quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A COMPLEXIDADE DA TEORIA LITERÁRIA



Laurence Bittencourt (1)
Qual o papel que cabe ao teórico da literatura? Essa pergunta me fiz por um bom tempo e acho que ainda vale para hoje. Minha reflexão partia, na época, da leitura de alguns grandes teóricos da arte e no caso especifico da literatura de autores como Horácio, Boileau e principalmente Aristóteles em sua discussão com Platão sobre a função da arte.
Ainda lembro de um trecho do prefácio da obra do estagirita, “Poética”, escrito por Zélia de Almeida Cardoso em que a mesma dizia: “diferentemente do que se observa na Ars Poética de Horácio (ilustração) ou na Art Poétiquede Boileau, obras inspiradas em Aristóteles, a Poética não é um preceituário, um livro de “receitas” do bem escrever ou do bem compor. É uma exposição teórica, que parte da observação e da análise de obras literárias conhecidas do autor”.
A partir dessas leituras cheguei à formulação de um pensamento de que não convém ao teórico orientar ou dizer como um autor deve compor ou escrever uma obra, esse não é o seu objetivo, e sim, discorrer sobre aquilo que foi escrito explicando-o.
Claro que essas são noções simples ou simplificadas. Porque a quem se propõe fazer da literatura um objeto de estudo, de questionamento, implica sempre na construção de uma teoria. E uma teoria (ou toda teoria) por seu turno, implica sempre a criação de um problema em que o senso comum muitas vezes não percebe obscuridade e cujo esclarecimento justamente justifica o empenho da razão analítica.
E foi dessas leituras que fui alimentando a ideia de que teorizar (do grego Theorai = observar, olhar) algo, no fundo, é transformá-lo em um problema, ponto de partida para um aprofundamento que exigiria método e análise.
Por outro lado, é importante situar ou perceber que literatura é um produto cultural. Não é algo natural. E como tal é algo que exige talento, habilidade e competência, e que de acordo com Aristóteles esta última pode ser entendida como o acúmulo teórico sobre a coisa feita.
Obviamente que estou cônscio de que amparado em conceitos e exigências menos rigorosas alguém pode defender o ponto de vista de que literatura é feita para a fruição dos sentidos, para o prazer estético de quem faz a leitura, não se importando em tirar ensinamentos ou fazer relações com a própria vida ou com a vida social, bastando apenas ter prazer com a leitura. Sem dúvida. É um ponto de vista, mas há outros. Se negássemos tal fato estaríamos negando a própria diversidade humana. E a diversidade humana é complexa.
Entre as teorias sobre a literatura é consenso afirmar que há dois grupos básicos e que tomaram forma através das visões de Platão por um lado e de Aristóteles por outro, qual seja, um grupo que defende a teoria como algo normativa e outro que defende uma teoria descritiva.
A primeira situa Platão como seu principal defensor, e que postula a ideia de que literatura encerra ou deve encerrar um preceito, isto é, uma norma, uma função.  A segunda, defendida por Aristóteles, defende a ideia de que teoria literária deve ficar restrita a descrever uma obra, revelando suas partes, sua constituição, sua natureza, personagens, enredo, sem nenhum propósito de estabelecer regras ou normas. A atitude normativa busca dizer o que a literatura deve ser e como deve ser julgada. A atitude descritiva diz o que ela é e que explicações prováveis lhes são apropriada.
Resta, por fim, uma indagação: ambas as teorias já foram ultrapassadas? Como diz um teórico da literatura moderna, Harold Bloom, uma tradição nunca é superada, e sim, acoplada, amalgamada, elaborada, reelaborada, dando lugar a novas teorias, a outras teorias.
(1) Jornalista. laurenceleite@bol.com.br

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