domingo, 24 de março de 2013

Coisas, por Luis Fernando Veríssimo



Da série “Coisas que a vida ensina”: com o tempo, ou nos transformamos nos nossos pais ou nas pessoas sobre as quais nossos pais nos preveniam.
CORPORAÇÃO
Há pessoas que, com o tempo, acrescentam outra.
O rosto fica mais carnudo, a cintura se expande, tudo engrossa: incorporam um estranho. Com outras acontece o contrário, perdem um outro inteiro (Jô Soares, há muito tempo, depois de emagrecer com uma dieta: “Perdi um Wilson Grey”).
Deve ser parte do falado amor da Natureza ao equilíbrio: nada aumenta aqui que não diminua em outro lugar, e vice-versa. E há um certo consolo em pensar que nossa barriga pode ser a barriga enjeitada de outro.
CARGA
E quando chegar a hora de aproveitarmos toda a experiência que acumulamos com o tempo, tudo que a vida nos ensinou através dos anos, toda a sabedoria, toda a filosofia, todo o savoarfer, não teremos mais a energia.
Será um pouco como amontoar tanta coisa no lombo de um burro que ele não consegue sair do lugar.
ÂNGULO
(Da série “Poesia numa hora destas?!”)
As paixões humanas não mudam,
muda o angulo de visão:
hoje é comportamento obsessivo
o que era amor de perdição,
falta de carboidratos
em vez de desmaios por desilusão,
contratos bem redigidos
em vez de juras do coração,
e temporadas num spa
para esquecer a separação.
E o que antes era voyeurismo,
hoje é contemplação.

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