quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A polêmica do exame da Ordem, por Murillo de Aragão


POLÍTICA


Estamos perto de acabar com uma das melhores práticas para se ter uma justiça melhor no país: o exame da Ordem dos Advogados. Existem 18 projetos de lei na Câmara que tratam do tema.
Como natural e legítimo, os que são contra o exame já organizaram uma entidade e estão na luta para acabar com ele. Eleitoralmente, faz sentido. Tem muito mais bacharel incapaz de passar no exame do que advogados. Gratidão eterna para quem assegurar a carteirinha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sem sacrifício, além de frequentar faculdades de qualidade duvidosa.
Como o Brasil é um país primário e a política é de péssimo nível, os “argumentos” para acabar com o exame são mais atraentes do que os daqueles que querem que ele seja mantido, em nome da qualidade dos advogados.
Na semana passada, deputados e representantes de entidades ligadas a acadêmicos e bacharéis em direito questionaram, em audiência pública na Comissão de Educação e Cultura, os critérios utilizados e a legitimidade da OAB para aplicar as provas que habilitam recém-formados a exercer a advocacia.
Defensor do fim do exame, o deputado Domingos Dutra (PT-MA), que solicitou a realização da reunião, juntamente com o deputado Biffi (PT-MS), destacou que não considera justo punir somente os estudantes pela falta de qualidade dos cursos de direito no país. “Não é justo as pessoas se submeterem a um teste como o vestibular, passar cinco anos na universidade e, no final, não se transformarem em advogados”, declarou. No limite, Dutra não quer punir o mau estudante, mas aqueles que vão utilizar os serviços de advogados despreparados!
O Supremo Tribunal Federal, por sinal, já se manifestou sobre a questão quando proferiu decisão sobre um recurso interposto por um bacharel, inconformado com a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que julgou legítima a aplicação do exame de Ordem pela OAB.
O “argumento” principal do bacharel era o de que o exame feria o direito fundamental ao trabalho e, portanto, seria uma afronta à dignidade humana. O recurso, no entanto, foi infrutífero, rejeitado unanimemente pelos ministros do STF.
Em longo voto, o relator do processo, o ministro Marco Aurélio de Mello, rebateu todos os argumentos contrários à exigência do exame de Ordem. Segundo Marco Aurélio, a prática de determinadas profissões ultrapassa os interesses dos indivíduos que as exercem.
Quando o risco da profissão envolve apenas o próprio profissional, as exigências para exercer aquela função podem ser menores. Mas quando seu exercício representa risco para pessoas, como no caso dos médicos e dos engenheiros, cabe ao Estado limitar o acesso a essa profissão impondo condições, desde que estas não sejam irrazoáveis ou inatingíveis.
“As condições e qualificações servem para proteger a sociedade”, disse Marco Aurélio. Segundo o ministro, é sob essa ótica que se deve enxergar a proteção constitucional à dignidade humana na discussão do exame de Ordem.
Os outros oito ministros presentes ao julgamento concordaram que o exame da Ordem vem ao encontro do que determina o inciso XIII do parágrafo 5º da Constituição: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” Para os ministros, o Estatuto da Advocacia atende exatamente ao comando constitucional.
O endurecimento do exame da OAB foi uma resposta adequada ao empobrecimento do ensino do direito no Brasil. Com a proliferação de faculdades, a qualidade caiu. Dezenas de bacharéis mal sabem escrever. Conheci uma pessoa – que se formou em direito em Brasília – que era incapaz de escrever uma carta. Imaginem uma petição... Tenta há anos passar no exame e não consegue.
Por outro lado, conheço vários acadêmicos de direito, aplicados nos estudos, que passaram no exame antes mesmo de se formar. Mostram que, estudando, é possível ultrapassar essa barreira – necessária, legítima e razoável.

Murillo de Aragão é cientista político 

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