sábado, 10 de novembro de 2012

JOSÉ FERNANDES DESCONTRÓI PROCESSO CRIMINAL DA OPERAÇÃO RODIN E ACUSA TARSO GENRO DE VIOLAR A CONSTITUIÇÃO




José Fernandes, da Pensant

O professor José Fernandes, fundador da empresa Pensant, que tinha sido contratada pelas fundações Fatec e Fundae para tarefas de fiscalização no processo de exames das carteiras de habilitação de motorista no Rio Grande do Sul, não se conforma que sua empresa tenha tido sua falência decretada pela juíza da 1ª Vara Federal Criminal, de Santa Maria, quando esta invadiu esfera do Poder Executivo, na sua ótica, e determinou que a fundação rompesse o contrato com a Pensant e cortasse seus pagamentos. José Fernandes considera essa decisão judicial uma brutalidade contra a Constituição. Veja suas argumentações nesta nova entrevista para o jornalista Vitor Vieira, editor de Videversus.
Videversus – Um dos pontos da sua defesa é de que o processo é indevido, não tem valor legal? Por que?
José Fernandes – É um princípio constitucional basilar a separação dos poderes. Somente um governo constitucional, que separa seus poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, preserva a liberdade política, a liberdade individual de cada cidadão. A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, estabelece em seu art. 2º a separação dos poderes. Conforme o jurista José Francisco Cunha Ferraz Filho, a separação de Poderes é uma cláusula pétrea, como previsto no art. 60 § 4º, Inc. III da Constituição Federal. Assim, ao mesmo passo em que o princípio fundamental da separação dos poderes é base institucional do Estado de Direito e da Democracia, também é intangível, não podendo sequer ser alvo de discussão. Por integrar o preâmbulo da Constituição, é um dos componentes da certidão de nascimento da nova ordem jurídico-constitucional. “É norma que expressa os valores mais altos da sociedade, de tal forma que, integrado na ordem constitucional, passa a orientar todas as demais normas e regras do ordenamento jurídico que ela baliza”, afirma Ferraz Filho. Montesquieu, em 1748, na sua obra “Do Espírito das Leis”, define com segurança e validade jurídica as feições do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, fundamentando a necessidade dessa divisão de poderes para que um freie o outro.
Videversus – Qual é a importância desses conceitos para a sua defesa?
José Fernandes – Veja, o Poder Judiciário, julga; o Pode Legislativa, faz as leis; o Poder Executivo, executa, respeitando a lei, de maneira proba ou ímproba. Relembrando Sócrates: para fazer um sapato, é preciso conhecer um sapato; para fazer um trabalho científico, é preciso conhecer o método de trabalho. Isso é uma atribuição exclusiva do Poder Executivo. O Poder Judiciário pode interferir somente se esse ato for ilegal, ou seja, ele só pode agir no aspecto da legalidade. O ato, em si, tem mérito. O mérito de realizá-lo, ou não, é uma atribuição exclusiva do Poder Executivo. O Poder Judiciário não poderia dizer, faça isto, não faça aquilo. A juíza não poderia, nunca, determinar para a Fundae que suprimisse serviços voltados à segurança e sigilo dos exames. No contrato entre Detran e Fatec, e depois Fundae, a responsabilidade por qualquer eventual fraude era da fundação. Assim, as fundações precisavam se resguardar, se prevenir, implantando um processo de fiscalização em torno dos exames, que fosse seguro. Para fácil entendimento, é igual ao caso do exame atual do Enem, onde o governo federal gasta muito mais em segurança do que nos próprios exames, dois terços do valor são aplicados em segurança. Então, relembremos a jurista Maria Silvia Di Pietro,da USP, que diz: “o mérito surgiu durante o Estado Social de Direito, justamente quando a discricionariedade tomou a atual forma e se vivenciou o fortalecimento da Lei, em sentido formal e do Poder Executivo como seu executor”. E o professor administrativista Sérgio Guerra, também é muito claro: “(a questão do ato administrativo) foi desenvolvido e amplamente examinado pela doutrina italiana, merecendo destaque o pensamento de Presutti, Lentini, Ranelletti, Orlando, Treves e Renato Alessi. Em sua obra, Diritto Amministrativo, Renato Alessi destaca que o mérito tem duplo aspecto: (1) o positivo, à medida que consiste no “acertamento” do interesse público genericamente contido na norma jurídica para o caso concreto, segundo os critérios de conveniência e oportunidade da Administração, já que é impossível ao Legislador antever o melhor interesse público em todas as hipóteses da realidade; e (2) o negativo, porquanto representa ele um limite para a sindicalidade jurisdicional, aos atos administrativos, nos espaços deixados pela norma”. O mérito foi criado para as hipóteses em que a Lei, não tendo como preencher todos os espaços da vida prevendo condutas à Administração, deixa parâmetros para a tomada da melhor decisão. O Direito Brasileiro, principalmente pela obra de Seabra Fagundes, absorveu o referido conceito de mérito, no duplo aspecto apontado por Alessi. Vamos examinar esta questão um pouco mais, conforme o pensamento de Alessi: “O mérito está no sentido político do ato administrativo. É o sentido dele em função das normas da boa administração. Ou, noutras palavras: é o seu sentido como procedimento que atende ao interesse público, e ao mesmo tempo, o ajusta aos interesses privados, que toda a medida administrativa tem de levar em conta. Por isso, exprime um juízo comparativo. Compreende os aspectos, nem sempre de fácil percepção, atinentes ao acerto, à justiça, utilidade, equidade, razoabilidade, moralidade, etc, de cada procedimento administrativo”.
