RIO - Sexta-feira, 13 de julho de 2012. Poucas horas após fazer o exame que confirmaria, dois dias depois, um tumor no pâncreas, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) estava longe daquele político que parecia ter nervos de aço. Abatido, mais magro, o delator do mensalão não dá mais as cartas, como costuma dizer. Há sete anos, foi o pivô da queda da cúpula do governo Lula e do PT. Hoje, apesar de negociar alianças e apoios para o partido, sofre a ojeriza de aliados que são candidatos às eleições deste ano.
— Eu era mais aguerrido, mais de luta política. Agora, é só expectativa. Antes, eu era o ator, uma espécie de Anderson Silva no tatame político. Agora, é no tapetão jurídico — analisa Jefferson, reconduzido este mês à presidência do PTB.
Entre uma caneca e outra de café preparado por sua segunda mulher, Ana Lúcia, Roberto Jefferson conversou com O GLOBO. A contragosto, diga-se de passagem. Só o fez porque foi surpreendido no portão de casa, em Comendador Levy Gasparian, cidade onde mora, a 160 quilômetros do Rio.
— Estou sereno. Entendo que está na hora de julgar o mensalão. O Brasil tem que virar a página. Tem sete anos que este processo se arrasta. A sociedade tem expectativa da decisão, e o momento é este — avalia Jefferson, operado ontem para a retirada do tumor no pâncreas. Segundo a assessoria do Hospital Samaritano, um resultado preliminar do material cirúrgico mostrou que não há sinais de malignidade.
Naquela noite, o ex-deputado ainda não sabia que o exame constataria o tumor. Com casaco de motoqueiro, ao lado de suas duas potentes Harley-Davidson, Jefferson tenta manter a serenidade, apesar do receio em relação ao que pode ocorrer no julgamento STF, cujo início está marcado para quinta-feira.
— Se você me perguntar se eu aprecio tudo isso, não aprecio, não. A tribunalização de questões políticas é a pior coisa que tem. Quando você é substituído pelo burocrata, pelo profissional burocrata do Direito, não é bom. Começa todo mundo a interpretar pela lei a conduta de cada um. É uma coisa que eu não aprecio — afirma o advogado, atualmente no banco dos réus.
Aposentadoria de R$ 30 mil mensais
A casa onde Jefferson vive com a mulher fica numa rua que abriga ainda outras cinco construções de classe média alta. Todas da família. Apesar do tamanho, diz que foi “coisa barata”. A rua virou um condomínio fechado, batizado com o nome da sogra do ex-deputado: Vila Marlene Aparecida. Um contraste com a vizinhança de moradores de baixa renda e ruas sem asfalto.
Quando não está em Levy Gasparian, Jefferson fica em Brasília, no Hotel Nacional. Com uma aposentadoria parlamentar de R$ 30 mil por mês, o ex-deputado pratica exercícios diariamente. E não abandonou as aulas de canto, outra de suas paixões. Agora, ele está com 83 quilos. Bem longe dos 170 quilos que chegou a pesar antes da cirurgia de redução de estômago, em 1999.
Os passeios de moto são o programa preferido. O roteiro é Itaipava (Petrópolis), Campos do Jordão (São Paulo) e Tiradentes (Minas Gerais). Mas, no carnaval, o presidente nacional do PTB foi a Buenos Aires com os amigos em sua clássica Road King, modelo 2009. Enfrentou três mil quilômetros de estrada. A liberdade em duas rodas, porém, está ameaçada. Se condenado, o ex-deputado pode, em tese, ser preso.
— Eu não penso nisso. Creio piamente que o Supremo fará justiça e vai me absolver — acredita Jefferson. — Não estou trabalhando com plano B. Só não posso ficar sem sossego, sem tranquilidade. Estou sereno, tranquilo e equilibrado. Não deixo de trabalhar — completa.
Com olhar fixo e distante, Jefferson pensa cada frase que diz de forma cuidadosa. Principalmente, quando trata dos desafetos, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Deputado cassado e outro réu do mensalão, Dirceu aparece no processo como “chefe da quadrilha”. Mas não recua quando provocado sobre a convocação de Dirceu à militância do partido e às entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), para irem às ruas defendê-lo.
