sábado, 17 de novembro de 2012

REPORTAGEM ESPECIAL E IMPERDÍVEL: O mundo prende a respiração: a gigante China troca de comando



NOIVOS DE XANGAI -- Casal  posa para sessão de fotos antes do casamento, ocasião em que o álbum tem de estar pronto para ser exibido aos convidados (Foto: Adam Dean)
NOIVOS DE XANGAI -- Casal posa para sessão de fotos antes do casamento, ocasião em que o álbum tem de estar pronto para ser exibido aos convidados (Foto: Adam Dean)
Reportagem de Thaís Oyama, de Pequim, publicada em edição impressa de VEJA 
 O GRANDE TESTE DA CHINA
O país que mais influencia a prosperidade mundial faz a maior troca de comando da década. Os novos líderes assumirão em meio a um dilema: para manter a China crescendo será preciso arejar o regime, mas um movimento equivocado pode ser desastroso. O mundo aguarda com a respiração suspensa
Pequim tem mais de 3000 anos de história, mas para o visitante a efemeridade da vida é a primeira lembrança que ela evoca. Andar em um táxi na capital da China pode ser uma experiência aterradora.
Os motoristas guiam em zigue-zague, têm fixação pela buzina e horror ao cinto de segurança, que socam no vão do banco de modo que nem por mil gafanhotos o passageiro consegue arrancá-lo de lá.
Pequim tem 5 milhões de carros e o pior trânsito do mundo. Só se vê uma rua livre aqui quando a polícia abre caminho para a passagem de um guanyuan, termo usado para se referir a um dirigente do Partido Comunista da China (PCC).
Dia 8 de novembro, as avenidas que levam à Praça Tiananmen foram interditadas para que centenas de guanyuans se dirigissem ao Grande Salão do Povo. Lá, ao lado do enorme retrato de Mao Tsé-Tung, eles elegeram, ou melhor, referendaram o nome dos homens que liderarão a China pelos próximos anos. É a mais profunda troca de comando da última década no país que se tornou o GPS geopolítico mundial e o termômetro da economia global.
Tudo o que se passa na China interessa diretamente ao mais alienado dos mortais, no mais distante dos países. Quando, no fim dos anos 90, se dizia que o bater de asas de uma borboleta em Tóquio poderia causar um furacão no Texas, o fenômeno da interdependência das economias já era um fato consumado.
Mas nem o mais delirante visionário poderia imaginar a que ponto ele chegaria. A China levou ao paroxismo a ideia de globalização da economia.
É por isso que o mundo agora prende a respiração ante o anúncio da nova geração de líderes – sobre a qual tudo o que se pode dizer é que não incluirá um único fio de cabelo branco.
GLORIOSO É GASTAR -- Eles continuam brotando como cogumelos: de 2011 para 2012, o número de milionários na China subiu 6,3%. Eles gastam mais que o dobro da média dos seus equivalentes europeus e americanos (Foto: Adam Dean)
GLORIOSO É GASTAR -- Eles continuam brotando como cogumelos: de 2011 para 2012, o número de milionários na China subiu 6,3%. Eles gastam mais que o dobro da média dos seus equivalentes europeus e americanos (Foto: Adam Dean)
Transparência zero
A estrutura de comando no regime chinês continua cimentada no mais genuíno molde soviético – é centralizada, monolítica e inescrutável, e culmina no Comitê Permanente do Politburo, a mais alta instância decisória do PCC.
Do novo chefe do PCC e futuro presidente, Xi Jinping, pouco se sabe além do fato de que é engenheiro químico por formação, integrante da nobreza vermelha (o pai foi homem de confiança de Mao) e fã de programas de esporte na TV.
O regime chinês encara o conceito de transparência da mesma forma que os motoristas de Pequim veem o cinto de segurança – como um acessório apreciado pelos ocidentais, mas sem utilidade por lá.
O Brasil olha apreensivo para essa potência opaca como a Grande Muralha do momento em que acorda à hora em que vai dormir. “O que a China compra ou deixa de comprar é tão crucial que dizemos que ela é o nosso ministro da Economia”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil.
Se um meteoro caísse na China e ela sumisse do mapa amanhã, a balança comercial brasileira não apenas despencaria, mas mudaria de sinal. “Iria facilmente dos atuais 17 bilhões de dólares de superávit para pelo menos 15 bilhões negativos”, calcula Welber Barral, da consultoria Barral M Jorge.
TEMOS VAGAS -- Para atraírem a mão de obra cada vez mais escassa, fábricas de Shenzen pagam recrutadores que acenam com salários de 400 dólares e até "vale-bolo" para o operário aniversariante (Foto: Adam Dean)
TEMOS VAGAS -- Para atraírem a mão de obra cada vez mais escassa, fábricas de Shenzen pagam recrutadores que acenam com salários de 400 dólares e até "vale-bolo" para o operário aniversariante (Foto: Adam Dean)
5,7 bilhões de pessoas dependem do consumo dos chineses
Nessa conjectura apocalíptica, os Estados Unidos, cujo gigantesco déficit a China financia, ficariam insolventes. Pequenos, médios e grandes negócios fechariam as portas. A Europa também viria a nocaute, sem gordura para queimar e com países ancorados na exportação de maquinário.
O Japão, que tem 20% de suas exportações direcionadas para a China, entraria em colapso, o mesmo destino dos vizinhos asiáticos Bangladesh e Vietnã, hoje satélites chineses. Portanto, nem é bom pensar nessa catástrofe cósmica. Ela só serve para dar a real dimensão da dependência que os 5,7 bilhões de pessoas fora da China têm do apetite e da possibilidade de consumo do 1,3 bilhão de chineses.
No polo industrial de Shenzen, as praças estão lotadas de recrutadores pagos pelas fábricas para atrair trabalhadores. Nas tabuletas que exibem, as ofertas de salário chegam a 400 dólares mensais – o dobro da média de 2006. Algumas incluem promessas como dormitórios com ar-condicionado, festas de fim de ano e até “vale-bolo” para os aniversariantes – tudo para tentar fisgar a cada vez mais escassa mão de obra operária.
Acabou a fartura de braços
Por causa do envelhecimento da população, a previsão é que a oferta de trabalhadores com menos de 24 anos caia um terço nos próximos doze anos. “Agora são os operários que escolhem a empresa em que vão trabalhar, e não o contrário”, diz a recrutadora Zhou Li.