Videversus – Essas são exigências constitucionais.
José Fernandes – Claro, são mesmo. E isso praticamente não foi examinado durante o processo penal na 1ª Vara Federal Criminal de Santa Maria. Esses aspetos muitos autores resumem no binômio “oportunidade” e “conveniência”. Diz ainda Seabra Fagundes:  “Pressupondo o mérito do ato administrativo a possibilidade de opção, por parte do administrador, no que respeita ao sentido do ato – que poderá inspirar-se em diferentes razões de sorte a ter lugar num momento ou noutro, como poderá apresentar-se com este ou aquele objetivo – constitui fator apenas pertinente aos atos  discricionários. Por ser característico apenas dos atos discricionários, Seabra Fagundes conclui que: “...não constitui o mérito um fator essencial, nem autônomo na integração do ato administrativo; não aparece com posição própria ao lado dos elementos essenciais (manifesto da vontade, motivo e objeto [elementos do ato passíveis de escolha, pelo administrador, dentre as opções dadas pela Lei, visto que os demais são sempre vinculados]; relaciona-se com eles; é um aspecto que lhes diz respeito; é uma maneira de considerá-los na prática do ato; é, em suma., o conteúdo discricionário deste.
Videversus – Então esse aspecto, no seu modo de ver, é fundamental para o entendimento dos papéis dos diversos agentes envolvidos na realização dos exames das carteiras de motorista?
José Fernandes – É claro. Por ser o mérito a expressão de liberdade da Administração, dentro dos parâmetros legais, conforme Seabra Fagundes, ao Judiciário seria vedado realizar o controle de seu conteúdo, restringindo-se aos aspectos, legais ou formais do ato, quanto a competência, forma e finalidade. Extrapolando tais limites, estaria o Judiciário fazendo obra de administrador, violando, por conseqüência, o princípio de separação e independência dos poderes.
Videversus – Resumindo, a decisão judicial de impedir que a Fundação continuasse mantendo o contrato com a Pensant, foi uma exorbitância?
José Fernandes – Sim, foi. A Justiça foi além dos limites da lei. Praticou um ato típico de Poder Executivo, extrapolou os seus limites e poderes. E o mais grave, deixou um serviço de vida e morte, porque a concessão de uma carteira de motorista equivale a um porte de arma, a um poder letal legalizado, que ficou completamente sem fiscalização, até hoje. Isso, sim, é absolutamente criminoso, em uma sociedade onde se verifica, a qualquer final de semana, ou feriadão, a ocorrência de dezenas de mortes no trânsito. E essas mortes só crescem. E isso para nem falarmos dos acidentes, que também só crescem. E as sequelas, que impactam as contas públicas? Nada disso a Justiça explica até agora. E isso é interesse público, isso é a supremacia do interesse público, isso é o que deve nortear o ato público, essa é a discricionariedade de que está dotado o Poder Executivo.
Videversus – Então, não caberia ao Judiciário determinar a suspensão de serviços?
