Não bastassem as barbáries todas que já colecionávamos sobre o caso Amarildo, sabemos agora, desta vez pelo testemunho de um policial, que o comando da UPP da Rocinha trancou parte do efetivo dentro da unidade enquanto o pedreiro era torturado até a morte do lado de fora, na noite de 14 de Julho.
Sem poder sair dos contêineres onde funciona a sede da UPP, o policial contou à Polícia Civil ter ouvido, ao lado de uma dezena de colegas, durante 40 minutos, gritos e ruídos de agressões físicas. Não foram testemunhas oculares, mas auditivas.
O inacreditável é que tudo isso ocorreu bem ali, no coração da Zona Sul, num momento em que a Rocinha - maior favela do país com 70 mil habitantes, segundo o IBGE -, estava sob holofotes justamente porque iniciara há alguns meses o processo de pacificação.
O oficial que comandava a nova UPP - hoje preso como suspeito de participação direta em todas as etapas do crime brutal - era figura carimbada nos noticiários. Cabia a ele divulgar o projeto do governo Cabral numa área estratégica do Rio de Janeiro.
E pensar que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram apresentadas há cinco anos como revolucionárias! Trariam uma nova polícia amigável, especialmente treinada para respeitar os direitos humanos dos moradores das favelas...
Foto: Divulgação / ABr
Instaladas assim que os pelotões especiais expulsassem os traficantes armados, elas abririam espaço para a implantação dos serviços públicos há tanto esperados.
No mundo ideal, a paz alcançaria não só as comunidades, mas também toda a cidade, beneficiada com a queda dos índices de criminalidade.
E, enfim, o Rio teria condições mínimas de civilidade e segurança para receber eventos internacionais como a Copa e as Olimpíadas. O projeto prossegue contabilizando vantagens, mas sua imagem e credibilidade estão profundamente abaladas. Corrompeu-se a esperança na novidade chamada UPP.
A cada nova descoberta aterrorizante imposta a Amarildo de Souza, ecoa a seguinte pergunta, que tomo emprestada do articulista do Observatório da Imprensa, Mauro Malin, ao referir-se ontem à grande reportagem de Leonêncio Nossa, “Sangue Político”: “Alguém acredita que um país com essa realidade tem chance de se desenvolver – na acepção correta da palavra?"
É difícil manter as esperanças num cenário de violência, desrespeito aos direitos humanos, impunidade e injustiça. Tudo isso sob comando, nas ruas, de um aparato repressivo que é a herança maldita legada aos brasileiros pela ditadura militar.
Mara Bergamaschi é jornalista e escritora. Foi repórter de política do Estadão e da Folha em Brasília. Hoje trabalha no Rio, onde publicou pela 7Letras “Acabamento” (contos,2009) e “O Primeiro Dia da Segunda Morte” (romance,2012). É co-autora de “Brasília aos 50 anos, que cidade é essa?” (ensaios,Tema Editorial,2010).
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