sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Eleições: compulsão à repetição


CARLOS VIEIRA
Em sua pesquisa psicanalítica, S. Freud desenvolveu o conceito de “compulsão à repetição”. Repetir é um funcionamento mental desde o nascimento. Repete-se na aprendizagem de pautas de comportamento dos pais; repete-se para exercitar e constituir a memória; repete-se também para aprender a introjetar, dentro de si, modelos para identificação. Imitação, introjeção e internalização são etapas que se repetem em busca de uma Identidade de Si Mesmo. Logo, repetir é imprescindível para crescer, aprender e se desenvolver psiquicamente. É uma ação mental, saudável, recomendada e necessária.

Na música, por exemplo: quando estudamos uma partitura para poder tocar, fragmentamos nosso estudo em números de compassos. Lemos as frases e períodos musicais, contamos os compassos e tocamos, repetindo aquele trecho até decorá-lo e tocarmos de memória. Repetir, repetir, até introjetar para que possamos tocar, e depois interpretar. Após ter decorado a partitura, o instrumentista, ainda técnico, pode se transformar num artista, agora interpretando (dando sua sensibilidade estética e afetiva para poder transmitir a emocionalidade que o compositor queria ser tocada), ao que foi rememorado. Esse método veja leitor, é peça básica para qualquer atividade criativa. É um repetir criativo, expansivo do conhecimento em qualquer disciplina e no aprender a viver a experiência humana.

Acontece que existe também um outro modo de repetição: a repetição a serviço da mesmice, da compulsão a repetir por repetir, como se fosse um ritual obsessivo sem capacidade criativa. Esse é o conceito de “morte psíquica” na teoria freudiana. Repetir, repetir para não haver mudança, crescimento, desenvolvimento e expansão da personalidade. Aqui não se aprende, aqui a repetição fica a serviço da rigidez, do absolutismo de ideias, da manutenção do “status quo” como um modo de impedir ideias novas e revolucionárias. Exemplo disso é um governo autoritário que cria leis e medidas provisórias que não admite contribuições novas. Repetir como defesa contra o medo do novo! Repetir para se manter no poder; repetir para criar um automatismo mental na sociedade, e não para crescer, desenvolver e progredir.

Outro dia, lendo um livro crônicas de Lima Barreto, um dos nossos mais ilustres escritores do início do Séc. XX autor do famoso “Triste fim de Policarpo Quaresma”, (romance considerado sua obra-prima), deparei-me com o seguinte título: O serviço das eleições, crônica escrita em 1915, com uma atualidade impressionante. Observe caro leitor, um fragmento desse escrito:

“Aproximam-se as eleições para intendentes municipais, os candidatos chovem, os eleitores pululam. Viajo nos bondes e observo a conversa dos ‘gratuitos’ na plataforma. A não serem as praças, que não podem votar, os carteiros e os guardas-civis municipais estão sempre interessados pela salvação da pátria.

Um dia destes assisti uma interessante conversa.

-Sabes, disse um carteiro para outro colega, estou me habilitando para eleitor. Já juntei as minhas nomeações de distribuidor, de servente, de carteiro, ao requerimento que está na junta eleitoral, mas falta-me a certidão de idade.

Em quem tu vais votar?

No doutor Jagodes.

Ele quanto te dá?

Ainda não falei a respeito, mas espero cem mil-réis.

Dá-te cem o que? Vais no arrastão.

Ele prometeu e é homem de palavra.

Qual! Passa nada! Faze como eu.

Como é?

É simples.

Conta lá.

Eu chego ao Tripa-Forra, e digo: ‘Doutor, sou seu admirador e preciso de dez mil-réis, para votar no senhor’. Ele passa a ficha e vou adiante a outro candidato e peço, ‘doutor, preciso de dez mil-réis, para comprar um chapéu e votar no senhor’. Ele passa e corro outro. Assim consigo arranjar mais de cem, sem ser pesado a ninguém. Faze como eu, e nunca te há de faltar dinheiro.”

Preste atenção, prezado leitor, o texto é de 1915! Que maravilha! Desde lá até aos nossos dias atuais, a compulsão à repetição se repete. Repete-se a dupla perversa e psicopática chamada de “corruptor-corrompido”. O “mensalão” pelo menos tem uns 100 anos ou mais! As versões atuais o nosso mestre escritor não conheceu, mas de certo conhecia os princípios antiéticos que norteiam as eleições nesse nosso Brasil. 

Fica aqui registrado para todos os leitores, e principalmente os mais jovens: prefiram os “fichas-limpas” (poucos, talvez!); observem os que fazem pactos de votos e vantagens posteriores para benefícios mútuos; lembrem que estamos vivendo um momento histórico, de mudança na Política, uma política nova, transformadora!


Recomendo aos amigos a lerem “Lima Barreto – Antolgia de Crônicas – Organização, apresentação e notas de Mario Higa, Lazuli Editora, 2010,SP.
Carlos de Almeida Vieira - psicanalista e psiquiatra.

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