— Isso é antidemocrático. Ele vai constranger o Supremo? Vai pôr a militância lá para quê? Vai invadir? A decisão é da Justiça. Esse negócio de envolver sociedade, entendo que é uma bobagem — critica o presidente nacional do PTB.
Jefferson não esquece o maior trauma: o escândalo dos Correios. É o dedo na ferida do ex-deputado. À época, uma fita de vídeo mostrou o então funcionário da estatal, Maurício Marinho, recebendo dinheiro de empresários. Marinho dizia ter o aval de Jefferson para cobrar propina. Acuado, o petebista se rebelou, denunciando o mensalão.
— Quer dizer que eu tenho de sair de joelhos? Entrei pela porta da frente, saí pela porta da frente. Não ia viver de joelhos. O PT é assim: quando estão ameaçando os interesses do partido, eles sempre têm uma fita, um dossiê — afirma.
Desde 2005, Jefferson sempre admite ter recebido R$ 4,5 milhões do PT para a campanha eleitoral do PTB, em 2004. Reconhece também ter feito caixa dois, o que, aliás, será uma de suas linhas de defesa. O crime, porém, já prescreveu.
— As acusações de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, eu rejeito. Não fiz. O que eu admiti, desde o início, foi crime eleitoral. O Ministério Público não denunciou à época porque não quis denunciar. Na época em que eu falei (denunciou o mensalão), não estava prescrito. Hoje, é um crime prescrito. Mas quando eu disse não era — lembra.
Jefferson não abandona as ambições eleitorais. Diz que o PTB, hoje com 420 prefeitos no país, tem a meta de eleger 600. Mas os aliados o querem longe das campanhas. A filha Cristiane Brasil (PTB) tentará se reeleger vereadora no Rio. Procurada pelo GLOBO, ela não quis dar entrevista. O pai nunca está por perto para pedir votos nas ruas. Nas vezes em que tentou, foi vaiado. O genro do petebista, o deputado estadual Marcus Vinícius, presidente regional do PTB, também prefere o silêncio.
— Não vale a pena colar minha imagem a ninguém. Para que eu vou levar para ela (Cristiane) o meu desgaste pessoal? Os meus amigos já vão votar nela. As pessoas que gostam de mim, sabem que ela é minha filha, vão votar nela. Para que eu vou pôr meu retrato ao lado dela? Para que ela sofra os ressentimentos daqueles que não gostam de mim? Não faço isso. Não é hora de fazer isso — desabafa o ex-deputado.
Antigo amigo diz que não conhece Jefferson
A ex-deputada federal Laura Carneiro (PTB), a quem Jefferson considera amiga, estranhou quando O GLOBO a procurou. Ela é candidata a vereadora na capital fluminense.
— Eu queria tentar entender no que eu posso ajudar você (repórter). Não sei da vida dele — disse Laura. — Não. Foto é demais. O que eu tenho com isso (mensalão)? — completou ela, sem permitir ser fotografada.
Amigo de Jefferson, o vice-prefeito de Paraíba do Sul, José Glicério Bento Bernardes, conhecido como Canela, afirma não conhecer o ex-deputado. Ele é candidato a vereador na cidade. O filho dele, Júlio Canelinha, concorrerá à prefeitura. Ambos são do PTB. Canela estava presente no depoimento de Jefferson na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, em 2005. O ex-deputado o chamou de irmão em seu discurso.
— Não o conheço. Apenas conheço pessoas que o conhecem — desconversou Canela.
Os irmãos Marcos e Marconi Medeiros, candidatos a vereador e prefeito em Nova Friburgo, respectivamente, são companheiros de Jefferson desde o tempo em que o ex-deputado era integrante do programa “Povo na TV”. Os dois foram apresentados a Jefferson pelo pai, Hélio Medeiros. Apesar de defenderem Jefferson, ambos se irritaram com a presença do GLOBO no município.
— Friburgo não tem nenhuma relação com o mensalão — afirmou Marcos Medeiros.
Candidato a prefeito em Nova Iguaçu pelo PTB, Walney Rocha é outro que evita falar sobre Jefferson:
— Prefiro não falar sobre isso. Na próxima vez, eu te ajudo.
Mas Jefferson parece conformado:
— Essa fase é pesada. Para evitar danos a qualquer pessoa da minha relação, eu não faço foto em público. Eu não sei como será o dia de amanhã. Para que eu vou criar este embaraço aos amigos?
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