Saí de casa de manhã, ainda meio adormecida, apenas 5 graus, uma chuva fina caía. De repente, na curva da esquina, uma moto na calçada freou. O jovem condutor – sim, tenho que reconhecer que ele era pelo menos 10 anos mais jovem que eu – soltou um “desculpe, madame”.
Ainda que ele viesse devagar e pedisse desculpas, se tem uma coisa que eu não aceito é moto na calçada. Vendo a minha cara de descontentamento ele continuou, ainda pela calçada, e disse “oh-la-la”.
Não me contive. Comecei a rir sozinha com a situação: um francês, que cometia uma contravenção ficou horrorizado com o meu mau humor ao ouvir seu pedido de desculpas. Isso não seria uma inversão de papéis?
Normalmente não somos nós que ficamos chateados diante de tanto mau humor francês quando cometemos nossas pequenas infrações diárias às regras de boa convivência como falar baixo em lugares públicos e não fazer festas até altas horas da madrugada?
Se o mal-estar for realmente uma marca da civilização, vulgarizando de maneira selvagem Freud, podemos dizer que os franceses são extremamente civilizados. Aliás, os estrangeiros que moram aqui costumam ir mais longe na teoria psicanalítica afirmando que tal comportamento não passaria de “falta de amor”.
Com amor ou sem ele, o certo é que os pobres franceses ficaram conhecidos universalmente por esta eterna insatisfação.
O típico comportamento mal-humorado francês é: fechar a cara, bater o pé no chão e dar uma baforada, um tipo de expiração pela boca. Essas baforadas podem ser longas ou curtas. Quanto mais longa, maior a insatisfação.
Claro que esta descrição é bastante caricata. Os franceses não saem dando baforadas a torto e a direito. Eles costumam ser amáveis, gentis, desde que você não pise no calo deles, mas não dá para negar que existe um tendência cultural a ver o lado negativo das coisas. Nada é bonito ou bom, tudo é “pas mal”.
Mas eu acho que isso até tem um lado positivo. Na França ninguém é obrigado a viver 24 horas por dia com um sorriso no rosto, jogando o jogo do contente. Você pode dizer abertamente que “ça ne va pas”, ou que as coisas não vão bem, as pessoas convivem bem com diferentes estados de espírito e de humor.
Mas claro que para o estrangeiro é difícil entender como alguém que mora em Paris pode viver de mau humor.
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras
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