José Fernandes – Não, não caberia. Essa não é uma questão legal, essa é uma questão do interesse público sujeito à discricionariedade do Estado. O mérito administrativo não está sujeito ao controle judicial. Controle de mérito é sempre controle de oportunidade e conveniência. O poder Judiciário, no exercício de função jurisdicional, não revoga atos administrativos, somente os anula se houver ilegalidade. É o que acontece no controle de razoabilidade e proporcionalidade. O Poder Judiciário, no exercício de função jurisdicional, nunca vai adentrar o mérito administrativo para dizer se o ato foi ou não conveniente e oportuno, substituindo a administração nessa análise. Isso seria controle de mérito, pelo Judiciário, de atos administrativos de outro Poder, o que o nosso ordenamento jurídico não permite, porque ofende o princípio da separação dos Poderes.
Videversus – Então, resume-se: o controle judicial verifica exclusivamente a legalidade dos atos administrativos, nunca o mérito administrativo.
José Fernandes – Eu sou um economista, não sou jurista. Mas, como um homem da área do conhecimento, e alvo desse processo absurdo, tive que me informar neste campo. Estou convicto, pelo que estudei, que o papel do Poder Judiciário trata-se de um controle posterior, corretivo, incidente sobre o ato já praticado. Nisso se constitui o Estado de Direito. Não se admite a aferição do mérito administrativo pelo Poder Judiciário. Não faria sentido o juiz, órgão voltado à atividade jurisdicional, muitas vezes distante da realidade e das necessidades administrativas, substituir, pela sua ótica, a visão do administrador. Significa que, se fosse dado ao juiz decidir sobre a legitimidade da valoração de oportunidade e conveniência realizada pelo administrador na prática de atos discricionários de sua competência, estaria esse juiz substituindo o administrador no exercício dessa atividade valorativa. Vale dizer, substituindo a avaliação de conveniência e oportunidade realizada pelo administrador, que vivenciou a situação que ensejou a prática do ato, que tem como mister exatamente o exercício de atividades administrativas, por uma avaliação de conveniência e oportunidade realizada por ele, juiz, evidentemente distanciado do cotidiano da administração pública.
Videversus – Ou seja, na sua percepção, isso se constituiria em uma nulidade de atos da Justiça no processo criminal da Operação Rodin?
José Fernandes – Sim. Os atos discricionários podem ser controlados pelo Judiciário no que respeita à sua legalidade e legitimidade. Os controles de razoabilidade e proporcionalidade possibilitam anulação, pelo Poder Judiciário, de atos discricionários que tenham sido praticados fora da esfera do mérito administrativo estabelecido pela Lei. Ulisses Guimarães se notabilizou por enfrentar o regime autoritário e defender de forma intransigente o Estado Constitucional de Direito. Ao promulgar a Constituição de 1988, na condição de presidente do Congresso Nacional Constituinte, em seu discurso, ele afirmou de forma: “Quando, após tantos anos de luta e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações”. E Rui Barbosa, um século antes, havia dito: “Quem não puder impedir um crime, salvar um direito violentado, uma vida em perigo, caia lutando por essa vida, abraçando-se com esse direito”. O princípio da “separação dos poderes”, gravado no art. 2º da Constituição Federal, é um escudo de proteção à academia, como previsto no art. 207 da Constituição do Brasil”.
Videversus – No seu modo de ver, a Constituição foi agredida quando a universidade de Santa Maria foi invadida?
