Talita Bagnoli Ribeiro ·
O que é o território brasileiro? Para quem está na frente de um mapa, seus limites são nítidos. Mas, quem já se aventurou pelas fronteiras do norte sabe bem o porquê do título desse artigo. Lembram da zebra? Cor sim, cor não. Pois é… Quem vê de perto, vê uma linha pontilhada, onde deveria ser contínua. O que vou dizer agora pode parecer exagerado. Pensem o que quiserem. Podem até achar que é mais um daqueles textos de quem caiu de pára-quedas na Amazônia. Mas uma coisa é certa, senhores: temo pela soberania do nosso país. E tenho meus motivos. Nossas fronteiras estão desprotegidas e nossos militares (muitos deles), corrompidos. Aliás, não só eles, como os índios, pesquisadores e jornalistas.
Trabalho com os índios desde 2001, quando decidi escrever um livro sobre jovens índios suicidas, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Entre os muitos problemas levantados durante os quatro anos que estive lá, um deles, que aparentemente nada tem a ver com as causas do suicídio, foi a presença de paraguaios na reserva. Como nossos vizinhos têm origem Guarani, se assemelham muito com os índios da fronteira. Muitos saem de Pedro Juan Caballero e galgam um “pedacinho de terra” na reserva Francisco Horta, em Dourados, Mato Grosso do Sul. Eles passam despercebidos, são confundidos com os índios e acabam recebendo os mesmos benefícios.
Os Guarani e Kaiowá de Dourados elegem esse como um dos principais motivos para o afastamento da cultura ancestral e aculturação de seu povo. Os forasteiros invadem a aldeia, casam com as índias, vendem drogas, são atendidos pela Funasa e aparecem, desnutridos, no Jornal Nacional. Só mesmo os moradores da aldeia sabem quem é quem.
Viajando a outro extremo. Os índios de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, também reclamam da presença de forasteiros “índios”, na reserva de Cucuí. Eles conseguem, “no mercado negro”, adquirir a identidade indígena, que dá direito a várias regalias, entre elas, afrouxamento das penas e leis bem menos rigorosas.
Mas em Cucuí o problema é ainda maior. Tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela, a região é proibida para brancos. Só trafegam por lá os militares, os índios e as pessoas por eles autorizadas. Coincidentemente, é uma das áreas de maior atuação das Farc na Amazônia. De grandes dimensões territoriais, a fiscalização é difícil e falha: a reserva se transformou em um corredor do tráfico. Uma via fácil, de mão-dupla, entre os três países. Longe, é claro, da fiscalização.
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ALERTA CONSTANTE
ALERTA CONSTANTE
Os Batalhões de Selva vivem em alerta constante. Tabatinga, região conhecida como “a cabeça do cachorro”, inferno amazônida militar, vez ou outra, se vê em guerra com o narcotráfico. Se alguém comete um crime em Tabatinga e cruza a fronteira (que fica a poucos metros), está livre da lei. O que funciona, a partir daí, são as penas da guerra. Fora isso, muitos militares estão insatisfeitos, com medo e desfalcados. Se sentem “jogados aos leões”.
Mais para cima, na fronteira de Roraima com a Venezuela, região indígena de Auaris, a presença de vizinhos também é denunciada pelos Yecuana. Nômades, eles próprios têm parentes na Venezuela. Difícil é saber quem é índio de verdade. Também assolados por uma grave onda de suicídios entre jovens e crianças, os Yecuana dizem que tudo começou com uma planta, trazida por um parente do país vizinho. Dela, eles extraem o veneno que usam para se matar. O vai-e-vem na área é grande. Os militares, que também têm um posto ali, fazem o que podem. Mais uma vez, a fiscalização é falha. O território é imenso e a fronteira, imaginária.
Mas, nem só veneno e drogas, carregam os forasteiros. Muitos, vindos de vários países, se enfiam floresta adentro para cuidar dos índios, fazer negócios lucrativos e garantir permanência na Amazônia. Uma vez instalados legalmente dentro das reservas, eles estão longe da fiscalização pesada. Conseguem o que querem, dando ao índios em troca, um pouco da dignidade que o Brasil teima em fingir que não existe. Eliminam a malária, a subnutrição e levam, para fora, amostras de sangue, de orquídeas e minérios. Para eles, uma troca mais do que justa.
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ESTRANGEIROS
ESTRANGEIROS
Mas existe um passaporte muito mais poderoso para a Amazônia. Uma grande parte das propriedades privadas da região já pertence a estrangeiros. Estão adquirindo parte da floresta, mesmo sem poder explorá-la. Qualquer semelhança com o processo histórico da criação do Estado de Israel é mera coincidência… apesar dos tempos serem outros. Pode parecer utopia, mas vale uma reflexão. Afinal, a melhor estratégia para se vencer uma guerra é se apoiar na história.
E se engana quem pensa que só os índios “caem no conto”. Alguns pesquisadores, desencantados com as políticas brasileiras para fomentação da pesquisa, acabam vendendo o estudo da vida inteira para empresas de fora. Dizem que é o único jeito de vê-las saindo do papel… e de ganhar algum dinheiro com a “descoberta”. Teorias à parte, sabemos que nossos pesquisadores andam muito bem nos grandes centros. Mas aqui, ainda sofrem com a falta de recursos. O Brasil fecha os olhos para onde o resto do mundo os abre.
Os jornalistas? Indiferentes a quase tudo isso. Tudo bem, nem tudo que eu disse aqui posso provar, como manda o figurino. E também, quase ninguém quer publicar. São anos de pesquisas, conversas, imersões em realidades alheias à que a maioria de nós está acostumado. Mas muitas eu posso provar, mas não me atrevo! Voilá…
(Artigo enviado por Delmiro Gouveia)
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