29/10/2012
Laurence Bittencourt (1)
É consenso dizer que Carlos Drummond de Andrade foi um cético. Sua poesia e ele. Certamente que há exemplos claros em sua vasta obra que parecem corroborar com esse ponto de vista. No entanto, mais do que um cético, penso eu, Drummond foi, na verdade, um estoico, se tomarmos esta palavra como a de alguém que entendeu o sentido último da vida, qual seja, a de que o humano muda pouco em seu primitivismo primordial e que o final que nos cabe está sempre a nos espreitar e que por isso mesmo a grande sabedoria é se tornar imune ao infortúnio que parece comum a todos.
Um dos altos momentos de estoicismo em sua poesia pode ser verificado no seu poema “A procura da poesia” em que Drummond refaz com a maestria própria de quem já refletiu bastante sobre a condição humana: “Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir…Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável”.
não indagues. Não percas tempo em mentir…Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável”.
Muito mais que um pessimista, Drummond foi um estoico. Um valoroso e derradeiro estoico, essa filosofia que caiu em desuso, se fez pobre e sem valor, em um tempo de “homens partidos”, como ele próprio anuncia em outro momento grandioso da sua moderna poesia brasileira: “A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra”.
A condição de estoico, como se depreende do seu fazer poético, não se mostra inata, e sim, se chega por um processo de maturação, de alquimia, de sofrimento, num drama interior em que o momento de concluir nunca precede a angústia, e mais ainda, sem a busca sintética de um momento esperado, mas apenas virtual e imaginário.
A grande síntese fausto-goethiana em Drummond aparece com força momentosa em seu poema “Nosso tempo”, numa luta urdida no interior do ser. A divisão humana cobra seu preço diante de um Fausto quase em delírio a soçobrar dissabores contínuos, “esse é um tempo de divisas, tempo de gente cortada. De mãos viajando sem braços, obscenos gestos avulsos”, revelando, portanto, um marcador assimétrico e implacável do tempo, inapelável diante de uma ordem social imposta, em que a única saída é não perder a condição verbal para contar a grande história: “E continuamos. É tempo de muletas. Tempo de mortos faladores e velhas paraliticas, nostálgicas de bailado, mas ainda é tempo de viver e contar”.
O grão-vizir e sua placidez do fundo de um soterramento que não se dissipa encontra espaço e revela a face que lhe cabe, que lhe coube na grande horda soturna, ambulante, certamente fútil, inútil, das falas pobres, “Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras”, contraponto necessário ao inócuo e vazio como prenúncio: “escuta o horrível emprego do dia em todos os países de fala humana, a falsificação das palavras pingando nos jornais, o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores”.
Drummond foi um estoico. Derradeiro e firme estoico. Afinal o que nos cabe na esteira rolante da vida. Vale como uma clausula pétrea ainda que discordante para tantos.
(1) Jornalista. laurenceleite@bol.com.br
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