José Fernandes – Quando a polícia entra por uma porta na academia, a ciência sai pela outra. Imagine-se que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal pudessem decidir sobre o mérito de um programa de ensino, de uma pesquisa, de um serviço, ou de uma atividade extensionista, da universidade. Ter-se-ia uma repulsiva inversão de valores em desprestígio da academia e a favor do Estado Policial Penal. É o que foi feito no processo da Operação Rodin. O ministro da Justiça, Tarso Genro acompanhado do Diretor Geral e do Superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, da sua polícia, todos de Santa Maria, compareceu à sede da Policia Federal em Porto Alegre e, em entrevista coletiva, foi peremptório, ao referir-se as pessoas recolhidas a sua masmorra: “ESPERO QUE ELES POSSAM PROVAR SUA INOCÊNCIA”. As palavras do então ministro da Justiça mostram o quanto ele valoriza o Estado de Direito, porque simplesmente ignorou a Constituição, ao atribuir culpa presumida aos seus prisioneiros, ele fez um julgamento prévio dos mesmos, sumário, mandando para a lata do lixo a garantia constitucional individual, cláusula pétrea, inscrita no inciso LVII do Art. 5º, que diz: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória” conhecido como presunção de inocência. Rejeito os procedimentos dos agentes do Estado Policial Penal de forma contundente. Destruiu a reputação e liquidou de forma cruel importante e conceituada empresa da área do conhecimento especializado, e jogou na lata do lixo o bem maior de minha família, a honra e a dignidade, sentenciando-nos excluídos sociais a partir de então, condenados a cumprir pena sumária decretada pela exposição policial midiática provocada por sua atuação policialesca. O criminalista Adauto Suanes disse: “Parece incrível que homens destinados ao equilíbrio e á serenidade percam, não poucas vezes, o referencial ético que normalmente norteia sua conduta - pois cuidam do julgamento do comportamento humano - para deixarem-se levar pela emoção produzida pelo caso concreto”. Com certeza, Tarso Genro não se deixou conduzir pelo ideários. E olhe lá, esse homem, em 1985, tinha deixado uma dedicatória em seu livro “Lênin – Coração e Mente”, dizendo o seguinte: “Ao José Fernandes com um grande abraço e o afeto do Tarso”. Mas, nos últimos cinco anos, minha família só faz se defender da perseguição opressiva da máquina de Estado colocada a serviço de interesses políticos e ideológicos. Por isso é sempre bom relembrar as palavras de criminalista italiano Francesco Carnelutti: “A degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves de uma civilização em crise, ficando difícil até enumerar todos os danos causados por essa falta de recato no processo, a cujo dever o respeito é tão inerente e necessário como nenhum outro dever cívico que se possa citar. O desrespeito ao acusado, senão o mais grave, pelo menos é o mais evidente dos sintomas da crise. Infelizmente, a justiça humana procede assim: não submete o ser humano a tanto sofrimento por ser culpado, tanto quanto o faz para saber se é ou não inocente. O acusado e a sua família são inquiridos, requeridos, examinados e colocados em uma berlinda em sua própria casa, no seu trabalho, diante de todos, se reduz a pó o individuo, único valor que deve ser protegido pelo direito, na civilização”.
Videversus – O senhor e sua família consideram-se, então, vítimas de um complô de estado autoritário, tirano?
José Fernandes – Leopard Mlodinow, no seu famoso livro “O andar do bêbado”, disse que a “falácia da acusação” consiste em não dizer toda a verdade. Ou seja, é a conspiração para chegar a um resultado previamente desejado. A força de muitas conspirações depende da confusão entre a probabilidade de que: 1) uma série de eventos ocorra se for produto de uma conspiração e a probabilidade; 2) que exista uma conspiração se ocorrer uma série de eventos. Diz Mlodinow: “Esse grave erro de lógica é conhecido como falácia da acusação”. Basta que a acusação omita informação para empregar com sucesso a falácia da acusação. No meu caso, da minha família, da nossa empresa, no famigerado processo da Operação Rodin, quando esconderam os preços que eram praticados pela Fundação Carlos Chagas, de São Paulo, que atuou por 72 anos, contratada pelo Detran, por suposta inexigibilidade de licitação, durante os governos de Antonio Britto (PMDB), Olívio Dutra (PT) e início da gestão de Germano Rigotto (PMDB). É justamente isso o que foi pelos agentes públicos denunciantes, os camisas púrpura da Universidade Federal de Santa Maria, da Policia Federal, do Ministério Público Federal e do Ministério Público especial junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Estes agentes públicos comportaram-se como juncos flexíveis, capazes de se dobrar na direção de seus escusos interesses. Esconder os preços praticados pela Fundação Carlos Chagas permitiu a criação da falácia, a versão falaciosa de que havia uma fraude nos preços dos exames praticados durante a vigência dos contratos com as fundações posteriores, Fatec e Fundae.
Videversus – Quer dizer que estes interesses escusos agiram de forma organizada?
