Artigo de Gilles Lapouge publicado na revista Lola, da Editora Abril
OS MONSTROS DA SEDUÇÃO
No livro Mulheres de Ditadores, a belga Diane Ducret mostra que, por trás de um tirano, existe sempre um bando de moças embevecidas. Hitler arquivava as cartas de admiradoras, Mussolini recebia bombons, Fidel Castro colecionava conquistas de sua revolução sensual. E há os que arregimentavam suas companhias com políticas de Estado
Adolf Hitler recebeu mais cartas do que os Beatles e Mick Jagger juntos. Não as lia, mas lhes dava valor. O Führer estava convencido, como muitos outros ditadores, de que seu poder repousava em sua sedução, e as mulheres eram um bom indicativo.
Ele mandava classificar essa frenética correspondência no Arquivo A, sob a desprezível etiqueta “Rabiscadas por mulheres”, que ficava sob o controle de altos dignatários do Reich, como Rudolf Hess. As cartas são um delírio. “Meu Führer querido, penso em você todos os dias, todas as horas, todos os minutos”, diz uma delas.
Uma senhora chamada Von Heyden anuncia o envio de um pote de mel. Em 23 de abril de 1935, Friedel S. diz: “Uma mulher de Saxe gostaria muito de ter um filho seu”. A baronesa Elsa Hagen exagera: “Eu não escrevo ao Senhor chanceler de um grande Reich, e sim ao homem que eu amo e que seguiria até o fim de sua vida”. Infelizmente, para essa baronesa, havia muita concorrência.
Outra mulher, no fim dos anos 1930, escreve: “A eterna fêmea o atraiu. Então, exulte, ó, meu coração, e se deixe abraçar pelas estrelas”.
Na Itália, Benito Mussolini era adorado. Chegavam-lhe de 30 mil a 40 mil cartas por mês. Em 13 de janeiro de 1940, R. Severina, “jovem fascista”, um pouco tímida sem dúvida, envia ao Duce uma caixa de bombons. Uma fascista mais decidida, M. Ilenia, comunica: “Eu não tive nem coragem nem tempo para me jogar sob as rodas de seu carro, nesta manhã, na Piazza Venezia”. Não conhecemos a resposta de Mussolini. Talvez ele a tenha aconselhado a “pensar mais um pouco” antes de fazer uma nova tentativa.
Esse mergulho nas estranhas correspondências dos tiranos forma a abertura grotesca e assustadora de dois volumes escritos pela historiadora belga Diane Ducret, sob o título Mulheres de Ditadores. A obra acompanha os amores de 14 deles e, ao mesmo tempo, as provas heroicas, patéticas, ternas ou atrozes suportadas pelas mulheres que amaram até o grotesco ou até o sublime esses “senhores do mundo”.
O primeiro volume é consagrado às mulheres de Vladimir Lênin (Rússia), Joseph Stálin (Rússia), António Salazar (Portugal), Jean-Bédel Bokassa (República Centro-Africana), Mao Tsé-tung (China), Nicolae Ceausescu (Romênia), Slobodan Milosevic( ex-Iugoslávia), Mussolini e Hitler. O segundo, que acaba de ser publicado, examina tiranos mais recentes: Fidel Castro, Saddam Hussein, Khomeini, Kim Jong-il e Bin Laden.
Poderíamos temer uma monotonia. Afinal, os heróis do livro são sempre os mesmos: de um lado, um “supermacho” cuja inteligência, o acaso ou a crueldade levaram ao topo do mundo, ao alcance dos deuses; e, de outro, mulheres esgotadas jogadas às feras. Na realidade, nenhuma história repete a outra: que semelhança pode haver entre um aiatolá Khomeini, que gostava de uma mulher apenas, Khadije (“comparável à flor da amendoeira”), devota e respeitosamente até sua morte, e um Fidel Castro, que devora com avidez as mulheres?
Em relação a elas, as mesmas incertezas: nenhuma relação entre, de um lado, a terrível Mirjana Markovic, que impõe a seu marido, o frágil e tímido chefe dos sérvios, Slobodan Milosevic, todas as infâmias que ele comete na Bósnia, na Sérvia ou no Kosovo; e, por outro lado, Najwa, a esposa de Bin Laden, o terrorista do 11 de setembro, que canta assim seu amor louco: “Eu amava tudo nele, desde sua aparência até a suavidade de suas maneiras e sua força de caráter”.
