21 de novembro de 2012 | 2h 01
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
No edifício central da Praça dos Três Poderes, a apresentação das conclusões de uma CPI criada por motivos tortos e extinta por razões torpes.
No prédio ao lado, a ascensão à presidência do Supremo Tribunal Federal do relator de um processo que, se não muda o País, faz subir de patamar a confiança das pessoas na Justiça.
Uma coincidência de calendário muito oportuna para a análise do contraste entre os papéis cumpridos pelos Poderes Legislativo e Judiciário em trajetórias crescentemente opostas.
Ao mesmo tempo em que o Supremo afirma sua autonomia, o Congresso se afunda na submissão aos ditames do Executivo e das infames conveniências partidárias.
Enquanto a Corte Suprema investe na punição dos crimes contra a administração pública, o Parlamento dá abrigo à impunidade.
Está prevista para hoje ou amanhã a leitura do relatório final da comissão de inquérito criada para apurar as ramificações do esquema e as ligações do operador de jogos clandestinos Carlos Augusto Ramos, o Cachoeira, com políticos, empresários e governos.
Hoje o julgamento do mensalão é retomado sob a presidência interina de Joaquim Barbosa, que amanhã é investido oficialmente no cargo.
Quis o acaso que os dois episódios ocorressem na mesma semana, abrindo espaço para o cotejo na atuação dos dois Poderes que às vezes se confrontam.
Sobre o Judiciário têm falado os fatos, cuja relevância fica ainda mais explícita no momento da ascensão de Joaquim Barbosa devido a todo o simbolismo que encerra.
Sobre o Legislativo falou a subserviência da maioria governista aos propósitos do ex-presidente Lula de instalar uma CPI para tentar promover uma desmoralização geral com o objetivo de levar a oposição, a imprensa, o Ministério Público e os ministros do Supremo a dividir o banco dos réus com os acusados no processo do mensalão.
Foram os motivos tortos de seu nascimento, referidos no início do texto.
As razões torpes do encerramento da CPI antes de concluídas as investigações sobre o alcance da contaminação do esquema Cachoeira na administração pública têm a ver com a rede de proteção construída em torno da construtora Delta para evitar a descoberta de ilegalidades relacionadas aos contratos da empreiteira com governos estaduais aliados ao Palácio do Planalto.
Enterro cuja indigência se confirma na sugestão do relator Odair Cunha de se criar uma nova comissão de inquérito para investigar fraudes nos contratos da Delta em todo o Brasil.
Quais? Exatamente aqueles que a CPI por ele relatada decidiu não investigar para poupar uma empresa que, embora tenha sido declarada inidônea para a Controladoria-Geral da União, segue sendo a vice-campeã nacional do setor em volume de verbas recebidas do governo federal.
Não foi a primeira comissão de inquérito a padecer de inanição induzida e não será a última. Mas é mais uma para atestar o antagonismo entre o ativismo benfazejo do Judiciário e a passividade malsã do Legislativo.
Cacoete. Atraso nas obras públicas é a regra, como diz a ministra do Planejamento, Miriam Belchior?
É, mas seria de se esperar de uma autoridade a defesa da inversão dessa lógica, perversa, de preferência mediante o anúncio de que o governo fará todo o esforço para a regra do atraso um dia ser exceção.
Como se viu na recente declaração do ministro da Justiça sobre a situação degradante dos presídios como se nenhuma responsabilidade coubesse ao poder público federal, dez anos de Presidência da República não livraram o PT da síndrome de oposição: é bom de verbo e ruim de solução.
Por essas e algumas outras é de se perguntar o que faria o partido se tivesse ganhado as eleições na época da inflação desenfreada, além de constatar que o Brasil realmente tinha um problemão.
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