No tempo da fartura de braços, a China inundou o planeta com seus manufaturados. Com o dinheiro das exportações, fez com que portos, aeroportos e cordilheiras de arranha-céus brotassem do chão como bambu depois da chuva.
Para manter girando o motor do crescimento, construiu o que era preciso, o que era desnecessário e também o que mais tarde se revelou a mais pura extravagância, como um castelo de 12 000 metros quadrados que imita o Palácio de Versalhes, esplendorosamente instalado em meio a uma rodovia na cidade industrial de Tianjin.
O Chateau Dynasty foi erguido para comemorar o aniversário de uma vinícola estatal. Tem salões com paredes forradas de tapeçarias, lustres monumentais e um apenas tênue compromisso com a obra e a época que o inspiraram, como atestam a réplica em tamanho natural da pirâmide do Louvre em frente à sua fachada “barroca” e a escadaria de mármore do salão principal que o guia orgulhosamente informa ter sido baseada naquela em que Nicole Kid­man aparece no filme Moulin Rouge.
MIRAGEM? -- Castelo inspirado no Palácio de Versalhes erguido pelo governo em uma rodovia de Tianjin. Na frente, réplica da pirâmide do Louvre: criatividade para manter o motor do crescimento girando (Foto: Adam Dean)
MIRAGEM? -- Castelo inspirado no Palácio de Versalhes erguido pelo governo em uma rodovia de Tianjin. Na frente, réplica da pirâmide do Louvre: criatividade para manter o motor do crescimento girando (Foto: Adam Dean)
Castelos delirantes, cidades fantasmas, edifícios vazios
Alguns dos aposentos do Chateau Dynasty foram feitos para funcionar como restaurante e salão de jogos, mas, por enquanto, só o que se vê neles são funcionários entediados que, à vista de um raro visitante, cuidam de esconder o taco de bilhar atrás das costas.
Castelos delirantes, cidades fantasmas, edifícios vazios – estaria a China alimentando um colapso imobiliário de consequências catastróficas? E o que acontecerá com o mundo se ela frear esses investimentos de vez?
Uma pista para a última pergunta está no preço do minério de ferro. Cotado a 12 dólares a tonelada em 2000, ele passou a valer 136 dólares em 2011 – e a diferença se deve unicamente à entrada da China na cena mundial. É de imaginar o tombo que sua saída provocaria. No Brasil, o minério de ferro, a soja e o petróleo representam, juntos, 80% das exportações para lá.
Não importa quantas provas de resiliência a China já tenha dado, nunca faltam analistas com a avaliação de que a potência asiática se encontra em uma sinuca de bico. Eles mostram isso na ponta do lápis. Se o investimento em capital fixo na China está batendo em 50% do PIB e o crescimento sustentado da economia é diretamente ligado a esse indicador, então, para continuar nesse ritmo avassalador, o governo chinês vai ter de continuar poupando – o que é quase o mesmo que investir em capital fixo.
Desperdício ou planejamento?
Ocorre que boa parte desse investimento na China é desnecessário – aeroportos hiperdimensionados, prédios descomunais quase desabitados, estradas asfaltadas ligando o nada a lugar nenhum.
Em algum momento, dizem certos analistas, esses investimentos improdutivos vão mandar a conta, pois eles custaram dinheiro e não estão gerando nenhum.
Aí então começaria a quebradeira de bancos e empresas que terão perdido fortunas nessas obras.
Esse cenário pessimista, rebatem os otimistas, ignora o fato de que tudo o que parece hoje desperdício ou mentalidade faraônica na China nada mais é do que planejamento – a preparação para o futuro urbano de um país de passado e presente rurais.
“A urbanização é um elemento-chave para entender a China”, diz o analista e investidor americano Robert Kuhn.
Mais 300 milhões de chineses trocarão o campo pela cidade até 2030
Centenas de milhões de chineses já trocaram o campo pela cidade e mais 300 milhões devem fazer o mesmo até 2030. É um aumento quase igual à população dos Estados Unidos. “A ocupação urbana é gradual, mas as condições para que ela se dê têm de ser providenciadas com antecedência”, diz Kuhn.
“Construa e eles virão” é o mantra do governo chinês. E, depois de virem, “eles” consumirão, desejarão ter casas e precisarão de transporte. “Isso é o que vai assegurar a continuidade do crescimento da China, do qual o mundo inteiro espera participar”, diz Castro.
Crescer rapidamente é vital para a China. Sem isso, as frequentes mas fracas fagulhas de insatisfação (quase 500 manifestações de protesto por dia), ainda facilmente apagadas pelo regime, podem incendiar o tecido social banhado na gasolina da desigualdade, na censura sistemática, nos escândalos de corrupção, no desacreditado sistema legal e nos alimentos de má qualidade.
O LIXO E O LUXO -- Uma das sociedades mais desiguais do planeta, a China registra 500 manifestações de protesto por dia. Em Xangai, o salário mínimo equivale a 180 dólares por mês (Foto: Adam Dean)
O LIXO E O LUXO -- Uma das sociedades mais desiguais do planeta, a China registra 500 manifestações de protesto por dia. Em Xangai, o salário mínimo equivale a 180 dólares por mês (Foto: Adam Dean)
O resultado seria uma explosão de consequências sociais e políticas inimagináveis. Todo dia os jornais registram um novo escândalo relacionado a comida adulterada. Wu Heng, um jovem morador de Xangai, criou um blog sobre o tema depois de ler que produtores estavam misturando um aditivo à carne de porco para vendê-la como carne de boi. O blog teve 10.000 acessos em janeiro, e entre março e abril já registrava 5 milhões.
Uma das notícias que ele reproduziu e que tiveram maior repercussão veio do Diário de Guangzhou. Em maio, o ex-empregado de uma fábrica clandestina em Dongguan, na província de Guangdong, procurou um repórter do jornal para revelar que havia trabalhado para um comerciante cujo negócio consistia em colher o óleo que boiava nos canais de esgoto e tanques de assepsia da cidade para em seguida filtrá-lo e revendê-lo como óleo de cozinha.
Levada pelo denunciante à fábrica clandestina, a polícia encontrou lá setenta barris do produto prontos para ser distribuídos a restaurantes da vizinha cidade de Shenzen. Diz o historiador americano Jeffrey Wasserstrom: “Episódios como esse estão aprofundando o que já caracteriza uma crise de confiança da população em relação ao governo”.

