro do Fed sobre uma nova rodada de estímulos. O ritmo da economia mundial depende de como os EUA vão lidar com esse novo desafio.

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