José Fernandes – Não resta a menor dúvida. Em 1997, com a promulgação do Código de Trânsito Brasileiro, o Detran do Rio Grande do Sul contratou a Fundação Carlos Chagas, com sede no Estado de São Paulo, para executar os exames ao preço unitário de R$ 27,59 teóricos e R$ 55,99  práticos. Esses são valores atualizados pela UPF, para permitir a comparação. Em julho de 2003, portanto 72 meses após, foi contratada a Fundação FATEC, ao preço unitário de R$ 26,99 as provas teóricas e R$ 54,38 os exames práticos. Em maio de 2007 foi contratada a Fundação Fundae, filantrópica, ao preço unitário de R$ 24,99 os exames teóricos e R$ 53,56 os exames práticos. As duas fundações de apoio à Universidade Federal de Santa Maria, entidades privadas, que deveriam ser fiscalizadas pela Curadoria das Fundações do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, conforme determina a constituição e o código civil, tiveram sua certificação pelo promotor curador. “Não houve prejuízo ao erário”, atestou a Contadoria e Auditoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul. E a mesma coisa foi dita pelo Tribunal de Contas em suas inspeções ordinárias e especiais. As contas, dos exercícios objeto da denúncia, foram aprovadas, diante do Ministério Público de Contas, que estava presente no julgamento do Pleno do Tribunal de Contas. Um anônimo denunciante, investigações policiais direcionadas e provas forjadas de forma ilícita, sobrepuseram-se, ao arrepio da Lei, aos laudos anuais do curador de Fundações do Ministério Público Estadual e as decisões da CAGE e Tribunal de Contas. Cito novamente Rui Barbosa: “A soberania que é o poder, tem de ser limitado pelo direito, que é a Lei. A necessidade impõe à democracia traçar divisas insuperáveis aos três poderes da vontade nacional. A justiça é a chave da verdade Republicana”.
Videversus – O que mais a sua defesa fez para provar essa falsidade de denúncia, essa falácia?
José Fernandes – A nossa defesa requereu no dia 23 de abril de 2010 a realização de uma perícia judicial que poderia trazer à luz a metodologia de realização dos exames para esclarecer a ilação especulativa sobre suposta fraude, apontada por aqueles que viram seus interesses contrariados, em face do rigor técnico de trabalho e a moralidade exigida. Leonard Mlodinov ensina: “a inconsistência entre a lógica da probabilidade e as avaliações das pessoas com relação a acontecimentos incertos pode levar a avaliações injustas ou equivocadas de situações na vida real. O que é mais provável: que um réu, depois de encontrar um corpo, deixe a cena do crime, ou que um réu, depois de encontrar um corpo, deixe a cena do crime porque teme ser acusado pelo macabro assassinato? Embora a segunda opção seja menos provável que a primeira, pode parecer mais provável. Ou, nas palavras de Kahneman e Tversky, “uma boa história muitas vezes é menos provável que uma...explicação menos satisfatória”.
Videversus – Por consequência, na sua visão, assim se montou a farsa da denúncia?
José Fernandes - O Ministério Público Federal, o Ministério Público de Contas, e a Polícia Federal, afastaram-se do mundo real, omitiram informação, ao excluir da investigação a Fundação Carlos Chagas, que atuou por 72 meses durante os governos de Antonio Britto, Olívio Dutra e Germano Rigotto, para justificar o pedido de autorização para a operação policial ostensiva. Uma miragem, que não analisa o mérito técnico científico do trabalho, artifício escandalosamente manipulado sobre mérito do ato administrativo, poder discricionário do Executivo, conforme oportunidade e conveniência de praticá-lo.
Videversus – Mas, qual foi o impacto dessa denúncia falaciosa na vida da Universidade?
José Fernandes – Nunca, em tão pouco tempo, se fez tanto mal à Universidade de Santa Maria, às fundações de apoio, e à população da cidade e da região, na medida em que a reputação dessas instituições foi colocada no lixo. Foi pior do que procedimentos inquisitoriais do regime militar. Ao internalizar o medo no ambiente universitário, criou um brutal constrangimento à liberdade científica da universidade, representada na autonomia necessária para a produção do conhecimento. São quatro liberdades que não admitem qualquer censura. Esse preceito constitucional é garantia do estabelecido no art. 207 da Constitui Federal, da “autonomia das universidades”. Isto é, o poder de autogoverno. É contraponto à lei nº 5540/68 (Reforma Universitária do Regime Militar), aos Decretos Lei e outros dispositivos inquisitoriais do regime militar, que internalizaram o medo no ambiente universitário. Na UFRGS, na segunda metade da década de 1960, no início da ditadura militar, funcionou a Comissão Especial de Investigação Sumária (CEIS). Em uma só penada foram excluídos 41 professores, todos luminares em suas áreas, com fundamento ideológico, a forma mais grotesca e vil de impor o medo, tal como feito com Galileu, no período da Inquisição. Em Santa Maria, fizeram o mesmo.

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