Diz-se da China que ela é comunista por dentro e capitalista por fora.
Nada indica que isso vá mudar com os homens de ternos escuros, cabelos retintos e poucas palavras que ascenderão ao poder. Tampouco se espera que a marcha em direção à plena economia de mercado sofra uma aceleração abrupta. As regras no comando do PCC são feitas para evitar o surgimento de líderes impactantes, seja à esquerda, seja à direita.
COMUNISTA -- Por dentro e capitalista por fora: até quando a potência que será a primeira economia do mundo em 2017 conseguirá manter a dualidade? (Foto: Adam Dean)
COMUNISTA -- Por dentro e capitalista por fora: até quando a potência que será a primeira economia do mundo em 2017 conseguirá manter a dualidade? (Foto: Adam Dean)
O partido faz de tudo para que não apareçam revolucionários como Mao Tsé-tung, personalidades dominadoras como Deng Xiaoping ou enterradores de regime como o russo Mikhail Gorbachev. O poder é para ser compartilhado. Os líderes têm prazo de validade de dois mandatos. Aos 68 anos, aposentam-se.
As disputas entre as facções são de natureza pragmática e resolução discreta. Isso, claro, se a mulher de um dirigente não assassinar um empresário inglês e for denunciada pelo homem de confiança do marido, que é condenado à prisão por crime de desobediência ao Partido – a narrativa oficial para o caso do ex-secretário do PCC em Chongqing, o neomaoista Bo Xilai.
Com sua aversão ao risco e sua preocupação com a estabilidade, o governo Hu manteve o Partido coeso e os ventos da “primavera árabe” distantes de Pequim. Mas a escolha teve seu preço. “Num momento em que a China precisava desenvolver tecnologia e conhecimento, tornar sua economia mais eficiente e sua política mais transparente, o que se viu foi um governo com um déficit de inovação, amarrado por um pacto de mediocridade e uma obsessão pelo consenso”, afirma o historiador Willy Lam, professor da Universidade Chinesa de Hong Kong e autor do livro Chinese Politics in the Hu Jintao Era.
TÃÃÃO SÉCULO PASSADO... -- O governo de Hu Jitao (em primeiro plano) ficou marcado pela aversão ao risco e obsessão pelo consenso, ao qual nem as gravatas dos líderes escapam. Para manter a prosperidade da China, o governo de Xi Jiaping (à esq.) terá de modernizar o seu figurino (Foto: Adam Dean)
TÃÃÃO SÉCULO PASSADO... -- O governo de Hu Jitao (em primeiro plano) ficou marcado pela aversão ao risco e obsessão pelo consenso, ao qual nem as gravatas dos líderes escapam. Para manter a prosperidade da China, o governo de Xi Jiaping (à esq.) terá de modernizar o seu figurino (Foto: Adam Dean)
Para que a China continue crescendo, reconquiste a confiança interna e mostre ao mundo que não é um fóssil totalitário que se esqueceu de desaparecer, os novos dirigentes terão de arejar o regime. O mundo deseja-lhes boa sorte e assiste a tudo com um frio na espinha.

