Percival Puggina
Volto ao assunto porque, malgrado venha suscitando pouco interesse, ele é política e socialmente relevante em todos os seus aspectos. Quando o STF declarou constitucional o sistema de cotas raciais adotado pela UnB, ocorreu algo extraordinário. Ficou óbvio que os ministros queriam aprovar o sistema. A Constituição, não obstante, vedava a discriminação racial. Coube ao relator, Ricardo Lewandowski, esgueirar seu voto favorável às cotas por uma estreita ponte pingente (daquelas que balançam mas não caem). E sobre ela cruzou a insuperável barreira constitucional. Como? Elementar, meu caro Toffoli: as cotas raciais só devem viger enquanto necessárias, doutrinou ele. Ou seja, provisoriamente. Pronto! Passou o boi.
Naquela ocasião, escrevi um artigo afirmando que, a partir de tão destrambelhada decisão, todo certame intelectual, toda prova de habilitação, todo exame de ordem, todo concurso para magistratura, que não previsse cotas raciais seria provisoriamente inconstitucional. Com efeito, se a necessidade de discriminar impunha-se sobre o cristalino óbice da Carta, então deveria prevalecer para tudo mais. Não deu outra. Está passando a boiada. Vários concursos já enveredaram por aí. Tenho recebido mensagens de pessoas queixosas com a discriminação sofrida em processos seletivos. Afinal, se haver cursado tal ou qual curso superior era pré-requisito do concurso, que diferença pode haver entre o diploma de um branco e o diploma de um negro? Ambos superaram as barreiras de entrada e saída da Universidade. Por que, então, continuar levando em conta a cor da pele? Considerá-los hipossuficientes, mesmo com diplomas sob o braço, insulta os negros! Isso, para mim, é racismo da pior espécie, ofensivo, aviltante.
Por trás de tanta falta de juízo há política e ideologia. Há a completa submissão dos prejudicados, incapazes de levantar um dedo e balançá-lo para a esquerda e para a direita dizendo não. Há a multidão dos que creem que nada têm a ver com isso, embora paguem religiosamente todas as contas. E há a demagogia, que é, sempre, um sucesso de público, notadamente quando distribui agrados e favores. Por mais que os fatos se encarreguem de desacreditá-los, sempre surgem novos demagogos e novas formas de sedução para atrair eleitores. Aliás, não nos faltariam estadistas se a mentira e a demagogia não fossem mais sedutoras do que a verdade. Mas, pelo jeito, jamais precisaremos, nas funções de Estado, criar cotas para os menos capazes nem para os menos responsáveis.
Reconheço que as diferenças reais entre ricos e pobres, sadios e enfermos, jovens e idosos, entre outros, exigem tratamento correspondente de parte do poder público. Mas não vejo sentido em discriminações raciais. Estabelecê-las é de uma gravidade extrema! No meu ponto de vista, os defensores das cotas raciais podem ser classificados em três grupos: a) o grupo dos demagogos que as concedem (PT e partidos de esquerda); b) o grupo dos interessados que delas se beneficiam direta ou potencialmente; c) o grupo dos racistas que não sabem o quanto são racistas. (*)
Fui dar uma olhada no ministério de dona Dilma, que anuncia para dezembro a adoção da política de cotas para os concursos públicos federais. São 25 ministérios de fato, mais nove secretarias e seis órgãos com status de ministério, ligados, também, diretamente à Presidência da República. Total, para fins protocolares: 40 senhores ministros e ministras. Quantos negros? Lamento informar que apenas um. Aliás, uma. Não por acaso, a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Não sei por que, após essa constatação, me sobreveio a sensação de que alguém, em algum lugar, estava sendo hipócrita. Se o governo vê com tão bons olhos uma política de cotas raciais, por que não a adota no próprio governo? Uma ministra cotista entre 40 colegas?
* O texto que enviei para a coluna de Zero Hora não inclui este parágrafo por exceder o limite de palavras possibilitado pela diagramação.
Zero Hora, 04 de novembro de 2012
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