CARLOS VIEIRA
Sonhar é um recurso de todo ser humano; sonhar é uma forma de viver experiências psíquicas que a nossa mente censura durante a vigília. Vivemos de sonhos, de devaneios, de expectativas e desejos.
Após um século do seu livro – “A Interpretação dos Sonhos” Freud é contemporâneo, é atual, pois lá ele enfatizava que os nossos sonhos são “realizações de desejos”. Aliás, a psicanálise surgiu da interpretação dos próprios sonhos dele. Todos nós somos movidos por pulsões, por desejos, de preferências, desejos de satisfações, de prazer. É verdade também, que temos desejos de sofrer, por paradoxal que parece. Esses desejos de sofrer remetem à questões da culpa e castigos, consequência de atos agressivos e destrutivos em nossa vida. Nos sonhos do sono abre-se um cenário plástico para que realizemos desejos proibidos, contra a norma ética da realidade. Desejos de odiar, de ferir, de ser grandioso, de viver experiências de onipotência, de ter relações interditadas pela realidade; desejos de fazer coisas que normalmente seriam criticadas pela moral e a ética. Desejos perversos, desejos malucos, loucos, tresloucados, enfim, experiências de prazer que a própria censura impede quando estamos acordados. O sonho pode ser visto como um espaço de “loucura permitida” onde realizamos fantasias conscientes e inconscientes. Sonhar é pensar; sonhar é uma espécie de pensamento primitivo que atende à mente na elaboração inconsciente de seus conflitos.
Há, nas obras completas de Jorge Luis Borges, escritor argentino e ícone da literatura universal, um profundo ensaio sobre “O Pesadelo”, no livro das Sete Noites, 1980. Lá, encontramos uma sacada do autor que diz:” A cada homem é dada, com o sonho, uma pequena eternidade pessoal que lhe permite ver seu passado próximo e seu futuro próximo". Sabia Borges tanto quanto Freud que, nos sonhos que, diga-se passagem, é atemporal, presentificamos o nosso passado e atualizamos o nosso futuro. Sonhamos com pessoas queridas que já faleceram, para quem sabe, tê-los no presente; matar as saudades, “eternizar o tempo” e se satisfazer num reencontro. Ao mesmo tempo sonhamos realizando desejos que ainda são impossíveis no tempo presente. “Ao acordar, posso dar a esse sonho tão simples uma complexidade que não lhe pertence, posso pensar que sonhei com um homem que se transforma em árvore, que era uma árvore. Modifico os fatos, já estou fabulando”, prossegue Borges se referindo ao sonhar. Pois bem, sonhar é um recurso fantástico que está a serviço das nossas necessidades e intenções.
Mas, podemos inferir algo interessante de ser considerado: será que nossa vida real não é um grande sonho enquanto vivemos? Qual a diferença exata entre realidade e ficção? Prossegue o nosso autor: “Para o selvagem ou para criança, os sonhos são um episódio da vigília; para os poetas e místicos, não é impossível que toda a vigília seja um sonho. Isso é dito, de modo seco e lacônico, por Calderón: a vida é um sonho. E é dito, já com uma imagem, por Shakespeare: ”somos feitos da mesma matéria de nossos sonhos”; e, esplendidamente, é dito pelo poeta austríaco Walter Von der Vogelweide...”sonhei minha vida ou foi realidade?
O que se evidencia em nossa trajetória de vida é que estamos ou não estamos realizando nossos sonhos. Há pessoas que se não realizam seus desejos, ficam loucos, intolerantes, tristes, depressivos, como se a não realização fosse eterna. Há outras que não param de sonhar, e sonham tanto que perdem o senso de realidade. Também existem os psicóticos: os psicóticos não sonham, porque realizam seus desejos no conteúdo da sua loucura. É claro que se paga um preço, o preço de enlouquecer por não suportarem às frustrações da realidade.
Dormir, sonhar e acordar é um acontecimento comum em nossas vidas. Às vezes, acordamos com a impressão que sonhamos, mas não lembramos do sonho. Às vezes, no meio do sonho, que se transformou em pesadelo, acordamos, pois é tanta angustia e desespero que a nossa mente interrompe o sonho como um mecanismo defensivo.
