Quando começar o julgamento dos acusados do escândalo político chamado “mensalão”, o Brasil estará dando um decisivo passo. Houve muito acerto de órgãos e instituições para que o dia chegasse. O país está dizendo que, mesmo em um governo que terminou popular e elegeu o sucessor, certas práticas não são admitidas. O recado independe do resultado final; uma decisão dos juízes.
O presidente Lula era popular em 2005 quando, através de pessoa ligada à sua base política, se soube que uma complexa engenharia financeira criava dutos pelos quais escorria dinheiro para o bolso de políticos ligados ao governo. O presidente foi reeleito em 2006 e fez sua sucessora em 2010. Ainda assim, o processo continuou. O Congresso fez a Comissão Parlamentar de Inquérito, a Polícia Federal abriu investigação, o Ministério Público ofereceu denúncia definindo o grupo como organização criminosa, o relator no Supremo apresentou um voto denso e pediu o julgamento. Foi seguido pela Corte. A ampla defesa foi e continuará sendo garantida. Sete anos depois, o assunto não foi esquecido.
Os petistas e seus aliados que estarão no banco dos réus — mesmo que fisicamente não compareçam — estarão recebendo a etapa final de um castigo político. O país separou a prática de corrupção do voto no partido. O recado é este: aceita que o PT continue governando, mas isso não avaliza todas as práticas.
O apoio ao governo aumentou no segundo mandato, e o ex-presidente Lula permanece sendo uma liderança com expressiva popularidade. Tem sonhos eleitorais para 2014. Ainda assim, todas as suas tentativas de descaracterizar a denúncia foram ignoradas. Ele tentou tudo. Inicialmente, a banalização do crime com a sua frase: “O PT fez o que é feito sistematicamente neste país”. Quando o Brasil insone acompanhava até altas horas a CPI, Lula tentou se distanciar dos seus companheiros e disse que havia sido traído. Depois, ele e o partido tentaram manipular a opinião pública, através da acusação de que era tentativa de golpe.
Truques jurídicos, manobras protelatórias, sofismas de palanque e até nomeação de aliados, instalados em órgãos com o objetivo de criar interpretações favoráveis aos réus. Tudo foi tentado e não funcionou. Os réus serão julgados.
O momento é espantosamente significativo para o país. A maioria dos ministros do STF foi nomeada pelo governo para o qual os réus trabalhavam e onde os fatos ocorreram. Se as instituições do país não fossem tão fortes, o Supremo teria se curvado à vontade dos governantes.
Minha convicção é que o Brasil tem um projeto, ao contrário do que diz a lenda. Nas últimas décadas, ele cumpriu etapas de uma agenda de modernização, que foi mantida, apesar de mudanças de grupos no poder e percalços políticos: restaurou a democracia, estabilizou a economia, reduziu a pobreza. Cada etapa desse caminho escolhido custou esforço, exigiu coerência e pediu paciência do povo brasileiro.
A luta, agora, é contra a corrupção, para aperfeiçoar a democracia brasileira e dizer que sistema político queremos. Os erros não foram cometidos por apenas um grupo político. O que está sendo julgada é uma prática política, e não o partido. O que nos trouxe até aqui foi a persistente convicção de que é preciso aumentar a transparência e controle das instituições que nos representam.
Durante todo o caminho, a imprensa fez seu trabalho com objetividade. Registrou os fatos com liberdade, revelou práticas condenáveis em outros grupos políticos, manteve a cobertura do tema em evidência, permitiu o amplo debate.
Os ministros do Supremo Tribunal decidirão de forma soberana, de acordo com os autos e suas convicções. Suas decisões serão acatadas. Suas sentenças terão profundas consequências na construção do projeto do Brasil. Que tenham independência, lucidez e noção da grandeza do momento histórico.
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