É verdade que, alguns anos mais tarde, Najwa tocará outra canção: “Eu tinha a impressão de estar sozinha no mundo, uma mulher de burca, esquecida de todos. Poucas pessoas na terra conheciam a existência de Najwa Ghanem Bin Laden. E, no entanto, quem poderia negar que eu tinha vivido?”.
Fidel, um veludo
O jovem Fidel Castro é maravilhoso. Na universidade, as garotas disputam esse estudante brilhante, erudito e provocador. Ele é alto e atlético, o rosto viril e a voz grave, um veludo. Uma de suas companheiras, Haydée Santamaría, presa com ele na Ilha dos Pinos, explica: “Eu não me lembro de nada. Mas, a partir daquele momento, eu nunca pensei em mais ninguém. O resto era nuvem de sangue ou de fumaça”. O ataque ao quartel de la Moncada em 1953 foi um sangrento fracasso, mas foi a partir daí que Fidel vestiu os trajes de heroi.
Ele é infatigável. Conduz de maneira desenfreada sua revolução e seus amores. Ele pode falar durante toda a noite em uma cervejaria e de manhã sair com uma mulher extasiada. Elas se sucedem em seus braços, em suas camas, como as figuras de um balé fantástico. Nesse emaranhado de mulheres, nós nos perdemos. Fidel também. Ele embaralha os fios de seu bordado. Às vezes, acaba se enganando de endereço e envia a uma os cumprimentos reservados à outra. Dramas e lágrimas. Para ser perdoado, ele propõe casamento. Aliás, de tempos em tempos, ele se casa.
Como não confundir todas essas belas pesoas? Haydée Santamaría, a esposa Mirta, a rica estudante de medicina Marta Feyde, Natalia Revuelta, Teresa Casuso e seu perfume de violeta, Lilia Amor e outras mais, até o dia em que ele retorna de Sierra Maestra ao lado de uma verdadeira guerrilheira, Celia Sánchez, que vai pôr ordem nessa ciranda de desejos insensatos.
A movimentação de mulheres na suíte 2406 do ex-Hotel Habana Hilton
Depois da vitória e da entrada em Havana, em 7 de janeiro de 1959, Fidel instala seu QG na suíte 2406 do Hotel Habana Hilton, que seria mais tarde rebatizado como Habana Libre. Celia é a dona. Mesmo que seu olhar mostre irritação e que ela identifique suas rivais, algumas se esgueiram como enguias. Na loja onde Teresa Casuso compra seus vestidos, as empregadas se encostam: “Deixe-me tocá-la, você está tão perto dele!”. Uma certa Juanita desejava ter um filho dele.
Ele é chamado de “o coelho”. Sua agenda é tão cheia que ele não tem nem tempo de tirar suas botas, e, diante da suíte 2406, as pessoas de sua escolta batem na porta para lhe dizer que apresse o movimento. O primeiro ano de poder é descrito como “um ano de urgência sexual”. Os jornalistas estrangeiros falam da “revolução sensual”.
Quando quer seduzir, ele emprega os grandes meios. “Eu sou Cuba”, diz a uma jovem americana de origem alemã, Marita Lorenz. A esplêndida atriz americana Ava Gardner não poderia faltar a esse festim, mas Marita Lorenz contra-ataca. Ela agride Ava Gardner: “É você a cadela de Castro?”. Mais tarde, a CIA pensa em utilizar a bela Marita Lorenz para assassinar Fidel. Ela receberia 2 milhões de dólares. A grande noite chega. Ela olha Fidel. Não. Ela treme, e joga as pílulas de veneno no bidê. “Eu o amava.”
As orgias de Kim Jong-il na Coreia do Norte
Kim Jong-il morreu em 17 de dezembro de 2011. Ele reinava com mão de ferro, às vezes de sangue, na Coreia do Norte, esta ditadura comunista assustadora, miserável, fechada e que, há mais de meio século, vive fora do mundo. Baixinho, sem brilho, vagamente obeso, penteado de maneira absurda, seu poder não tinha limites.
E o poder enlouquece. Lá, em Pyongyang, capital da pobreza e do medo, ele desenvolveu para si mesmo e para alguns notáveis e generais uma dolce vita obscena. Tinha uma fixação: sua primeira paixão, muito jovem, foi uma dançarina com longas pernas. Depois disso, para se tornar uma presa de Kim Jong-il, basta ser bonita e dotada de um “belo par de pernas”.
No poder, Jong-il cria “grupos de prazer” que contam com 2 mil garotas recrutadas na saída do colégio e que devem obedecer a certos critérios: ter 18 anos, ser virgens e sem doenças. Três equipes são formadas: a equipe do canto e da dança, a da felicidade, encarregada de massagear os convidados, e a de satisfação, que distribui serviços sexuais.
