Rogerio Wassermann
Da BBC Brasil em Londres
Atualizado em 29 de outubro, 2012 - 08:13 (Brasília) 10:13 GMT
Em meio à persistente crise, um setor da economia britânica vem se saindo bem: as lojas de objetos de segunda mão ligadas a organizações de caridade, cuja presença é cada vez maior nas ruas comerciais do país.
Segundo um estudo recém-divulgado, as lojas ligadas a organizações de caridade tiveram no ano passado um aumento de 6,8% nas vendas e de 14,3% no lucro.
O estudo encomendado pela revista Charity Finance mostra ainda que as organizações não-governamentais estão também ampliando o número de lojas, enquanto muitas lojas tradicionais fecham suas portas.No mesmo período, o comércio em geral na Grã-Bretanha teve uma queda de 0,6% nas vendas. A economia do país cresceu apenas 0,8% no ano passado.
O número total de pontos comerciais ligados às 74 organizações pesquisadas passou de 6.007 para 6.233 entre o final de 2010 e o final de 2011.
De acordo com o British Retail Consortium, associação que representa os lojistas britânicos, 11,4% dos pontos comerciais do país estão vazios.
Outra pesquisa, realizada pela consultoria independente JRA Research em maio, indicou que 22% dos britânicos dizem estar comprando em lojas ligadas a ONGs com mais frequência do que dois anos antes.
'Preços baixos'
"Tenho encontrado menos trabalho ultimamente, então certamente ajuda poder comprar algumas coisas essenciais, como roupas, por preços mais baixos", comenta a designer gráfica freelancer Tatiana Alexeyeva, de 27 anos, após comprar por 7 libras (cerca de R$ 23) uma calça de segunda mão na loja da ONG Cancer Research UK no bairro londrino de Marylebone.
Para Alexeyeva, uma das vantagens de comprar em uma loja de ONG em um bairro de alto padrão como Marylebone é que muitas das peças doadas à venda foram compradas originalmente em lojas caras e têm boa qualidade.
O aposentado Nick Greenwood, de 63 anos, tem opinião parecida. "Por 5 libras (cerca de R$ 16) consigo comprar um blazer bom para usar todos os dias. Só compro esse tipo de roupa em lojas assim", diz ele.
Mesmo as pessoas que dizem não ter sido afetadas pela recessão observam que a possibilidade de encontrar itens de qualidade baratos, ainda que usados, é atraente. "Procurando, é possível encontrar roupas de designers por preços razoáveis", observa a secretária Sharon Morrison, de 54 anos.
Enquanto procurava livros em uma loja da ONG Oxfam no centro de Londres, a aposentada Cristobel Aldous, de 67 anos, disse que a caridade é um dos fatores que a levam a comprar em lojas de ONGs. "Gosto de saber que estou também ajudando algum projeto social ao comprar", diz.
Impacto negativo
Representantes de lojas de ONGs comemoram o aumento das vendas, mas afirmam que isso não significa que a recessão tenha sido positiva para as organizações.
"Outra consequência da atual crise econômica é que há muito mais demanda pelos serviços que as organizações oferecem, além da redução das subvenções públicas e de outras fontes de financiamento", observa Wendy Mitchell, vice-diretora executiva da Charity Retail Association, associação que reúne as lojas do setor.
Segundo ela, o fechamento das lojas tradicionais também tem um efeito negativo sobre as lojas de ONGs, por reduzirem o fluxo de compradores nas ruas de comércio.
Ainda assim, Mitchell enfatiza o papel das lojas de ONGs em oferecer produtos baratos para parcelas da população mais afetadas pela crise.
"As pessoas sabem que as lojas de organizações de caridade oferecem bens de alta qualidade por um preço bom, e que 60% das pessoas nos grupos D e E, de menor poder aquisitivo, compram nesses locais, então elas são uma fonte vital de bens com custo mais baixo para quem está em dificuldades financeiras", diz.
Doações em queda
Apesar de a maioria das ONGs ter registrado aumento significativo nas vendas e nos lucros em suas lojas no ano passado, a pesquisa realizada pela Charity Finance também destaca alguns motivos de preocupação para as organizações decorrentes da crise econômica.
Um dos principais pontos é a redução das doações de itens para revenda, relatada por 75% das lojas pesquisadas.
"Uma das razões para a queda das doações é que as pessoas podem estar usando suas roupas ou outros bens por mais tempo antes de comprar novos itens por causa da recessão", afirma Wendy Mitchell, da Charity Retail Association.
Além disso, segundo ela, o valor de roupas de segunda mão vem aumentando nos últimos anos, levando as ONGs a competir por doações com empresas privadas que recolhem o material para revenda.
O levantamento da Charity Finance observa que a valorização dos têxteis de segunda mão levou até mesmo a casos de roubos de material doado.
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