Em um dicionário de 1729, capricho era notada como palavra oriunda do italiano, uma palavra composta de caput e hecho, isto é, feito com a própria cabeça. Em pintura tinha o sentido de conceito.
Goya, segundo ele mesmo dizia, foi um homem de capricho, i.e. aquele que tem “perspicácia para criar ideias originais, novas, e que resultam bem”.
Hoje o dicionário diz que capricho é uma decisão que se toma arbitrariamente, inspirada por uma fantasia, ou pelo humor do momento, ou por se encantar com algo original ou extravagante. Mas também diz que capricho é obra de arte na qual o engenho e a fantasia rompem as convenções.
A intenção de Goya ao lançar Os Caprichos, em 1799, foi a de mostrar que a crítica aos vícios e erros humanos, matérias com a qual a poesia e a eloquência lidavam muito bem, podia também ser objeto da pintura. E isso ele o conseguiu largamente. Não há o que duvidar ao olhar para suas gravuras.
Sabemos que as pessoas tentavam adivinhar quem o artista desenhara aqui ou ali, como se Os Caprichos fossem um roman a clé. Com frequencia diziam que as mulheres eram um retrato da rainha Maria Luisa e seu amante Manuel Godoy: uma mulher manipulativa e seu amante sequioso de poder.
As morenas, que chamam a atenção em suas gravuras, todos acreditavam ser a Duquesa de Alba, sua amante por longo tempo e sua grande paixão.
Entretanto, no texto que acompanha o catálogo de Os Caprichos, Goya declara que em nenhuma de suas pranchas teve a ideia de apontar ou ridicularizar alguém em particular... “ a pintura, como a poesia, escolhe no universal o que julga mais a propósito para seus fins”.
Na Espanha qualquer ambiguidade ou desconfiança podia levar o artista às barras do Tribunal ou, o que era pior, diante de um inquisidor. A ausência de uma lei regulando a Liberdade de Expressão favorecia um clima onde os artistas podiam ser processados por difamação por qualquer motivo.
Muitos dos críticos de hoje acham que à exceção de uma ou duas gravuras que parecem retratar especificamente uma determinada pessoa, a maioria dos Caprichos, como Goya declarou em 1799 “fala das loucuras e fraquezas que podem ser encontradas em qualquer sociedade civilizada: os preconceitos e as práticas de logro que o costume, a ignorância e a necessidade de levar vantagem em tudo acabaram por tornar um hábito corriqueiro”.
Alguns críticos pensam que Goya usou o artifício de muitos artistas: certos indivíduos eram modelos para certos “tipos” humanos.
Francisco de Goya viveu 78 anos. Uma vida longa, muito acidentada, mas que legou ao mundo um verdadeiro tesouro. No ano passado a Obra-Prima postou um retrato dele onde se pode ver, muito nitidamente, toda a sua força vital e inteligência. Está linkado para quem não viu.
Hoje encerro a semana com o Capricho nº 1, que é um autorretrato e com o 43.
Fran.co de Goya y Lucientes, Pintor, Capricho nº 1
Legenda no Museu do Prado: Verdadeiro retrato seu, de mau humor e semblante satírico.
Estava com 43 anos.
Estava com 43 anos.
O sonho da razão produz monstros, Os Caprichos nº 43
Goya adormece. Sua razão, sem freios, libera seus fantasmas e seus monstros. Ele sonha e depois põe em sua arte o mundo fantástico que encontrou em seus sonhos. Que todos encontramos nos nossos. Mas é preciso ser um Goya para, como ele diz, unir o sonho à razão e criar uma maravilha como Os Caprichos.
Legenda no Museu do Prado: A fantasia, quando abandonada pela razão, produz monstros impossíveis; unidas, as duas são a mãe das artes e a origem das maravilhas.
Legenda na Biblioteca Nacional: quando os homens não ouvem o grito da razão, tudo é só visão.
El sueño da la razón produce monstruos, Los Caprichos, nº43, 1799, aquaforte e aquatinta, 21.8 x 15.2
Fran.co Goya y Lucientes, Pintor, Los Caprichos nº 1, 1799, aquaforte, aquatinta e ponta seca, 22.0 x 15.3
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