Presidente desdenha de maior panelaço em 9 anos e acusa oposição de vazio de ideias
BUENOS AIRES — A maior onda de protestos em nove anos na Argentina não foi capaz de sensibilizar a presidente Cristina Kirchner em relação aos sinais de insatisfação popular. Apesar da magnitude das marchas - que atraíram 250 mil pessoas somente nos panelaços na capital- a presidente ignorou solenemente o assunto e, em tom de ironia, mostrou-se mais interessada no conteúdo do noticiário internacional:
Visivelmente irritada com os protestos, a presidente se limitou a fazer uma análise sobre o sistema político argentino e a reiterar o “compromisso inquebrantável” com seu projeto. Também aproveitou para cutucar a oposição:- Ontem (quinta-feira) aconteceu algo muito importante, que aqui poucas pessoas comentaram, o Congresso do Partido Comunista Chinês.
- Faltam dirigentes que nos apresentem um modelo alternativo. Não podemos assumir essa responsabilidade. Os que não querem nosso projeto devem se encarregar de pensar outro - declarou Cristina, que se refugiou na residência oficial de Olivos, onde cerca de 30 mil pessoas se reuniram para questionar seu governo.
Pouco mais de um ano após se reeleger com 54% dos votos, a presidente enfrentou cerca de 120 protestos no país e no exterior, na maior mobilização anti-K desde maio de 2003. O ponto em comum entre os manifestantes era o repúdio a políticas e projetos da Casa Rosada, entre eles uma reforma constitucional que permitiria a segunda reeleição de Cristina, em 2015. Sem lideranças políticas, segurando apenas bandeiras do país e cartazes com recados para a Casa Rosada, muitos manifestantes admitiram ter votado na presidente em 2011, mas disseram sentir-se decepcionados com o governo.
Outros kirchneristas disseram não compreender as demandas dos manifestantes.
- Não entendo para onde querem ir - afirmou o ex-chefe de Gabinete e atual senador Aníbal Fernández, um dos oficialistas que insistiram em vincular os protestos a movimentos financiados pela direita e não a uma classe média que não se sente representada pelo governo.
Muitos manifestantes fizeram questão de mostrar que nada têm a ver com o grupo de comunicação Clarín (tido como adversário por Cristina) ou com dirigentes da oposição, deixando claro que o panelaço foi, como o de setembro, um fenômeno espontâneo da sociedade civil.
- Sou só uma aposentada que não chega a pagar suas contas no fim do mês - contou Délia Fernández, de 76 anos, que participou do panelaço no Obelisco, a maior das concentrações.
“Sinto orgulho”, diz prefeito da capital
Ao contrário do panelaço de 13 de setembro, desta vez todos os canais de TV do país, e não somente os do grupo Clarín, cobriram os protestos, claro sinal de que as marchas foram tão expressivas que tornou-se impossível ignorá-las. Mas para meios de comunicação e intelectuais alinhados com a Casa Rosada, por trás das manifestações estão apenas as altas classes sociais que rechaçam o “modelo econômico e social de inclusão do kirchnerismo”.
- Há uma lógica que pressupõe que a vida de uma panela está acima da maioria da cidadania, que escolheu um rumo através do voto - opinou o filósofo Ricardo Foster, do grupo de intelectuais K Carta Aberta.
Pelas redes sociais, dirigentes da oposição voltaram a pedir que o governo “ouça o ruído das panelas”. “Sinto orgulho pelo povo argentino, alegria e emoção”, resumiu o chefe de governo da capital, Mauricio Macri.
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