Continua Borges em seu ensaio:”Agora chegamos à espécie, ao pesadelo. Não será inútil lembrar os nomes do pesadelo. O nome pesadelo em espanhol, pesadilla, não é muito feliz: o diminutivo parece subtrair-lhe força. Em outras línguas os nomes são mais fortes. Em grego a palavra é efialtes: Efialtes é o demônio que inspira o pesadelo. Em latim temos incubus. O incubo é o demônio que oprime o adormecido e inspira-lhe o pesadelo. Em alemão temos uma palavra muito curiosa: Alp, que viria a significar o elfo, a mesma ideia de um demônio que inspira o pesadelo...Chegamos agora à palavra mais sábia e ambígua, o nome inglês do pesadelo: the nightmare, que para nós significa “a égua da noite”.”
Note-se que nesse recorte Borges sempre vai em direção de um demônio, de algo externo que invade nossa mente e provoca um sonho de muita angústia, o pesadelo. É realmente difícil nós, as pessoas, admitirem que o que aparece em nossos sonhos são os demônios de nossas próprias mentes. Os nossos desejos, como dizia Freud, polimorfos perversos.
Quando às vezes alguém sonha com situações que ele mesmo critica e censura, diz: “foi o sonho”, como se não tivesse nada a ver com ele. O sonho como se fosse algo que se intromete na noite, se intromete na mente, e não como algo pertencendo a própria realidade psíquica. Sonhar é da nossa responsabilidade, tanto consciente como inconsciente, pois nossa é a mente que sonha, como é nossa mente que devaneia no estado de vigília.
Enfim, o sonho pode ser visto como uma intenção de ideal para nossa vida. Deixo o leitor com um poema do nosso autor Borges:
“A noite nos impõe sua tarefa/ mágica. Destecer o universo,/ as infinitas ramificações/ de efeitos e de causas, que se perdem/ na vertigem sem fundo que é o tempo./ A noite quer que esta noite esqueças/ teu nome, teus ancestrais e teu sangue,/ cada palavra humana e cada lágrima,/ o que a vigília pôde te ensinar, / o ponto ilusório dos geômetras, / a linha, o plano, o cubo, a pirâmide,/ o cilindro, a esfera, o mar, as ondas,/ tua face sobre a fronha, o frescor/ do lençol estreado, os jardins/ os impérios, os Césares e Shakespeare/ e o que é mais difícil, o que amas./ Curiosamente, uma pílula pode/ riscar o cosmo e erigir o caos”.
Após um século do seu livro – “A Interpretação dos Sonhos” Freud é contemporâneo, é atual, pois lá ele enfatizava que os nossos sonhos são “realizações de desejos”. Aliás, a psicanálise surgiu da interpretação dos próprios sonhos dele. Todos nós somos movidos por pulsões, por desejos, de preferências, desejos de satisfações, de prazer. É verdade também, que temos desejos de sofrer, por paradoxal que parece. Esses desejos de sofrer remetem à questões da culpa e castigos, consequência de atos agressivos e destrutivos em nossa vida. Nos sonhos do sono abre-se um cenário plástico para que realizemos desejos proibidos, contra a norma ética da realidade. Desejos de odiar, de ferir, de ser grandioso, de viver experiências de onipotência, de ter relações interditadas pela realidade; desejos de fazer coisas que normalmente seriam criticadas pela moral e a ética. Desejos perversos, desejos malucos, loucos, tresloucados, enfim, experiências de prazer que a própria censura impede quando estamos acordados. O sonho pode ser visto como um espaço de “loucura permitida” onde realizamos fantasias conscientes e inconscientes. Sonhar é pensar; sonhar é uma espécie de pensamento primitivo que atende à mente na elaboração inconsciente de seus conflitos.
Há, nas obras completas de Jorge Luis Borges, escritor argentino e ícone da literatura universal, um profundo ensaio sobre “O Pesadelo”, no livro das Sete Noites, 1980. Lá, encontramos uma sacada do autor que diz:” A cada homem é dada, com o sonho, uma pequena eternidade pessoal que lhe permite ver seu passado próximo e seu futuro próximo". Sabia Borges tanto quanto Freud que, nos sonhos que, diga-se passagem, é atemporal, presentificamos o nosso passado e atualizamos o nosso futuro. Sonhamos com pessoas queridas que já faleceram, para quem sabe, tê-los no presente; matar as saudades, “eternizar o tempo” e se satisfazer num reencontro. Ao mesmo tempo sonhamos realizando desejos que ainda são impossíveis no tempo presente. “Ao acordar, posso dar a esse sonho tão simples uma complexidade que não lhe pertence, posso pensar que sonhei com um homem que se transforma em árvore, que era uma árvore. Modifico os fatos, já estou fabulando”, prossegue Borges se referindo ao sonhar. Pois bem, sonhar é um recurso fantástico que está a serviço das nossas necessidades e intenções.
