quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Sobre crime organizado e Estado esculhambado


Responda rápido: o que veio primeiro, o crime organizado ou o Estado esculhambado? Tão paradoxal quanto outra velha dúvida –o ovo ou a galinha?— o dilema foi ressuscitado graças ao novo surto de violência que apavora São Paulo. O aumento da percepção de insegurança veio acompanhado de um bate-boca de duas autoridades graúdas.
De um lado, José Eduardo Cardozo, o ministro da Justiça do governo petista de Dilma Rousseff. Do outro, Antonio Ferreira Pinto, o secretário de Segurança da administração tucana de Geraldo Alckmin. Brasília ofereceu ajuda, disse Cardozo. São Paulo solicitou auxílio e não obteve, rebateu Ferreira Pinto. A oferta não foi feita uma, mas várias vezes, voltou à carga o ministro. Eles não entendem nada de facção criminosa, contraditou o secretário.
Ao final de uma semana em que a escalada verbal dos doutores foi levada às fronteiras do paroxismo, Dilma e Alckmin resolveram intervir. Num par de telefonemas, acertaram a constituição de um grupo de trabalho. Nos próximos dias, Cardozo e sua equipe se reunirão com Ferreira Pinto e sua turma. Farão por pressão algo que o óbvio recomendava que fizessem por opção: montarão –ou tentarão montar— um plano de ação conjunta.
Repete-se agora um flagelo que dera as caras em 2006. O inimigo é o mesmo: o temível PCC, Primeiro Comando da Capital. A troca de farpas entre São Paulo e Brasília também é semelhante. A diferença, por ora, está na quantidade de cadáveres e na dimensão do espetáculo.
Hoje, os mortos são contados em 111 –91 policiais e pelo menos 20 criminosos (isso sem incluir os números desta madrugada). Há seis anos, abespinhada com a transferência de sete centenas de detentos para o presídio de Presidente Venceslau, a bandidagem do PCC virara de ponta-cabeça a maior e mais rica cidade do país. Foram 100 horas de terror. Noves fora uma rebelião simultânea em 73 presídios paulistas, realizaram-se 293 atentados –de ataques a prédios públicos à queima de ônibus. Produziram-se 152 cadáveres, entre policiais, criminosos e cidadãos comuns.
Nessa época, Alckmin e Lula disputavam a Presidência da República. Contra um pano de fundo em que o sangue se misturava à partidarização, tucanos e petistas desperdiçaram tempo acusando-se mutuamente de responsabilidade pelo descalabro. O bom senso só foi recobrado depois que o PCC decretou um cessar-fogo e as urnas reelegeram Lula.
Estabeleceu-se, então uma parceria. Abriu-se uma investigação sigilosa para mapear as finanças do PCC. Conduziu-a um grupo integrado por representantes do Ministério da Justiça, da Secretaria de Segurança de São Paulo e do Ministério Público estadual.
Quebraram-se os sigilos de quase 400 contas bancárias abastecidas pelo PCC. Em cinco meses de trabalho, verificou-se que a maioria dessas contas tinha como titulares parentes dos bandidos, sobretudo mulheres. Farejou-se uma movimentação de R$ 27,6 milhões no período compreendido entre julho de 2005 e setembro de 2006.
Armara-se nessa ocasião uma estratégia para sufocar a facção criminosa por meio de uma asfixia financeira. Parecia fazer sentido. Porém, os desencontros dos últimos dias borrifaram no ar uma dúvida: o que diabo foi feito daquela união de esforços?
Nas pegadas da troca de telefonemas entre Dilma e Alckmin, informou-se que uma das ideias que vão à mesa nesta semana é a de varejar a contabilidade do PCC. Coisa a ser feita pela “inteligência” da PF e da PM, com o auxílio da Receita Federal e do Coaf. Ora, mas isso já não estava encaminhado? Que resultados produziram aquela investigação iniciada há seis anos?
A julgar pela nova erupção de violência e pela reiteração do diz-que-diz estéril, a única coisa que parece ter avançado é a pujança do PCC, que já abriu filiais do seu comércio de drogas em pelo menos 16 Estados.
Retorne-se, por incontornável, ao dilema do primeiro parágrafo: o que veio primeiro, o crime organizado ou o Estado esculhambado? A lógica demonstra: foi o Estado quem botou esse ovo. É no rastro da esculhambação estatal que o crime se organiza e cresce. Até quando?

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