São festas alucinantes. Os convidados chegam às 19h30. Bebidas são servidas. Eles devem se embriagar bem depressa. Às 22 horas, todos estão bêbados. São apresentadas comidas afrodisíacas – pênis de leão-marinho. Essas festas podiam durar uma semana.
Numa ocasião, um grupo de garotas sobe no palco: “Seus seios”, conta uma das raras testemunhas intrépida o suficiente para fazer uma narrativa, “estavam pouco cobertos pelo sutiã. Na parte de baixo, usavam um simples tecido vermelho bastante opaco. Sem calcinha, elas levantam suas pernas e repetiam gestos estranhos torcendo a cintura”.
Os executivos bêbados sobem então no palco e “tocam as partes discretas”. Jong-il levanta seu copo e pede às garotas que cantem uma canção sul-coreana célebre, Eu Sou Feio.
E então depois…
Bin Laden, o “delicado”
Assim como Fidel Castro, Osama bin Laden seduzia de acordo com sua vontade. Todos aqueles que dele se aproximavam em sua juventude dourada (sua família iemenita e saudita é riquíssima) ficam encantados. Homens, mulheres, ninguém lhe resistia. São sempre as mesmas palavras: nobreza dos traços, calma, suavidade, gentileza, silêncio.
Ele adorava a natureza, gostava de nadar, caçar, montar a cavalo. Em relação à moral, era intransigente. Um dia, com seus jovens primos, na Síria, passou perto de uma macieira carregada de frutos. Todo o grupo subiu nos galhos e se deliciou com as maçãs. Osama, com sua voz suave, lhes deu uma bronca: “Não se deve colher frutas de uma árvore que não nos pertence”.
Tais descrições parecem irreais, aplicadas a um homem que destruiu o World Trade Center em 11 de setembro de 2001, no maior ataque terrorista de todos os tempos; o ser monstruoso que assassinou em massa, aqui e ali, ao acaso, e que empilha homens e mulheres em uma mesma vala comum.
No entanto, as testemunhas são unânimes e não se pode duvidar delas. O assassino é um homem piedoso e virtuoso, de uma moralidade escrupulosa. Todos falam de sua “delicadeza”. Nós atingimos aqui um assustador paradoxo do fanatismo. Bin Laden é simplesmente generosidade, sabedoria, devoção e sacrifício de si. Para purgar o planeta de seus modos impuros, das infâmias do cristianismo, da impiedade dos ocidentais, das vergonhas da democracia, o delicado Bin Laden desencadeia o inferno. Esse coração terno é inacessível à piedade.
Ele conheceu muito jovem sua primeira esposa. Ela é bela, graciosa, alegre e até mesmo frívola. Com 17 anos, ela já está casada. Cerimônia austera. Na casa dos Bin Laden, as festas eram divertidas como as trevas. E, no dia seguinte, Najwa, que gosta tanto de colares, de maquiagens e de bugigangas, é envolvida no niqab (burca) e condenada a viver em purdah (reclusa). Ela não se lamenta: “Eu estava casada com o homem que amava”.
Mais tarde, haverá o engajamento de Bin Laden entre os voluntários que lutam no Afeganistão contra os invasores soviéticos, e depois na criação da Al-Qaeda, a matança de 11 de setembro, a caça ao proscrito. Najwa, as outras mulheres de Bin Laden e seus inúmeros filhos são condenados a uma vida à beira da morte, em condições materiais lamentáveis.
Depois do 11 de setembro, os bombardeios americanos ressoam nas montanhas onde a imensa família do terrorista se esconde. “Ó esposas”, tinha escrito Bin Laden outrora… “Vocês renunciaram aos prazeres do mundo comigo. Renunciem mais uma vez quando eu não estiver mais aqui. Não pensem em se casar, pois vocês precisarão cuidar de seus filhos, fazer sacrifícios e orar por eles.”
Tanta torpeza, derrisões, infantilidades, ultrapassam a compreensão. Como justificar e como admitir que tais homens possam despertar em determinadas mulheres esses sentimentos desumanos, esses sacrifícios e essa coragem infinita? É que o poder fascina as mulheres, como geralmente dizem? Parece simplista. Essa explicação procede de uma filosofia “machista” segundo a qual mulheres se submetem naturalmente ao poder do “macho dominante”. Eu não acredito nisso.
Então? Há outra explicação? Não. É um terrível mistério.
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