Gabriela Antunes
Latinidade não é exatamente o que vem à mente quando se pensa no país mais ao sul do continente. Com uma capital com ares europeus, população embranquecida, a Argentina parece passar longe do feeling tropical “soy loco por ti América”.
Vibrante não é bem a palavra para descrever os pampas. O país abarca uma grande metrópole, ao redor da qual orbita muito da vida da nação, cidades periféricas, um pasto infinito em seu bojo e grandes extensões ermas e inóspitas ao sul. Impossível pensar em maracas ou caipirinhas. Mas nada disso vem em mente diante de uma obra do fotógrafo Marcos López.
“A umidade cinza da província de Santa Fé. O ressentimento que provoca os amores não correspondidos. Além disso, vale a aclaração: Argentina não é México. A Argentina é um par de pastos ao sul e um grupo de gaúchos a esmo rindo de piadas que nunca entendi”, disse uma vez López.
Na santa ceia almodovariana de López, um churrasco em Mendoza com cores beirando o neon e uma latinidade que, não fosse criolla, jamais seria argentina, fica clara a vocação do fotógrafo ao surrealismo. Na obra do artista, misticismo local, folclore, crenças, tangos, ícones nacionais, figuras históricas se misturam para criar um retrato hiperbólico de um país feito de bairros, armazéns, campos, arenas políticas e personagens absurdos.
Em Buenos Aires desde a década de oitenta, vindo de um povoado da província de Santa Fé carregando melancólicas fotos em preto e branco permeadas da infância na bucólica Gálvez (que até hoje não supera os 20 mil habitantes), López transforma-se numa espécie de Andy Warhol dos pampas, o pai de um movimento pop e nativo.
“Um festival de fotografias hiperbarrocas, instalações, pinturas, vídeos, desenhos, aquarelas, tudo com um inconfundível mix de iconografia mestiça, kitsch, cor furiosa e paixão”, a revista de cultura do jornal Clarín escreve sobre a exposição “Debut y Despedida” que estará até o próximo dia 31 na capital Argentina.
O artista oferece uma mirada exagerada sobre um país com mitos próprios, fantasmas recorrentes, políticos messiânicos e um DNA forjado pela imigração.“O que se chamou de pop latino de Marcos López é um país de vendedores de terrenos virtuais, máscaras de brilhantina, parques de diversões de papelão, promoções com fritas, campanhas políticas chinfrins e cartazes amarrados a arames que prometem o impossível. Não há pessoas e sim personagens bidimensionais, estereótipos elevados à enésima potência”, escreveu uma vez um crítico do jornal Pg 12.
No mundo de Marcos López, a Argentina é uma festa pop e kitsch, um exagero de país.
Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires.
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