Mas, podemos inferir algo interessante de ser considerado: será que nossa vida real não é um grande sonho enquanto vivemos? Qual a diferença exata entre realidade e ficção? Prossegue o nosso autor: “Para o selvagem ou para criança, os sonhos são um episódio da vigília; para os poetas e místicos, não é impossível que toda a vigília seja um sonho. Isso é dito, de modo seco e lacônico, por Calderón: a vida é um sonho. E é dito, já com uma imagem, por Shakespeare: ”somos feitos da mesma matéria de nossos sonhos”; e, esplendidamente, é dito pelo poeta austríaco Walter Von der Vogelweide...”sonhei minha vida ou foi realidade?
O que se evidencia em nossa trajetória de vida é que estamos ou não estamos realizando nossos sonhos. Há pessoas que se não realizam seus desejos, ficam loucos, intolerantes, tristes, depressivos, como se a não realização fosse eterna. Há outras que não param de sonhar, e sonham tanto que perdem o senso de realidade. Também existem os psicóticos: os psicóticos não sonham, porque realizam seus desejos no conteúdo da sua loucura. É claro que se paga um preço, o preço de enlouquecer por não suportarem às frustrações da realidade.
Dormir, sonhar e acordar é um acontecimento comum em nossas vidas. Às vezes, acordamos com a impressão que sonhamos, mas não lembramos do sonho. Às vezes, no meio do sonho, que se transformou em pesadelo, acordamos, pois é tanta angustia e desespero que a nossa mente interrompe o sonho como um mecanismo defensivo.
Continua Borges em seu ensaio:”Agora chegamos à espécie, ao pesadelo. Não será inútil lembrar os nomes do pesadelo. O nome pesadelo em espanhol, pesadilla, não é muito feliz: o diminutivo parece subtrair-lhe força. Em outras línguas os nomes são mais fortes. Em grego a palavra é efialtes: Efialtes é o demônio que inspira o pesadelo. Em latim temos incubus. O incubo é o demônio que oprime o adormecido e inspira-lhe o pesadelo. Em alemão temos uma palavra muito curiosa: Alp, que viria a significar o elfo, a mesma ideia de um demônio que inspira o pesadelo...Chegamos agora à palavra mais sábia e ambígua, o nome inglês do pesadelo: the nightmare, que para nós significa “a égua da noite”.”
Note-se que nesse recorte Borges sempre vai em direção de um demônio, de algo externo que invade nossa mente e provoca um sonho de muita angústia, o pesadelo. É realmente difícil nós, as pessoas, admitirem que o que aparece em nossos sonhos são os demônios de nossas próprias mentes. Os nossos desejos, como dizia Freud, polimorfos perversos.
Quando às vezes alguém sonha com situações que ele mesmo critica e censura, diz: “foi o sonho”, como se não tivesse nada a ver com ele. O sonho como se fosse algo que se intromete na noite, se intromete na mente, e não como algo pertencendo a própria realidade psíquica. Sonhar é da nossa responsabilidade, tanto consciente como inconsciente, pois nossa é a mente que sonha, como é nossa mente que devaneia no estado de vigília.
Enfim, o sonho pode ser visto como uma intenção de ideal para nossa vida. Deixo o leitor com um poema do nosso autor Borges:
“A noite nos impõe sua tarefa/ mágica. Destecer o universo,/ as infinitas ramificações/ de efeitos e de causas, que se perdem/ na vertigem sem fundo que é o tempo./ A noite quer que esta noite esqueças/ teu nome, teus ancestrais e teu sangue,/ cada palavra humana e cada lágrima,/ o que a vigília pôde te ensinar, / o ponto ilusório dos geômetras, / a linha, o plano, o cubo, a pirâmide,/ o cilindro, a esfera, o mar, as ondas,/ tua face sobre a fronha, o frescor/ do lençol estreado, os jardins/ os impérios, os Césares e Shakespeare/ e o que é mais difícil, o que amas./ Curiosamente, uma pílula pode/ riscar o cosmo e erigir o caos”.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.
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