sábado, 17 de novembro de 2012

CRÔNICA Cartas de Buenos Aires: A grama do vizinho



Do outro lado do rio nos espreita uma pequena nação. Acocorada sobre as margens do Rio da Prata está um acanhado país e um crescente exemplo.
Mais que um destino de fim de semana para quem quer fugir da selva de pedra que é Buenos Aires, o vizinho Uruguai vem se tornando um país de vanguarda graças à liderança de seu Presidente, José “Pepe” Mujica.
A diminuta nação de pouco mais de 3,3 milhões de habitantes, cuja maioria é idosa, vem ganhando espaço na mídia mundial graças à sua disposição de enfrentar, de maneira inovadora, assuntos polêmicos, como o aborto e a legalização da maconha.
Enquanto isso, seu Presidente vai embolsando a simpatia internacional pela coerência em sua vida pessoal e visão liberal em relação a temas controversos (Pepe não tem propriedades, mora em uma chácara na periferia de Montevidéu, doa boa parte de seu salário e prefere defender em seus discursos a felicidade às ideologias políticas).

Pepe Mujica em seu simpático fusca azul

Nessa última terça-feira, a bancada de Mujica apresentou um projeto que promete criar polêmica e gerar ondas na bacia do Prata.
Se virar lei, uruguaios registrados poderão comprar até 40 gramas de maconha mensalmente, manter até nove pés da erva e participar de “clubes”que teriam direito a manter até 90 plantas de cânhamo.
O projeto começa a ser apreciado na próxima quinta-feira por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, para, futuramente, ser submetido à votação no plenário. E o melhor? Esta produção sairia da mão de traficantes para a chancela do estado.
Embora o Uruguai, se comparado à Argentina, ainda fique atrás em varias frentes de direitos humanos, como o julgamento dos carrascos da ditadura, vem ganhando dos vizinhos em outras frentes, como a descriminalização do aborto e a liberalização da maconha.
O país vai abrindo caminho como um das nações mais progressistas da região e talvez o que sustente a mais ampla discussão política.
“O que assusta é o narcotráfico, não a droga”, disse o Presidente Mujica à imprensa há algumas semanas atrás.
Na Argentina, graças a uma decisão da Suprema Corte em 2009, a posse de pequenas quantidades de maconha para o uso pessoal não constitui crime. Mas nenhum outro passo significativo foi tomado, desde então, para mudar de maneira definitiva o mapa do narcotráfico no país.
O Presidente Mujica afirmou à rede Britânica BBC que a ideia não era “sacanear os países vizinhos”, nem atrair o turismo de consumidores. "Eu posso vender a você um número X de cigarros e, se eles aparecerem no Brasil, você é responsável", Pepe explicou.
Mas, se aprovada a nova lei, a grama do vizinho certamente ficará mais verde.

Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha, antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald, mantém o blog Conexão Buenos Aires e não consegue imaginar seu ultimo dia na capital argentina. Estará aqui todos os sábados.

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