quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Famosa por cenário de destruição em guerras, Gaza vive corrida imobiliária


MARCELO NINIO - Folha de São Paulo

ENVIADO ESPECIAL À FAIXA DE GAZA

Conhecida pelo cenário de destruição das guerras com Israel, a faixa de Gaza vive um boom de construção.
Novos prédios são erguidos por toda a parte, alguns de 15 andares ou mais, numa corrida imobiliária que muda a paisagem e dá esperança de recuperação econômica.
Cinco anos após Israel e Egito fecharem as fronteiras, em reação ao controle do território pelo grupo extremista islâmico Hamas, Gaza está tomada por obras. São projetos de reforma da infraestrutura e prédios residenciais e turísticos, com requintes de luxo.
De onde vem o dinheiro para todo esse investimento? Parte considerável tem origem em doações internacionais, como os R$ 800 milhões dados pelo emir do Qatar em sua visita recente a Gaza.
São usados em obras de infraestrutura e conjuntos habitacionais populares. Com dinheiro qatariano e saudita, duas novas cidades estão sendo erguidas no sul de Gaza, área onde, até a retirada israelense em 2005, havia assentamentos israelenses.
Said Khatib /AFP
Palestino trabalha na construção de projeto residencial patrocinado pela ONU, em Rafah, no sudeste da faixa de Gaza
Palestino trabalha na construção de projeto residencial patrocinado pela ONU, em Rafah, no sudeste da faixa de Gaza
Sob o comando do Hamas, são construídas milhares de moradias populares, dezenas de escolas e hospitais. Projetos de médio e longo prazo, que têm impacto imediato no desemprego.
Na paisagem de Gaza, porém, chamam atenção construções com investimento privado. Estima-se em mais de 500 o número de torres residenciais, além de projetos comerciais, como um hotel de alto padrão e mais um shopping.
Grande parte do investimento tem origem na "economia do bloqueio", baseada na indústria de túneis que floresceu sob a fronteira com o Egito para driblar o cerco.
Segundo o jornal panárabe "Asharq Al-Awsat", os túneis produziram 600 novos milionários. O boom de construção em Gaza seria, em parte, impulsionado pela lavagem de dinheiro.
"Há muitos rumores", disse Mohamed Ziara, diretor do Centro de Engenharia e Planejamento de Gaza. "Mas nos cinco anos de bloqueio muita gente fez fortuna com os túneis." Há ainda investidores palestinos dentro e fora de Gaza, incluindo "partidos políticos" que viram oportunidade de fazer bons negócios suprindo a escassez de moradia em Gaza. Muitos deles ligados ao Hamas.
O jornalista palestino Khaled Abu Toameh, do jornal "Jerusalem Post", calcula que 25% do orçamento do governo islâmico de Gaza venha de impostos cobrados dos donos dos túneis. O boom dos últimos dois anos foi possível graças a esses túneis, que permitiram o contrabando de materiais de construção do Egito, proibidos por Israel.
Além disso, o bloqueio à entrada de produtos foi reduzido ao mínimo. Hoje, nas prateleiras de Gaza, produtos israelenses de melhor qualidade competem com egípcios, bem mais baratos.
A economia da faixa de Gaza cresceu 27% em 2011, na comparação com 2010 -houve aumento de 23% no PIB per capita. Segundo o Escritório Palestino de Estatística, o desemprego caiu de 45% em 2010 para 28,4% no segundo semestre deste ano.
Para a ONU, a melhora é temporária. Em relatório recente, fez previsão sombria da economia de Gaza até 2020, afirmando que não acompanhará o crescimento da população, dos atuais 1,6 milhão para 2,1 milhões.
Mais de um terço dos moradores vive abaixo da linha de pobreza. Os serviços básicos (água, esgoto e eletricidade) são precários. O corte de luz (8h por dia) virou rotina.
Mesmo assim, há quem aposte na recuperação. Dona de um restaurante frequentado pela alta classe de Gaza, Mona Ghalayini investiu R$ 3 milhões num grande hotel à beira-mar, em fase final de construção. "Com sua posição geográfica e clima, o futuro econômico de Gaza é o turismo", diz ela, que sonha com uma riviera palestina no Mediterrâneo, mistura de Dubai, Beirute e Istambul.
Um dos projetos financiados com R$ 6 milhões do Qatar é uma estrada costeira nos 40 km de extensão da faixa de Gaza, que inclui plano paisagístico e calçadão. Para o engenheiro Ziara, responsável pela obra, o boom imobiliário chegou ao limite: a maioria não tem recursos para comprar um imóvel e é necessária ajuda internacional para criar um sistema financeiro que conceda crédito.

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