NACIONALISMO
Por que a China fala grosso

A China abriga mais de 500 manifestações de protesto por dia (Foto: Adam Dean)
A China abriga mais de 500 manifestações de protesto por dia (Foto: Adam Dean)
“Morte aos demônios japoneses” – a frase, impressa em adesivos, estava colada nas janelas dos ônibus estacionados em pontos centrais de Xangai no dia 29 do mês passado, quando se comemoraria o quadragésimo aniversário da normalização das relações diplomáticas entre Tóquio e Pequim.
Postados diante dos veículos, policiais uniformizados abordavam passantes, convidando-os a “protestar” diante do Consulado do Japão. O transporte era por conta da prefeitura. Como essa, centenas de manifestações anti-Japão estimuladas pelo governo eclodiram no país nos últimos meses, a pretexto da discussão sobre a posse das ilhas Senkaku/Diaoyu.
O nacionalismo há muito substituiu o comunismo como ideologia na China. Mas a atuação das autoridades nesse episódio tem um significado particular. O presidente Hu Jintao, prestes a ceder o lugar a Xi Jinping, luta para manter sua influência no governo e resguardar uma parcela de poder, para si e seu grupo, depois da aposentadoria.
A forma mais eficaz de fazer isso é permanecer mais alguns anos como chefe da Comissão Militar Central, órgão responsável pelas Forças Armadas, tal como fez seu antecessor, Jiang Zemin. Ao falar grosso com o Japão e não descartar a via bélica, Hu busca o apoio dos militares ao seu projeto de poder.
Xi segue na mesma toada. Quando declara, em tom de ameaça, que o Japão deve “controlar sua conduta”, pretende o mesmo que Hu: agradar às “águias” do generalato chinês, cujos seguidos aumentos salariais dão ideia de sua enorme influência sobre o regime.

