segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Mais do mesmo, por Téta Barbosa



Passei toda minha infância vendo meu pai pedir filé, arroz e fritas nos restaurantes. Não importava se era sushi ou pizzaria, o jantar tinha, necessariamente, molho madeira.
Pedir mais do mesmo é se sentir seguro. É saber que ali, no conforto do conhecido, as chances de decepção são mínimas.
Pode ser que o camarão aos quatro queijos seja ótimo ou que o farfalle à parisiense esteja uma delícia, mas de “pode ser” o inferno está cheio.
Como meu espírito de rebeldia contra os padrões familiares está de férias, me pego repetindo o código de barras paterno. Leio os mesmo autores, assisto aos mesmos seriados e sim, tenho certa dificuldade em provar comidas diferentes.
Meu namorado tem síndrome de James Oliver e me faz provar coisas que, até então, eu jurava que ficavam no setor de jardinagem do supermercado. In love we trust, então tenho me libertado aos poucos do cárcere alimentício.
O filé com fritas foi relocado para o arquivo confidencial do meu paladar infantil e de lá não deve sair tão cedo. Transferência realizada com sucesso!
Na literatura, no entanto, meu espírito de aventura e experimentalismo não anda tão desenvolvido. Saramago encarnou em mim como o espírito em Emily Rose e não sai nem com exorcismo.
Já tentei de tudo: Dostoievski, Drummond, João Guimarães Rosa, Machado de Assis, reza, água benta e vela preta. Nada funciona. Começo a ler e logo o pensamento Brastemp me vem à cabeça; “esse cara é bom, mas não é assim um Saramago”.
Querendo me livrar do karma familiar do mais mesmismo, fui domingo à livraria ensaiando o mantra: “não vou comprar mais um Saramago”.
Porque, minha gente, a livraria tem 5.865.902 títulos (assim me disse a busca avançada) e não era possível que eu não encontrasse um livro Brastemp.
Meu critério: não poderia ser do escritor português vencedor do Nobel. Fácil assim.


Rodei, rodei, rodei e me vi com três boas opções: Memórias do Subsolo (Dostoievski),Contos de Imaginação e Mistério (Allan Poe) e... Claraboia (Saramago). Não sei senhores e senhoras do júri, como esse terceiro foi parar em minhas mãos. Muito menos sei explicar como ele chegou ao caixa para, em seguida, aparecer misteriosamente na minha casa.
É hora de aceitar minha sina: Saramago é meu filé com fritas.
E como eu gosto de mais do mesmo, estou mais uma vez aqui no blog escrevendo as mesmas impressões da minha vida nordestina/contemporânea. E aqui continuo a mesma de sempre, com muitas opiniões e pouco juízo. 

Téta Barbosa é jornalista, publicitária, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e fora dali. Escreve aqui sempre às segundas-feiras sobre modismos, modernidades e curiosidades. Ela também tem um blog - Batida Salve Todos 

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