quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Pró-mercado? (1), por Carlos Alberto Sardenberg



Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Vamos falar francamente: as relações do governo Dilma com o setor privado caíram no pior dos mundos. Há uma perversa combinação de hostilidade ideológica, negócios de compadres e corrupção. Nesse ambiente, só investe quem consegue um jeito de transferir o risco para o governo, obter financiamento e/ou subsídio e/ou acertar com funcionários na base da propina.
Por partes: a hostilidade é evidente. A presidente Dilma acha que não existe isso. Para ela, o que há é má vontade e hostilidade da parte do setor privado contra seu governo.
Mesmo, porém, os aliados mais próximos da presidente, como Delfim Netto, admitem que “agentes públicos”, em especial aqueles ligados ao setor de infraestrutura, “manifestam prepotência e muita idiossincrasia” — um jeito mais neutro, digamos, de falar ideologia estatizante.
Ou seja, a culpa não é da presidente, mas o problema existe. Haveria, em torno da presidente, um pequeno grupo de assessores de viés estatizante.
Será?
Começa que Dilma não exerce uma administração, digamos, frouxa e maleável.
Ao contrário, todos dizem que costuma impor seus pontos de vista. Considerem o caso da Eletrobras e a proposta de redução das tarifas. Dirigentes e técnicos da estatal comentaram diversas vezes, para quem quisesse ouvir, que a proposta simplesmente quebra a Eletrobras. Mostraram os números. Aí, reúnem-se diretoria e conselho — e dão apoio entusiasmado à proposta da presidente.
Além disso, a presidente manifesta com frequência, às vezes sem querer, sua visão negativa acerca dos empresários e banqueiros, estes alvos preferenciais.
“Ganharam muito dinheiro no mole, às custas do povo” — isto resume o sentido de várias manifestações.
Banqueiros, por exemplo, “perderam o último almoço grátis” com a redução dos juros, disse a presidente. Claro que os juros estavam muito elevados e que a rentabilidade dos bancos brasileiros era elevada — embora menos alta do que em diversos outros emergentes, Colômbia, por exemplo, países que, aliás, crescem mais que a gente.
Mas, vá lá, são governos liberais, não é mesmo?
Como a presidente Dilma não se cansa de lembrar, todos os empresários que iam lá reclamavam dos juros. Mas métodos contam. O movimento dos juros teve dois lados. De um, o BC reduziu fortemente a taxa básica, uma política meio contestada, meio apoiada, hoje vista como um risco razoável, mas cuja sustentabilidade está por ver (e com uma inflação que não vai para a meta de jeito nenhum).
O segundo movimento foi mais importante: o governo mandou o Banco do Brasil e a Caixa reduzirem drasticamente os juros ao consumidor e aumentarem a concessão de crédito. Ou seja, o setor público impõe forte concorrência ao privado.
Essa concorrência é claramente desleal. Os bancos privados, diante da queda da rentabilidade, precisaram segurar o crédito, torná-lo mais seletivo e dar um jeito de reduzir custos. Os públicos não estão nem aí.
Primeiro, porque não quebram. Quer dizer, quebram, como já quebraram antes, mas sempre contam com o dinheiro do contribuinte brasileiro, via resgates do governo. Seus dirigentes não correm riscos. O acionista privado, sim, este já está perdendo, mas o governo não está nem aí para eles.
A queda do valor das ações do BB teria sido “ataque especulativo” do mercado.
Além disso, BB e Caixa têm fontes de renda que os privados não têm: folhas de pagamentos dos servidores federais, depósitos judiciais e a prerrogativa de atuar como arrecadadores de tributos. No caso da Caixa tem mais: as tarifas caras espetadas no governo pela administração do FGTS e o quase monopólio do Minha Casa Minha Vida.
Ora, pensam os empresários que reclamavam dos juros altos: se ela faz isso com os bancos, pode fazer com qualquer outro setor da economia. E fez, com as elétricas, com o câmbio, com as regras sempre mudando.
Trataremos de cada tema desses nas próximas colunas.

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