CENSURA E SOFT POWER
 O blogueiro mais lido do mundo

Aos 27 anos, Ha Han deixou a escola e escreveu um livro - vendeu 2 milhões de cópias (Foto: Adam Dean)
Aos 27 anos, Han Han deixou a escola e escreveu um livro - vendeu 2 milhões de cópias (Foto: Adam Dean)
Poucas celebridades mereceram tanto a fama quanto Han Han, 30 anos. Aos 17, depois de abandonar o colégio, ele escreveu um romance bem-humorado desancando os professores e o sistema de educação da China. Vendeu 2 milhões de cópias. Já como escritor conhecido, começou a pilotar carros e logo se tornou campeão do Chinese Touring Car Championship (CTCC) – no torneio deste ano, é de novo o favorito.
Seu blog registra meio bilhão de visitantes, o que provavelmente faz dele o blogueiro mais lido do planeta. Nele, Han Han raramente escreve sobre carros. Prefere usar o texto irônico e afiado para falar mal do regime (comentando, por exemplo, a repressão a protestos de moradores que tiveram suas casas desapropriadas, ele sugeriu que o governo construísse para eles celas no lugar de casas: “Economizaria dinheiro e resolveria o problema das reclamações”).
Censura e corrupção são temas frequentes de seus posts – que os fãs cuidam de compartilhar antes que sejam “harmonizados”, o eufemismo chinês para “censurados”. Rico, influente e vitorioso – mais alguma coisa? Sim, Han Han é sexy e tem uma banda de rock. Tantos predicados explicam por que, durante uma semifinal do torneio de CTCC em Guangzhou no mês passado, dezenas de adolescentes derretiam sob o sol à espera de um olhar seu.
Naquele dia, Han Han estava chateado. Seu carro teve problemas mecânicos e ele não queria saber nem de China nem de política. Embora gentil, parecia genuinamente desinteressado também no fato de que, pela primeira vez, teria um livro lançado em inglês: This Generation, uma coletânea de seus últimos posts. “Falo e entendo mal a língua. Então, para mim, não adianta muito”, foi seu comentário cem por cento desatento. Perguntado se era verdade que o seu romance de estreia seria publicado no Brasil, lançou um olhar confuso em direção à sua mulher e agente, que confirmou estar em negociações com uma editora.
Han Han é um produto de exportação, mas não foi bem nele que Hu Jintao pensou quando falou em “soft power”. No ano passado, o presidente anunciou que, como parte dos esforços para levar a China ao lugar que sempre foi dela, o governo incluiria, entre suas metas, a divulgação de sua literatura e riqueza cultural. Hu Jintao pensava em Confúcio, o filósofo que viveu há 2 500 anos e simboliza a milenar sabedoria chinesa.
Trezentos institutos com o nome dele foram abertos no mundo para disseminar a língua e a cultura chinesas. Prosélito da obediência filial, da dedicação ao estudo e da devoção à pátria, Confúcio é a antítese de Han Han. O sucesso do blogueiro é um sinal de que seduzir multidões não é algo que se faça por decreto.

MERCADO DOMÉSTICO
A Gisele Bündchen da internet

Para cada peça que ela veste, ganha 100 iuanes (16 dólares) (Foto: Adam Dean)
Para cada peça que ela veste, ganha 100 iuanes (16 dólares) (Foto: Adam Dean)
Um pulinho, uma pose, um clique. Tian Yuan Yuan repete a série três vezes e muda de roupa – para, em seguida, começar tudo de novo: um pulinho, uma pose, um clique. Por cada peça que veste, ela ganha 100 iuanes (16 dólares). Já chegou a fazer 300 trocas numa única sessão de fotos.
As imagens vão para o Taobao, o site de compras que, na China, equivale ao Amazon e ao eBay, e onde Yuan Yuan reina absoluta. Ela é a número 1 no ranking que o Taobao faz das modelos com base na venda das peças que elas anunciam. Yuan Yuan é particularmente boa para vender meias e calças – suas pernas têm quase 1 metro -, mas é o formato de seu rosto, que os chineses consideram perfeito e chamam de “semente de girassol”, que ajudou a fazer dela uma estrela da internet.
No mês passado, a modelo, de 22 anos, passou a tarde em um estúdio em Guangzhou posando para uma confecção ao som de Michel Teló, que ela não sabia quem era. “Coreano?”, chutou.
Taobao, empresa do gigante Grupo Alibaba, tem 500 milhões de usuários registrados. É só uma ínfima ponta do colossal iceberg de consumidores domésticos com que a China conta para sustentar seu crescimento. O problema é que os chineses têm hesitado em fazer a sua parte: gastam pouco, poupam muito.
A insegurança diante da precariedade dos sistemas públicos de saúde e aposentadoria é a principal razão desse comportamento. O serviço nos hospitais públicos da China é tão ruim que, em 2010, foram registrados 17 000 episódios de agressão a médicos e funcionários, a maior parte cometida por familiares de pacientes fartos de aguardar nas filas e de ter de subornar para obter atendimento.
O sistema público de aposentadoria, que agora começa a ser melhorado, só contemplava 25% dos migrantes que viviam nas cidades em 2010. “O governo terá de acelerar as reformas para responder às atuais grandes preocupações da população: educação, saúde, habitação e aposentadoria”, diz o analista Robert Kuhn. Poses e pulinhos não vão bastar para convencer os chineses a abrir a carteira.

A VIDA DOS RICOS
Ele tira dos milionários para dar aos afortunados

Ele ganha a vida fazendo as vontades dos que têm muito dinheiro (Foto: Adam Dean)
Ele ganha a vida fazendo as vontades dos que têm muito dinheiro (Foto: Adam Dean)
Boris Yu tem a gargalhada fácil e aquele ar satisfeito dos que encontraram a prosperidade. Prosperidade que, no caso dele, não é apenas um fim, mas um meio.
Os milionários chineses são a matéria-prima do seu negócio – uma empresa especializada em fazer as vontades dos que têm muito dinheiro e sugerir-lhes a melhor forma de separar-se dele. De reservas em restaurantes mundo afora a vagas em colégios suíços para as crianças, não há o que Boris não consiga para os seus clientes.
Em jantares regados a Château Lafite – o vinho preferido dos donos de fortunas recentes na China -, ele também cuida de aproximá-los de gente que oferece as boas coisas da vida, como designers de joias e produtores de uísques raros. Boris junta as duas pontas e ganha em ambas.
Engenheiro, ele nasceu em Hong Kong, foi educado em Londres e, depois de trabalhar na filial de Xangai de uma das mais famosas empresas de concierge de luxo, resolveu abrir a própria.
Concluiu que os desejos de um chinês rico só podem ser plenamente atendidos por outro. “Ser recepcionado em um hotel com uma taça de champanhe como cortesia é insulto para muitos”, explica. Na China, os homens de negócios têm o hábito de trocar presentes valiosos. Assim, se alguém quer fazer um chinês rico se sentir prestigiado, tem de dar a ele não uma taça de champanhe, mas uma garrafa. “E tem de ser vintage, hohoho!”
Desde o ano passado, o número de milionários na China cresceu 6,3%. Eles gastam, em média, 22 000 dólares por ano em produtos de luxo, incluindo turismo. Mais do que o dobro de um típico milionário europeu (10 500 dólares) ou americano (9 500). Ocorre que muitos chineses ricos sentem compulsão de abandonar a China.
Uma pesquisa feita pelo Hurun Report mostrou que mais da metade dos milionários locais, preocupada com a estabilidade do regime, decidida a dar melhor educação aos filhos e fugir da poluição, considera a possibilidade de emigrar. Boris se preocupa com isso? Ele responde com sua risada gutural. “Hohoho… Para cada milionário que for embora, surgirão outros dois.”

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